(Do site Carta Maior) O projeto para reformar Banco Central da Argentina, anunciado pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner diante do Congresso, pretende terminar com o modelo neoliberal no sistema bancário instalado pela ditadura de 1976 e aperfeiçoado pelo menemismo durante os anos noventa. Projeto propõe um Banco Central que intervenha no desenvolvimento econômico com equidade, estabilidade financeira e crédito produtivo. A presidenta argentina defendeu que os BCs devem acrescentar à sua tradicional responsabilidade em política monetária um papel de “forte intervenção na economia”.
Por Francisco Luque – De Buenos Aires
Buenos Aires – O projeto para reformar a Carta Orgânica do Banco Central da República Argentina (BCRA), anunciado pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner diante do Congresso, na quinta-feira passada, é um dos anúncios mais relevantes em matéria econômica tendentes a terminar com o modelo neoliberal no sistema bancário instalado pela ditadura de 1976 e aperfeiçoado pelo menemismo durante os anos noventa. Um projeto que tem como objetivo enterrar as idéias da lei de convertibilidade impostas em 1992, propondo um Banco Central que intervenha no desenvolvimento econômico com equidade, estabilidade financeira e crédito produtivo.
Em seu discurso no Congresso Nacional, a Presidenta frisou que os bancos centrais deviam acrescentar à sua tradicional responsabilidade em política monetária um papel de “forte intervenção na economia”.
“Em 1992 se suprimiram todas suas funções de orientação do crédito, imobilizando o Estado neste papel, e esse poder foi parar nas entidades financeiras, nos bancos e, por isso, aconteceu o que aconteceu na Argentina e no mundo inteiro. O resultado disso se chamou Consenso de Washington”.
De concreto, se for aprovado, o Banco Central terá como meta preservar o valor da moeda, além de somar à estabilidade financeira e ao desenvolvimento econômico com equidade social. Poderá regular e orientar o crédito outorgado aos bancos, estabelecendo as condições em termos de prazos, taxas de juros, comissões e cargos. Com isto, o BCRA recuperará seu papel histórico na promoção do crédito produtivo. Também enterrará formalmente o manual ortodoxo “Metas de Inflação”, que diminui a autonomia da política cambial e expõe a economia à instabilidade dos mercados financeiros.
A presidenta explicou que a iniciativa aponta registrar no marco normativo o atual funcionamento da política macroeconômica. Junto com a ampliação dos objetivos do banco eliminam-se os resíduos da convertibilidade. Para isto, se modificará a obrigação de manter uma relação direta entre a base monetária –dinheiro e depósitos na economia – e a quantidade de reservas. O um-por-um será substituído por uma nova forma de determinar o nível de reservas ótimas. O projeto dispõe que, quando o estoque de divisas supere este ponto, o excedente poderá ser destinado ao pagamento de vencimentos da dívida externa. Não obstante, embora o projeto estipule que só se poderá utilizar para pagar a dívida, o fato de que o BCRA possa cobrir boa parte do vencimento da dívida, implica uma economia significativa e abre uma porta para aplicar em diversos fins como, por exemplo, a reestatização da indústria nacional, privatizada nos anos noventa.
Um dos pontos para fortalecer o papel do BCRA no novo paradigma econômico é a ampliação de seu mandato com o objetivo de perseguir objetivos múltiplos. Estas mudanças recuperarão metas existentes no organismo desde sua criação, em 1935, com governos de diferentes orientações políticas, como o pleno emprego, o crescimento econômico e o desenvolvimento. Esta busca do desenvolvimento econômico com equidade social contempla um amplo espectro de objetivos, como a criação de emprego, o crescimento econômico, a distribuição de renda e também a questão do meio ambiente.
“A atual Carta Orgânica do Banco Central está dissociada do modelo produtivo que persegue metas de inflação sem atender a economia real. A nova normativa deixa em letra escrita que a autoridade monetária passará a ter como objetivo principal a estabilidade monetária, a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico com equidade social”, afirmou a presidenta do BCRA, Mercedes do Pont, ao jornal Página/12.
Segundo os especialistas, o Banco Central argentino continuará tendo como objetivo defender o valor da moeda, mas agrega outras metas que já foram aplicadas explicitamente por outros países depois dos nocivos efeitos da crise financeira, e evitando o exemplo do Banco Central Europeu, uma entidade considerada excessivamente ortodoxa, demasiado preocupada com a inflação, que inclusive chegou a subir a taxa de juros na Europa quando estava à beira da recessão.
Outro aspecto interessante é o impulso ao crédito. Na Argentina, o crédito representa somente 14% do PIB, um dos percentuais mais baixos em nível regional, e estão concentrados nos setores que mais rentabilidade oferece aos bancos: o consumo e o comércio exterior. A proposta outorga um papel ativo na promoção do crédito produtivo de longo prazo. Para isso, poderá regular as condições dos empréstimos, estender prazos, fixar tetos para as taxas de juros, orientar o destino a qualquer setor produtivo ou região, limitar as comissões e os cargos. “Não existem exemplos no mundo de recuperação econômica exitosa onde o crédito ao investimento de longo prazo não tenha exercido um papel transcendental no processo de desenvolvimento”, sustentam as autoridades econômicas do país.
Neste aspecto, a ministra da Indústria, Débora Giorgi, assegurou que esta reforma permite orientar o sistema financeiro para investimentos produtivos. “O capital dos bancos deve ser dirigido para financiar a economia real, para aprofundar a reindustrialização e a geração de mais postos de trabalho”, sustentou a autoridade.
Este projeto impulsiona também mudanças para prevenir o abuso na relação entre o sistema financeiro e seus clientes. A nova norma incorpora às funções do BCRA a necessidade de limitar a concentração do sistema financeiro e evitar o abuso de posições dominantes. Assim, a autoridade monetária colaborará ativamente com as Comissões Nacionais de Defesa do Consumidor e Defesa da Competição. Também amplia a incompatibilidade para qualquer negócio financeiro e quem chegue à diretoria do Banco Central deverá renunciar a outras atividades do setor. A iniciativa também estimula o papel de supervisionar do organismo, assim como auditar todo o sistema bancário e as fusões e aquisições entre entidades.
“A ruptura com o legado dos anos 90 implica restituir ao Banco Central seu papel histórico na promoção do crédito produtivo acompanhando as políticas formuladas pelo governo. Será uma das funções estratégicas para garantir a estabilidade monetária, sustentar o crescimento econômico e caminhar para o desenvolvimento e o pleno emprego. É o mesmo que se definia na norma de 1992 e que postula em sua carta orgânica a Reserva Federal, banco central norte americano, referência para desorientados pelos alertas de espanto de porta-vozes de banqueiros e ex-presidentes do BCRA, sempre tão próximos dos interesses do mundo das finanças”, ironizou o editoralista Alfredo Zaiat, do Página/12.
Tradução: Libório Junior