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Crítica do filme 5 Dias Sem Nora



Antes de morrer, uma mulher arma esquema para que o ex-marido cuide de seu funeral de acordo com as normas rígidas da tradição judaica, deixando, contudo, uma foto, em seus guardados, sob a cama, que vai fazer despertar nele angustiosas lembranças do passado. Esse é o tema de Cinco Dias Sem Nora, de Mariana Chenillo, primeiro mulher a ser indicada ao prêmio de Melhor Filme do Ano (2009) da Academia de Cinema do México.

Chenillo, autora também do roteiro, ambienta a história num único cenário – o apartamento de Nora (Silvia Mariscal) -, dando-lhe, portanto, estrutura teatral, tratada, porém, ao ritmo de uma linguagem dinâmica na tonalidade de comédia de humor negro, em que, se por um lado, há a celebração da religião judaica, por outro, há também virulenta crítica aos excessos dogmáticos. Sua narrativa é pontuada por solo de piano na execução de um tema original de Dario Gonzalez Valderrama.

No prólogo, em que o toque feminino da realizadora se torna marcante pela serenidade no manejo da câmera, a cargo de Alberto Anaya, e por uma cortina rendada esvoaçante sobre um fundo negro, Nora prepara, cuidadosamente, a mesa de refeição como se esperasse reunir, em torno dela, toda a família para a celebração do Pessach ( Páscoa judaica ). Enquanto trabalha, ela espia, de quando em quando, pela janela, por meio de um binóculo, o ex-marido José Kurtz (Fernando Luján ), que vive só, após 15 anos de separação, num edifício situado do outro lado da rua.

No dia seguinte, José recebe uma encomenda volumosa de carne congelada, feita por Nora, que não pôde ser entregue em seu apartamento, pois, segundo informara a vizinha ao entregador do açougue, ela viajara de férias. Apesar de estranhar a informação, José tenta acomodar parte da carne em seu refrigerador, mas logo compreende que terá de levar a outra parte para o congelador da ex-mulher, de cuja residência tem a chave. É depois de verificar, na geladeira, o preparo meticuloso dos ingredientes do jantar da Páscoa, com recomendações feitas à empregada Fabiana (Angelina Pelàez), que ele vai descobrir que Nora se suicidara.

Reflexionando, José expõe momentos dos trinta anos em que viveu com Nora, lutando contra a sedução que ela, depressiva crônica, sentia pela morte: – Eu não quero que você se mate! – ele lhe pedia. Mas mesmo depois do nascimento do único filho, Ruben (Ari Brickman), ela, tratada por psiquiatra, Dr. Alberto Nurko (Juan Carlos Colombo), vez por outra, queria se matar. A sua morte, como deduz José, foi ardilosamente planejada para que, ocorrendo às vésperas da Páscoa, toda a família estivesse presente ao seu enterro, que só se realizaria quatro dias após, num cemitério judaico.

Daria tempo, portanto, segundo o raciocínio de José, para virem o filho, a nora Bárbara (Cecília Suarez) e as netas, que viviam em outra cidade. A Ruben, quando chega, emotivo, ele pergunta: Você não percebe que sua mãe nos quis manipular? Uma revolta interior começa então a se apoderar dele. Quando o rabino Jacowitz (Max Kerlow) expõe as exigências do ritual a ser obedecido pelo velório, segundo as normas do Talmude, José o ofende, oferecendo-lhe uma pizza recheada de lingüiça de carne de porco. O rabino, injuriado, vai embora e ele, apesar de ateu, encomenda os serviços de uma funerária católica, que expõe, na sala, o caixão cercado de velas e um grande crucifixo ao centro. O conflito religioso, assim, está formado.

Habilidosa no trato com os atores, Chenillo sabe explorar no trabalho de todos eles as nuanças necessárias para fixar bem o perfil das personagens que participam da comédia. Destacam-se, nesse sentido, Max Kerlow, como o rabino Jakowitz; Enrique Arreola, como seu assessor Moisés e Verônica Langer, a prima de Nora, que chega, sem ser esperada, de Guadalajara, trazendo um peixe para o jantar da Páscoa. Quem domina a cena, entretanto, fazendo-se merecedor do prêmio Ariel de Interpretação, que recebeu no México, é Fernando Luján, soberbo no papel de José Kurtz. O diálogo surdo, sentido e revoltado, que José trava a todo tempo com a ex-esposa morta, só pode ser trazido à tona realmente por um grande ator, como ele, de fato, o é.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
CINCO DIAS SEM NORA
CINCO DÍAS SIN NORA
México / 2008
Duração – 92 minutos
Direção – Mariana Chenillo
Roteiro – Mariana Chenillo
Produção – Mariana Chenillo e Laura Imperiale
Fotografia – Alberto Anaya
Trilha Sonora – Dario González Valderrama
Edição – Mariana Chenillo e Oscar Figueroa
Elenco – Fernando Luján (José Kurtz), Enrique Arreola (Moisés), Ari Brickman (Ruben Kurtz ), Max Kerlow (Rabino Jacowitz), Juan Carlos Colombo (Dr. Alberto Nurko), Marina de Tavira (Nora jovem), Verônica Langer (prima Leah), Silvia Mariscal (Nora Kurtz), Juan Pablo Medina (José jovem), Angelina Peláez (Fabiana), Laura Suàrez ( Barbara Kurtz).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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2 COMENTÁRIOS

  1. Estou louca para ler a crítica sobre o filme capitaes de areia, q não faz jus, na minha opinião, ao livro maravilhoso do Jorge Amado… Queria muito q ela fosse feita pelo Domingos ou pelo Leitefo. Não demorem por favor, acho q não aguentaria de tanta curiosidade sobre o q vcs acharam do filme. Achei os novos atores nervosos e despreparados, será q vcs concordam? Fico no aguardo. Beijo grande

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