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Argenleaks, Politileaks e a marcha contra Cristina

Amanhã, 18 de fevereiro, uma marcha estrepitosa, estimulada pelos setores concentrados da mídia e da economia, tentará minar e até destituir a presidenta Cristina Kirchner, se conseguir o nível de tumulto e comoção daquela de 11 de abril de 2012 que, em Caracas, depôs por 48 horas o então presidente Hugo Chávez. Em princípio, convocada por cinco promotores desavindos com o governo, a título de lembrar o primeiro mês da morte do promotor Alberto Nismman, ela foi logo instrumentalizada politicamente pelos Grupos Clarín, La Nación e Perfil, que controlam a mídia privada. A marcha de los fiscales (promotores), como se autodenomina, é considerada um desafio político tão inquietante como aquele da revolta do campo, que ameaçou a chefa do Estado argentino, pouco depois de ela haver assumido a Casa Rosada, em 2008, ainda que dois dos responsáveis pela convocação tenham sido envolvidos em processos de acobertamento da causa.

Neste contexto, os livros Argenleaks e Politileaks, do jornalista Santiago O’Donnel,  traduzem-se numa referência para entender o processo argentino e latino-americano na sua relação com os Estados Unidos e o chamado mundo ocidental. Eles são considerados de suma importância, por desvendarem, através da publicação, edição e análise dos cables (documentos secretos) da embaixada estadunidense em Buenos Aires. É que eles indicam o nível de relacionamento, as opiniões e mesmo delações feitas pelas principais figuras da oposição, além de donos, editores e repórteres especiais de jornais, que costumam frequentar a sede da representação na Avenida Colômbia, 4300, ou trocar ideias com seus diplomatas e agentes secretos, em lautos almoços e jantares, em residências privadas ou nos finos restaurantes portenhos.

O jornalista Santiago O’Donnell, editor internacional do Página 12, recebeu, pessoalmente, em Londres, das mãos de Julian Assange, diretor do  Wikileaks, um pen-drive de 2.700 documentos (cables, telegramas, emails) trocados pela Embaixada Americana, em Buenos Aires, com a sede do Governo em Washington. Ele, na verdade, integra o pacote de mais de de dois milhões de documentos publicados pelo site, em 2012, com grande repercussão internacional. O que O’Donnel encontrou nesse minúsculo dispositivo foram provas cabais daquilo que era simples voz corrente: a sistemática intromissão dos EUA nos assuntos internos daquele país, começando pelo tutelamento da mídia hegemônica, entidades empresariais, setores da sociedade e dos principais líderes oposicionistas com vistas a sabotar e torpedear as iniciativas envolvendo a emancipação e a soberania do país. No caso específico do ex-procurador Alberto Nisman, essa intromissão, que também arrolou os serviços secretos da CIA, do israelense Mossad e do britânico MI6, resultaram no prolongamento indefinido das investigações sobre o atentado da AMIA, onde morreram 85 pessoas e outras 252 ficaram feridas. Isto foi ao ponto de, até hoje, passados 21 anos, de marchas e contramarchas, não produzir qualquer conclusão confiável, além de continuar a produzir mais controvérsias, destruição de reputações de juízes, promotores, jornalistas e mortes, como a de Nisman, encontrado morto numa poça de sangue no banheiro de seu apartamento de Buenos Aires, no último dia 18 de janeiro.

Desse modo, os documentos do Wikileaks renderam a O’DOnnell dois livros “Argenleaks” e “Politileaks”, escritos em espanhol, ainda não traduzidos no Brasil, mas que já podem ser baixados, ao preço de dez dólares, pelo celular ou micromputador, nas lojas da Apple e da Amazon. Eles são agora considerados essenciais para entender o momento do vizinho do Prata, sobretudo o “Politileaks”, o último a ser lançado, já que escarafuncha a relação promíscua de Nisman, que poucos dias antes de sua morte, tinha denunciado a presidenta Cristina Kirchner e o chanceler Héctor Timerman de acobertarem os cidadãos iranianos acusados de autores do atentado da AMIA .

O Café na Política entrevistou O’Donnell, quando ele relatou sua experiência no trato com esses documentos, num vídeo através do Skype, ainda em preparação, assim como analisa a situação deflagrada pela súbita morte do procurador, anunciada em 18 de janeiro último. O vídeo, que ainda depende de um contato final com O’Donnel, será apresentado neste espaço, e transmitido pela TV Cidade Livre de Brasília, Canal 12 da NET (DF) e postado no Youtube. Enquanto isso, convidamos o leitor a apreciar algumas das conclusões do escritor argentino, que ainda teve uma experiência de quatro anos de repórter policial no Washington Post e no Los Angeles Times.

———— Atualização ——

“O procurador antecipava à embaixada medidas judiciais, tanto da (sua procuradoria) como da instância a que compete a causa AMIA, levava rascunhos de resoluções para que a embaixada os corrigisse, até conseguir a aprovação da sede diplomática, e se desculpava reiteradamente por não ter avisado previamente a medida judicial do caso aos diplomatas e agentes da citada embaixada estadunidense. Os cables ainda refletem que importantes dirigentes das principais organizações da comunidade judaica, da chancelaria (ministério das Relações Exteriores) e até dos próprios experts estadunidenses que se entendiam com Nisman expressavam, na intimidade, sérias dúvidas sobre a marcha do expediente, ainda que evitassem externá-las publicamente, no intuito de não debilitar a causa”.

El País e Le Monde – ” Além desta informação, de claro interesse público, me chamou a atenção que o jornal espanhol El País e o francês Le Monde, que vinham publicando matérias sobre a Argentina, com base nos cables do Wikileaks desde novembro de 2010, até aí não tivessem publicado nem uma palavra sobre os 196 cables relativos àAMIA, muitos deles classificados como “secreto” ou “classificado”.

“Também me chamou a atenção que menos de uma semana depois de Assange ter-me confiado os cables da Argentina, El País publicou pela  primeira vez um artigo referente aos cables que falam do atentado à mutual judia de 1994. Mas longe de pôr a descoberto a conivência do fiscal com a embaixada, o artigo se dedica a ventilar algo que já era de público conhecimento: a então aproximação de Nisman com o governo que havia começado, quando Néstor Kirchner criou uma procuradoria especial para investigar o atentado , em 2005, e nomeou Nisman para conduzi-la”.

————-

“A embaixada diz ter uma relação muito estreita com o Clarín, do mais modesto periodista ao editor-geral, com quem está constantemente falando e mandando-lhes passagens para que se divirtam, (coisa) que o jornal muito agradece e que não opõe qualquer obstáculo em colocar matérias editoriais em suas páginas”.

“O procurador que investiga o atentado de 1994 contra o edifício da sede da AMIA, Alberto Nisman se desculpou junto à embaixada dos Estados Unidos, por não lhe ter avisado de que pediria a detenção do ex-presidente e atual senador Carlos Menem, por suposto desvio da investigação, nos primeiros anos da causa contra os ex-funcionários iranianos”.

Nisman estava “especialmente interessado en desculparse” porque sua atitude, que surpreendeu os americanos, num momento em que chegava ao país o diretor do FBI, John Pistole. As palavras entre aspas surgem dos emails do então embaixador Earl Wayne: ‘Nisman disse várias vezes não ter pensado que a visita (de Pistole) coincidiria com seu anúncio. Referiu que pedia muitas desculpas e que agradecia o apoio e a ajuda do governo dos Estados Unidos e que de nenhuma maneira queria subestimá-lo”.

Leia também:

Artigo de Santiago O’Donnel: Detrás de Nisman

Café na Política: Como se fabricam os virais e factoides

Café na Política: Charle Hebdo e o  factoide que não deu certo

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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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