Por Reynaldo Domingos Ferreira
A angústia de se ter de conduzir a família num mundo em desintegração é o tema de A Estrada, de John Hillcoat. O filme narra a luta pela sobrevivência de um homem e de seu filho, enquanto vagam em direção ao oceano pelo território americano totalmente destruído por um cataclisma, possivelmente de potencialidade nuclear.
O roteiro, do britânico Joe Penhall, é baseado no best-seller, The Road, do escritor americano Cormac McCarthy, Prêmio Pulitzer de Literatura (2007) que, na essência, faz a transposição para um tempo indefinido do episódio bíblico, da fuga de Lote, com sua família, da cidade de Sodoma, destruída pela punição divina.
A desesperadora batalha pela sobrevivência une então pai (Viggo Mortensen) e filho (Kodi Smit-McPhee), cada vez mais, no mundo pós-apocalíptico, em que a civilização foi dizimada, assim como as plantas e os animais. E houve até mesmo o obscurecimento da luz do sol. Ao longo dos caminhos nevados, que percorrem, eles procuram abrigos, agasalhos e suprimentos, tendo ainda de se defender, constantemente, da horda do que restou da espécie humana, entregue ao canibalismo.
O pai, de acentuada diferença de idade em relação ao filho, carrega um revólver, que tem apenas duas balas para ser usadas, eventualmente, numa situação extrema de necessitarem ambos cometer o suicídio. Emflashback, feito por intermédio de sonho – de mais expressão na película do que na obra literária, como vale observar -, o pai rememora a decisão da mulher (Charlize Theron) de se matar para não continuar passando frio e fome.
O roteirista Penhall sintetizou bem os reveses por que passam, em suas andanças, pai e filho, que se dizem ser, a certa altura, dois mortos-vivos num filme de terror. Depois de enfrentar um canibal, o pai se vê forçado a atirar nele, ficando com apenas uma bala no revólver. Mas, os dois seguem avante. Encontram então uma grande casa, onde os canibais escondem suas presas para o sacrifício. Por pouco, eles não são também ali aprisionados.
De todos esses episódios o pai extrai lições para explicar ao filho como deveria ele proceder na eventualidade de sua ausência, pois tem consciência de que não chegará vivo ao final: – Por todos esses caminhos não há homens inspirados por Deus! – afirma. – Eles levaram o mundo consigo. Ou então, o adverte: – Se você descumprir promessas pequenas, vai descumprir as grandes. Há, por assim dizer, a clarividência também nos diálogos da super-proteção dada, no pós-guerra, pelos pais aos filhos, que, com isso, os tornaram despreparados para enfrentar o mundo, de natureza sempre dura e hostil.
Se o trabalho de Penhal na adaptação da novela – cuja narrativa é dotada de verdadeiros cortes cinematográficos – tem muita qualidade, o mesmo não se pode dizer em relação ao de Hillcoat, que só faz ilustrar o roteiro, sem conseguir criar dinâmica própria para o argumento. Em decorrência disso, a expressividade de sua direção se deve a dois elementos: as excepcionais interpretações de Mortensen, de Smith-McPhee e de Robert Duvall, este no papel de um velho moribundo, a quem o pai não quer ajudar, apesar dos insistentes pedidos do filho para que o faça, e a fotografia de Javier Aguirresarobe, que dá à película a tonalidade exata de tragédia. Mortensen, principalmente, numa composição brilhante, sustenta, de ponta a ponta, a narrativa, trazendo a compreensão ao espectador, pelo caráter da personagem que interpreta, de que a história é feita, na realidade, seja em que condições for, pela têmpera de grandes indivíduos.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
A ESTRADA
THE ROAD
EUA/2009
Duração –
Direção – John Hillcoat
Roteiro – Joe Penhall com base no livro The Road, de Cormac McCarthy
Produção – Nick Wechsler, Steve Schwartz, Paula Mae Schwartz
Fotografia – Javier Aguirresarobe
Trilha Sonora – Nick Cave e Warren Ellis
Edição – Jon Gregory
Elenco – Viggo Mortensen (Pai), Kodi Smith-McPhee (Filho), Charlize Theron (Mãe), Robert Duvall (Velho Moribundo), Guy Pearce (Pai de família), Molly Parker (Esposa) e Michael K. Williams (Ladrão).