(Publicado originalmente em Seg, 23 de Fevereiro de 2009 11:29)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Em O Lutador, de Darren Aronofsky, o ator Mickey Rourke retoma seu lugar de destaque no cinema, repassando sua amarga experiência dos últimos quinze anos ao retratar a figura de um profissional de luta livre que, como todos os que se dedicam ao violento esporte, sacrificou o seu corpo, a sua vida, a fim de obter transitória admiração da platéia. O filme de Aronofsky, de linguagem documental, virulenta em relação a esse tipo de esporte, é baseado no livro de Robert D. Siegel – também autor do roteiro – sobre Randy The Ram Robinson (Mickey Rourke), uma personalidade que, por razões não muito bem esclarecidas, marcha célere para a degradação final.
Por isso, a tonalidade da fotografia – tomada por Maryse Alberti pela câmera digital que capta a luz ambiente, barateando a produção – é sempre opaca. Com isso, a narrativa de Aronofsky ganha percepção lúgubre ou deprimente, em especial nas cenas de autoflagelo dos lutadores, quando eles aplicam grampos no próprio corpo para que sangre durante as lutas. Por sinal, a ação se inicia quando Randy combina previamente, com um dos seus adversários, como ocorrerão os lances para que a luta, entre eles, a próxima, se torne mais dramática. Depois de tudo acertado, o lutador recebe, em seu camarim, Greg (Scott Siegel), vendedor de substâncias anabolizantes (esteróides) – o ator foi preso por essa prática na vida real -, com quem praticamente compromete todo o dinheiro que deverá receber nas apresentações seguintes. Ao voltar à noite ao miserável trailer, onde mora, na década de oitenta, nos subúrbios de Elizabeth, New Jersey, Randy tem seu acesso ali impedido pelo proprietário, que lhe cobra o aluguel atrasado. Duro, sem dinheiro, ele ingere medicamentos e se contenta em dormir no carro, onde, no outro dia, é acordado por um bando de garotos que o desafiam para uma “luta” de brincadeira. Pela rotina da vida de Randy, percebe-se então que tudo, para ele, vai-se tornando problemático. Pois não consegue, como desejava, concretizar uma ligação amorosa com Cassidy (Marisa Tomei), uma stripper, por causa do filho dela. E depois de lutar com Necro Butcher (Dylan Summers), sofre um infarto, é internado e, após se submeter a uma cirurgia, fica sabendo que não poderá mais usar anabolizantes nem lutar.
Randy procura então se adaptar à sua nova realidade. Emprega-se numa loja de comidas prontas e, ao mesmo tempo, tenta se reaproximar da filha, Stephane Robinson (Ewan Rachel Wood), lésbica, que vive com uma amiga nos arredores da cidade. O reencontro do pai com a filha, porém, é difícil. Compreende-se, pelas reclamações dela, que Randy se tornou incapaz de assumir uma posição na vida, já que a profissão de lutador lhe foi sempre causa impeditiva disso. Aronofsky expõe essas nuanças com muita competência. De qualquer forma, porém, seu trabalho não teria a categoria que tem, se não contasse com a estupenda atuação de Mickey Rourke no papel do protagonista, prêmio Spirit Award, de Melhor Ator do Ano. Sua interpretação só é comparável, nesses últimos anos, à de Daniel Day-Lewis em Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson. É verdade que estabelecer uma conexão entre as duas interpretações é difícil. E não é só pela diferença de métodos de composição usados pelos dois atores. Mas porque, no caso de Rourke, além da falta de disciplina – rígida para Day-Lewis – , o processo de autodestruição por que passou é absurdamente igual ao de sua personagem Randy, uma pessoa que há vinte anos foi a maior sensação do Madison Square Garden e hoje se acabou. Pois, de fato, para muitos cineastas, se Rourke tivesse morrido após a sua genial interpretação em Coração Satânico (1987), de Alan Parker, seria lembrado como um James Dean ou um Marlon Brando. Isso porque o estilo de interpretação dos três é semelhante. E não é outro senão o preconizado, na década de cinqüenta, pelo Actor´s Studio, de Lee Strasberg e Elia Kazan, do qual Rourke – um de seus raros e autênticos perpetuadores nestes nossos dias – se utiliza para moldar sua interpretação de Randy. Com esse trabalho, ele se redime dos últimos quinze anos cinzentos em que esteve envolvido com o pugilismo, que o desfigurou para sempre, a droga, a máfia e os terroristas do IRA.
As atrizes que contracenam com Rourke, deixado de ser para sempre o símbolo sexual de Nove e Meia Semanas de Amor, de Adryan Line – Marisa Tomei e Ewan Rachel Wood – se aproveitam do brilho de sua interpretação para aparecer em atuações burocráticas. Tomei, bonita e sensual, repete, sem inspiração, para quem tem um Oscar, o clichê da prostituta boazinha, de bom coração, que já havia feito em outras circunstâncias ao longo de sua extensa filmografia. Por ser a linguagem do filme documental, Tomei confia na improvisação, mas nem sempre se sai bem. E Wood apenas recita as falas de Stephane na cena em que Rourke faz explodir, em intensidade, toda a ternura, que se desprende do coração doente de Randy…
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
EUA/2008
Duração – 109 minutos
Direção – Darren Aronofsky
Roteiro – Robert D. Siegel
Produção – Vincent Maraval
Fotografia – Marise Alberti
Música Original – Clint Mansell, com a canção-tema, The Wrestler, de Bruce Springsteen
Edição – Andrew Weisblum
Elenco – Mickey Rourke (Rand Robinson), Marisa Tomei (Cassidy), Ewan Rachel Wood (Stephane Robinson), Mark Margolis (Lenny), Todd Bony (Wayne), Ernest Miller (Ayatollah)