Por Reynaldo Domingos Ferreira
Apesar de ser o tango, por definição, uma composição de música, canto e dança, o que prevalece no documentário Café dos Maestros, do estreante cineasta Miguel Kohan, é a música instrumental de vários compositores responsáveis pela era dourada do ritmo (décadas de 40 e 50), muitos dos quais continuam ainda compondo, reunidos por Gustavo Santaollala, ganhador duas vezes do Oscar, num concerto memorável no Teatro Colón de Buenos Aires.
Santaollala, que é um dos produtores do filme, com Walter Salles, ajudou Kohan na elaboração do roteiro, tendo a assumida intenção de fazer uma versão (ou remake, segundo a teoria do crítico Thomas Leitch) em sentido de homenagem a Buena Vista Social Club, de Wim Wenders, com o meritório resgate do acervo musical da velha-guarda portenha, e ainda fez arranjos para atualizar, ao que se percebe, algumas das peças executadas pela Orquestra Túpica de Los Maestros.
O espectador não deve ir ao cinema, entretanto, pensando em ver um espetáculo de dança como o do famoso filme de Carlos Saura, nem em ouvir melodramáticas e desgastadas letras de tangos dos tempos áureos de Carlos Gardel, lembrado apenas, de relance, num banner exposto num dos edifícios de Buenos Aires, pois os cantores que resistiram ao tempo – mais de cinqüenta anos – são em número reduzido (Lágrima Rios e Virginia Luque por exemplo) e quase não cantam.
O roteiro, ao contrário do de Wim Wenders, falha ao pretender traçar um perfil dos compositores focalizados, criadores de uma variedade de estilos e de escolas, que não têm oportunidade sequer de dar depoimento sobre seus respectivos métodos de trabalho e de composição. De poucos se ouvem, ao longo dos noventa minutos de duração do filme, considerações sobre suas experiências profissionais e existenciais.
No geral, os compositores da época pré-Piazzolla se mostram, como é natural, emocionados por se reunirem, após tanto tempo no esquecimento, diante da perspectiva, que lhes acena, como guia, o autor das trilhas sonoras de Brokeback Mountain e Babel: a de se apresentarem, em noite de gala, no melhor e mais famoso teatro da Argentina!… Muitos deles, segundo afirmam, nunca chegaram a pensar nisso durante todas as suas vidas. Os cumprimentos de uns para com os outros são, por isso, os mais efusivos possíveis. Alguns inimagináveis entre nós.
De imediato, contudo, os compositores – destacando-se entre eles Alberto Podestá (autor de Percal), Osvald Berlinguieri, Horacio Salgan, Leopold Federico, Carlos Juan Garcia, Atilio Stamponi, Mariano Mores, José Luiz Stazo e outros – começam a ensaiar suas peças, ressaltando a importância, para a execução do tango, de alguns instrumentos básicos, como o violino, o piano e principalmente o bandaneón, o mais característico de todos, que, em substituição à flauta, enriqueceu o ritmo, de raízes africanas, com mais sonoridade, melodia e lentidão.
Por sinal, um dos presentes lembra o estilo próprio de um músico daqueles tempos que executava o bandaneón no tom mais sereno ou lírico possível. E tenta reproduzir no instrumento a maneira de tocar do músico, já desaparecido, enquanto a câmera focaliza logradouros da cidade de Buenos Aires que preservaram o clima da época, dando sentido mais nostálgico à seqüência pontuada pelo tango. Um outro fala da importância do arranjador, não valorizado, como lembra, nos tempos de outrora, mas que, ao seu conceito, pode eventualmente – como Santaollala certamente, embora ele não o diga – abrilhantar mais uma composição: Isso porque quem sabe criar o silêncio faz, com certeza, um bom tango!… – ele acrescenta.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
CAFE DE LOS MAESTROS
Argentina, Brasil, Reino Unido e EUA / 2008
Duração – 90 minutos
Direção – Miguel Kohan
Roteiro – Miguel Kohan e Gustavo Santaollala
Produção – Walter Salles, Gustavo Santaollala e Lilá Stantic
Fotografia – Miguel Kohan, Gabriel Pomeraniec, Federico Gómez, Diego Polori, Gaston Delecruze e Carolina Grano.
Trilha Sonora – Gustavo Santaollala
Edição – Alejandra Almiron e Gonxalo Santiso
Elenco – Lágrima Rios, Virginia Luque, Aníbal Arias, José Luiz Stazo, Leopoldo Federico, Horacio Salgan, Carlos Juan Garcia, Osvald Berlinger, Julio de Caro, Emilio Belcarce, Domingo S. Federico, Angel Cabral, Francisco Ceraso, Alberto Podestá, Mariano Mores e Ricardo Brignolo.