O que está acontecendo na Argentina vai fatalmente se desdobrar aqui no Brasil. Trata-se de revelar, como agora demonstra a questão da fábrica Papel Prensa (papel-jornal), a promiscuidade dos grandes meios de comunicação com as ditaduras militares, as quais, tanto lá, como aqui e no resto da América Latina. foram gestadas e cevadas nas direções dos chamados jornalões.
A Papel Prensa, cujo controle governamental foi assumido pelo governo da presidenta Cristina Kirchner, com a aprovação, na tarde de ontem, da respectiva lei, pelo Congresso, é um monopólio entregue pelos militares, em 1977, aos grupos “Clarín” e “La Nación”, dois arautos da ditadura, em prejuízo dos outros jornais do país. Segundo o atual governo democrático, a posse do Papel-Prensa, antes pertencente a um banqueiro, David Graiver, morto misteriosamente num acidente de avião, em Chilpacingo, no México, em 1976, foi extorquida através de expedientes vis, como ameaças de assassinato, sequestro, prisão e tortura da viúva de Graiver, Lidia Papaleo.
A operação envolveu a participação do governo, que entrou com 27% do capital, mas só para constar, já que quem dá as cartas é o “Clarín”, o grupo mais forte, que açambarcou 49%. O grupo “La Nación”, proprietário do jornal do mesmo nome, se contentou com 22%. Desde então, a fábrica passou a produzir papel-jornal, isento de imposto, somente para estes dois jornais, enquanto o restante dos outros periódicos, inclusive revistas como “Noticias”, foram obrigadas a se virar com importação e outros encargos.
Agora, com a lei aprovada pelo Congresso, a fábrica, considerada de interesse público, será obrigada a fornecer papel a todos os jornais, indistintamente, a um preço fixo, estabelecido pelo Ministério da Economia. Não obstante, a medida vem sendo taxada como atentatória à liberdade de imprensa pelo cartel dos grande conglomerados jornalísticos, SIP (Sociedade Interamericana de Prensa), que congrega os donos de três mil jornais das três Américas, com sede em Miami, e o Grupo Diarios de América (GDA), integrado pelos jornais “La Nación” (Argentina), O GLOBO (Brasil), “El Mercurio” (Chile), “El Tiempo” (Colômbia), “La Nación” (Costa Rica), “El Comercio” (Equador), “El Universal” (México), “El Comercio” (Peru), “El Nuevo Día” (Porto Rico), “El País” (Uruguai) e “El Nacional” (Venezuela).
Contudo, é o proprietário de um grande grupo midiático argentino, Jorge Fontevecchia, que edita o jornal “Perfil”, e as revistas “Caras” e “Notícias”, quem diz, numa entrevista à Folha de S. Paulo, de ontem: “O tamanho do “Clarín” é excessivo e um problema para o bom exercício do jornalismo. Para comparar com Brasil, o Grupo Clarín corresponderia ao poder da TV Globo, mais a Folha, mais o jornal “O Globo” e o UOL, sem contar o serviço de banda larga”.
Opositor acérrimo do governo, Fontevecchia reconhece, porém, que a lei é justa, quando afirma: “Aqui é preciso esclarecer o seguinte. O papel nacional custa US$ 750 a tonelada. “Clarín” e “Nación” dizem que não afetam a ninguém porque o papel importado custa US$ 680.
Só que eles estão mentindo. A US$ 680 a tonelada só podem comprar os grandes compradores como o “Clarín”, “La Nación” e “Perfil”, porque para sair com esse preço é preciso comprar 5 mil toneladas. Os pequenos jornais do interior não podem fazer isso. Então compram de um revendedor, que por sua vez compra as 5 mil toneladas e revende em partes menores para os jornais pequenos. Com isso, óbvio, acaba vendendo mais caro, a US$ 800, US$ 900. Há um 25% de intermediação. Um pequeno consumidor não pode comprar o importado mais barato que o nacional. Só as grandes empresas conseguem porque têm como arcar com os custos e possuem grandes depósitos. Agora, há necessidade de distribuir mais papel. Nesse sentido, o governo parte de um ponto justo”.
O editor do “Perfil” ainda lembra que a Papel Prensa, teve como primeiro dono César Cívita, tio de Roberto Cívita, dono da Editora Abril, que edita a “Veja”, e que, no Brasil, “O Estado de S. Paulo” e “O Globo” também tiveram sua fábrica de papel-jornal, a Pisa, que depois venderam:
“Talvez uma coisa interessante para o leitor brasileiro entender o imbróglio seja lembrar que quem fundou a Papel Prensa foi a Abril. César Civita, tio de Roberto Civita, criou a Papel Prensa para alimentar as revistas da Abril aqui na Argentina.
Só que a violência que havia nos anos 70 o assustou. Havia ameaças de bomba nas redações e tentaram sequestrar sua filha. Ele se cansou e vendeu o negócio.
A segunda conexão com o Brasil são os pontos de contato entre a história da Papel Prensa e da fábrica Pisa, da qual eram donos “O Estado de S.Paulo” e “O Globo”.
A maior multinacional de papel norueguesa, a Norske, comprou a Pisa desses dois jornais brasileiros. A Norske também era dona, no Chile, da maior fábrica de papel chilena, que se chama Bio Bio”.
(continua daqui a pouco)
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