sábado, setembro 21, 2024
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O Irã e o desafio de se fazer ouvir

Por FC Leite Filho
Fomos ao Irã – I (*)
Veja também: Energia nuclear para todos, por Beto Almeida

Quem chega ao Irã, nestes dias de alta tensão no Oriente Médio e de exacerbação das sanções ocidentais, tem a noção de que o país está em marcha batida para o capitalismo. É isto pelo menos o que denotam as manchetes dos jornais pró-Governo, escritos em inglês. O Tehran Times, por exemplo, anuncia que a Bolsa de Valores de Teerã, a TSE, na sigla inglesa, atingiu, no último sábado, o nível record de 125 bilhões de dólares, o maior em 44 anos. O Irã News proclama que as reservas de ouro da mina de Tabak, na província de Azerbaijão Ocidental, está em quatro milhões de tonelada, de um total de cerca de 100 milhões de potencial neste campo, que poderá proporcionar 10 anos de segurança econômica.
A enorme produção de automóveis é outro indicativo deste viés capitalista: três mil carros por dia, ou mais de um milhão por ano, para uma população de 70 milhões de habitantes, menos de um terço da nossa brasileira, de 3,6 milhões, em 2010. Os engarrafamentos são pontuais e ainda não atingem o paroximo de São Paulo ou mesmo de Brasília: as ruas da capital, de 9 milhões (14 milhões na área metropolitana) são relativamente trranquilas, no que pese seu trânsito irregular.

Os sinais de guerra, se existem, não são palpáveis à primeira vista. A população, predoninantemente de jovens, segue normalmente sua rotina de trabalho, estudo e diversões, sem teor alcoólico de qualquer espécie, a não ser nos ambientes fechados de alta classe média. As crianças fazem um colorido especial, como seu alarido na saída das escolas e nas visitas aos museus, e as mulheres primam pela elegância. Não obstante a obrigatoriedade de cobrir a cabeça, não mais com o xador preto, mas com lenços de cores harmoniosas, parece não afetar seu garbo. A calça jeans substitui a saia, que tem de ser obrigatoriamente longa, por isso pouco prática, e a maquiagem é especialmente bem cuidada neste país, terceiro maior consumidor de cosméticos.
Essa rotina não impede que o governo do sempre polêmico e enfático presidente Mahmoud Ahmadinejad continue com uma postura desafiadora. No sábado, dia de nossa chegada (vim com um grupo de mais sete jornalistas blogueiros independentes de Brasília – veja matéria e videoentrevista no post anterior – para um tour de dez dias por várias localidades do Irã), ele anunciava a entrada em operação da terceira geração de centrífugas nucleares. No anúncio feito a propósito da celebração do Dia Nacional da Tecnologia Nuclear Iranaiana, ele proclaou: Ä confiança em Deus e a unidade sem precedência do povo iraniano são a chave de nossas realizações, pois os inimigos não podem privar o Irã de sua dignidade, independência e auto-confiança”.
Como resposta à intensificação das sanções, por parte da Europa e Estados Unidos, que obtiveram a chancela da ONU, e que causam uma série de estrangulamentos em parte da economia, Ahmadinejad pode apresentar um país relativamente calmo, em meio às tempestades que perpassam países como o Egito, a Líbia, Bahrein, Iêmen, Tunísia etc.

Ele já comprovou que pode revidar os ataques pontuais mas mortíferos ocorridos desde sua reeleição há mais de um ano. Tais investidas, inspiradas do exterior, como alega o governo, envolveram assassinatos de cientistas, manifestações turbulentas por parte de um setor da juventude e a morte de alguns jovens e militares, inclusive uma universitária, que os manifestantes quiseram – mas ainda não conseguiram, pelo menos entre a população – fazer o símbolo da resistência.
Esse desafio, evidentemente, impõe algumas limitações na comunicação, como o cerco às redes sociais, como Youtube, Facebook e Tweeter, que o governo acusa de insuflar a juventude, a partir de diretrizes emanadas dos órgãos de segurança das grandes potências. Trata-se de situação que a nós, blogueiros, causa embaraço, porque são elas importantes instrumentos de que dispomos para divulgar nosso trabalho. Entretanto, compreendemos as restrições, pois sem elas, a esta altura, o governo e todas as conquistas de emancipação social e econômica da Revolução Islâmica iriam por água abaixo. O Irã então retornaria inapelavelmente ao obscurantismo da época do Xa Reza Pahlevi, que prevalceu até 1979, sob os augúrios dos Estados Unidos e da Europa.

Nossa visita, nos dois primeiros dias, se lmita a a museus, bazares, jardins públicos, entidades culturais, como a Casa dos Artistas, visitas a cidades históricas, como Shiraz, Persépolis, Isfehan, Parságada e Yazd, no aparente propósito governamental de mostrar aos blogueiros brasileiros a normalidade da vida cotidiana. Mas a partir do terceiro dia, teremos encontros no Centro Espacial, considerado um dos mais desenvolvidos, e outros setores estratégicos, além encontros com autoridades, inclusive com um dos vice-presidentes da República. Ao nosso pedido de uma visita com o presidente Mahmoud Ahmadinejad, o embaixador em Brasília, Mohsen Shaterzadeh, que nos fez o convite, foi enigmático: “Isso vai depender dele, que tem uma agenda muito cheia, mas não descartem a possibilidade de que ele lhes faça uma visita, quando menos se esperar”.
Enquanto isso, nós vamos desbravando este teimoso país, que, desafiando as mais terríveis ameaça de invasão, inclusive atômica, segue a tempestuosa trajetória de unir seu povo no caminho da emancipação e de um desenvolvimento mais equânime, a partir de sua presença mais decisiva no cenário de poder mundial.

(Entre 11 e 19 de abril de 2011, um grupo de jornalistas blogueiros independentes de Brasília viajou por Teerã, Sihaz, Isfahan e Yazd para conhecer a realidade iraniana: Eu, FC Leite Filho, Beto Almeida, Chico Sant’Anna, Helena Iono, Isabel Fleck, Paulo Miranda e Bruno Mascarenhas e Luiz Cabral, de São Paulo)

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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  1. […] Quem chega ao Irã, nestes dias de alta tensão no Oriente Médio e de exacerbação das sanções ocidentais, tem a noção de que o país está em marcha batida para o capitalismo. É isto pelo menos o que denotam as manchetes dos jornais pró-Governo, escritos em inglês. O Tehran Times, por exemplo, anuncia que a Bolsa de Valores de Teerã, a TSE, na sigla inglesa, atingiu, no último sábado, o nível record de 125 bilhões de dólares, o maior em 44 anos. O Irã News proclama que as reservas de ouro da mina de Tabak, na província de Azerbaijão Ocidental, está em quatro milhões de tonelada, de um total de cerca de 100 milhões de potencial neste campo, que poderá proporcionar 10 anos de segurança econômica. Continue lendo […]

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