(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:16)
Artigo de FC Leite Filho
Amanhã todas as manchetes convergirão para a chegada supermidiática do Presidente dos Estados Unidos, George Walker Bush, a terras brasílicas. Seu jornal, sua TV, sua rádio e seus sites, blogs e grupos de discussão da internet não falarão de outra coisa. “O homem mais poderoso do mundo”, como a ele se referem os jornalistas, vai passar algumas horas em São Paulo, para depois cumprir um giro de quatro dias pelo Uruguai, Colômbia, México e Guatemala.
A expectativa é grande, mas, pela massa de informações despejadas sobre nós nos últimos dias, pode-se inferir que os acordos bilaterais, a serem solenemente assinados, não conduzirão a grandes mudanças. Fora a propaganda sobre nosso Programa do Álcool, que as TVs americanas vinham exaltando há algum tempo como a grande saída para a dependência do petróleo, nada poderá se esperar de concreto, em termos de avanços em nossas relações bilaterais.
A comitiva do Presidente visitante já descartou a principal reivindicação brasileira: eliminação ou atenuação de barreiras alfandegárias (US$0,54 para cada barril de álcool) e outros de nossos produtos.
Tudo parece se confinar ao campo simbólico e aos gestos de boa vontade, o que não é de todo desprezível, já que, potência emergente que somos, temos interesse em preservar a amizade com o grande irmão do norte. Agora, a visita encerra em si uma lição: os americanos não podem continuar a relegar o Brasil e a América Latina, como o vinham fazendo, não só nos seis anos anos que já duram de mandato Bush, mas praticamente desde a morte do Presidente John Kennedy, em 1964. Ou,mais precisamente, desde a Crise dos Mísseis, em 1962, quando Kennedy praticamente eliminou a ameaça cubana, ao forçar a então União Soviética a retirar os mísseis balísticos que havia instalado na ilha de Fidel Castro.
Kennedy , como se sabe, concebeu a Aliança Para o Progresso, projeto aclamado como de grande envergadura (chegava a comprometer-se com US$ 20 bilhões em investimentos, embora, segundo os críticos, mal tenha ultrapassado um bilhão) para promover o desenvolvimento e atacar a pobreza dos latinos.
Mas, como era para neutralizar Cuba e Cuba nunca foi mais a mesma depois dos Mísseis, a Aliança foi mixando até ser formalmente enterrada em ato do Presidente Richard Nixon, em 1970. Desta vez, com George Bush, o perigo, mais concreto (e mais insidioso) é Hugo Chàvez e sua audaciosa diplomacia dos petrodólares (60 bilhões anuais).
Ocorre que o Plano Bush destinado a nocautear o renitente líder venezuelano peca por uma indigência espantosa. Está a bilhões de distância da Aliança para o Progresso de Kennedy e outros bilhões dos acordos de Chàvez para fornecer petróleo barato, assistência médica, educacional e tecnológica e compra maciça de armas, equipametnos e produtos industriais e semifaturados aos países vizinhos.
No Brasil , só para citar um exemplo mais modesto, o chanceler Celso Amorim orgulha-se de dizer que nosso comércio com a Venezuela aumentou 400% depois dos petros. E o que dizer das trocas de gasolina por bois com o Uruguai, da compra de cerca de 5 bi da dívida externa argentina, do refino de petróleo do Equador e das usinas de eletricidade enviadas para a Nicarágua, Bolívia e países do Caribe?
Já o Plano Bush, como anunciou o próprio Presidente, durante discurso a uma entidade hispânica em Washington, na última segunda-feira, limita-se a algumas poucas perfumarias: um navio-hospital que atenderá até 85 mil pessoas de baixa renda, treinamento de professores em regiões pobres, microempréstimos e financiamento de casa própria.
Isso parece piada diante da magnitude dos programas de Chàvez, como a Missão Milagre (Misión Milagro), que, junto com Cuba, já realizou cirurgias para recuperar a visão e remover catarata ou tratamento de câncer em quase 300 mil pessoas de toda a América Latina, inclusive 91 do Brasil; das operações que já eliminaram o analfabetismo na Venezuela, em 2005, e promete fazer o mesmo dentro de três anos na Bolívia, Equador e Nicarágua; e das duas mil clínicas instaladas em bairros pobres e 475 micro-hospitais dotados de equipamentos e pessoal de alta tecnologia?
Seja como for, o fato é que o Brasil e a América Latina, como um todo, só tendem a lucrar com esse embate Chàvez-Americanos. Só assim a preocupação com a América Latina deixa de centrar-se em questões macroeconômicas, que só trouxeram infortúneos a esta já sofrida região, como demonstraram as privatizações, as aberturas indiscriminadas do comércio e as desregulações. Agora, ufa!, os americanos se sentem obrigados a falar de educação, saúde, habitação e outros ítens da agenda social.
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Comentário de Carla Marques do “Direto da Redação”
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