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“O SILÊNCIO CÚMPLICE” – (quando se perde o fio da História)

Por Geniberto Paiva Campos (*) – Brasília – fevereiro, 2016

“A intolerância é a imbecilidade à procura de uma multidão. É o espetáculo da estupidez com entrada franca, mas todos pagam caro no final” (1)
“A Lei é a razão livre da paixão” (2)

1. Quanto tempo ainda levaremos para superar este ciclo absolutamente simplório do atual jogo político, que já dura a eternidade de uma década?
Os brasileiros nesse período tão especial foram gradativamente desaprendendo a fazer suas avaliações conscientes, a pensar com seus neurônios. Substituídas por inacreditável ingenuidade política e emburrecimento. De imensurável risco futuro.

Como se, de repente, a nação tivesse sido povoada por crentes e fiéis seguidores de uma estranha seita: a dos crédulos, tolos e ingênuos a dizer sim e amém a todas as tolices, mentiras e barbaridades emitidas pelos barões da mídia. Empenhados em criar uma nova realidade. Cultivando, irresponsavelmente, um ódio rasteiro e irracional ao Partido dos Trabalhadores/PT e às suas lideranças. Que teriam inventado a corrupção. Mas, na verdade, cometido a ousadia, quando no governo do país, (embora timidamente, com erros e acertos, e dentro das suas limitações políticas) iniciar a mudança, através do voto popular, livre e soberano, inseridos nos limites da ortodoxia democrática, no combate direto à face sombria da desigualdade e da injustiça social. E lutando contra a perigosa manutenção de uma posição subalterna do Brasil no campo político internacional. Um programa inaceitável para a elite.

Utilizando antigas estratégias, a elite brasileira contando sempre com o tradicional apoio dos barões midiáticos, e agora dispondo da cumplicidade de setores do judiciário, decidiu praticar um jogo político de altíssimo risco. Trata-se da politização da corrupção; da criminalização de um partido político, o PT; da imposição de uma prática política absolutamente nefasta, a qual inviabiliza o país do ponto de vista econômico, prejudicando o funcionamento das instituições; da criação de uma imagem negativa do Brasil no plano internacional. Entre outros equívocos, potencialmente fatais, impeditivos à implantação permanente de seguros alicerces políticos e culturais da nação brasileira. Tudo isto trazendo graves consequências, irresponsavelmente minimizadas e/ou negligenciadas por esses agentes do atraso. E “o problema das consequências é que só vêm depois”, como falava o sábio Conselheiro Acácio. Retomaremos esses pontos, a seguir.

2. Caberia um parêntese
. Há um conceito dito e repetido por muitos que falta ao Brasil “um projeto de país”. Trata-se talvez de um monumental equívoco.
Há, sim, dois projetos de país, em conflito político permanente nos últimos vinte anos: – o projeto da coalizão política liderada pelo Partido da Social Democracia Brasileira/PSDB, posto em prática governamental por dois mandatos consecutivos (1995/2002); – e o projeto implementado e atualmente em curso, conduzido pela frente sob o comando político do PT (2003 /2018). Nestes vinte anos de confronto político – eleitoral, os dois projetos tornaram-se plebiscitários.

São dois partidos, diferentes em suas origens e em sua composição. E, naturalmente, com visões políticas distintas e formas também distintas de governar. Sem entrar no mérito das duas propostas partidárias, ambas, de resto, conhecidas dos brasileiros e submetidas periodicamente ao juízo supremo, o escrutínio popular, podemos entender que a grande distinção, hoje, entre o PSDB e o PT, o que efetivamente os separa, é o compromisso com a Democracia. E com a Legalidade.

Compromissos que parecem ter sido negligenciados pelo PSDB, para espanto de muitos dos seus simpatizantes. De início, apenas um flerte com processos autoritários. Após seguidas derrotas nas eleições presidenciais, principalmente depois do surpreendente resultado de 2014, o partido assumiu um perfil ainda mais estranho. Totalmente em desacordo com o seu programa e com o testemunho político dos seus instituidores. Tornou-se intolerante, raivoso até. Abstraindo todo o glorioso passado de lutas sociais dos seus fundadores, gradativamente assumiu discurso cada vez mais conservador. Adotando as teses neoliberais. Tangenciado as teses da Direita mais desabrida, para, ao fim e ao cabo, admitir, docemente constrangido, posições golpistas e antidemocráticas. (Por mais incrível que pareça, o líder do PSDB na Câmara Federal deu entrada no pedido de extinção do Partido dos Trabalhadores. Mais simbólico, impossível. Uma espécie de “ato institucional” sancionado pelo partido?).

É possível imaginar – caso ainda estivessem entre nós – a reação, diante de tal absurdo, de alguns integrantes que compunham a frente política que lutou com bravura e coragem pela redemocratização do país na década de 1980: Tancredo Neves, Mário Covas, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilella, Franco Montoro: um partido, após derrotas eleitorais sucessivas, pedir aos tribunais, assim tão simplesmente, a extinção da agremiação vencedora, no exercício do governo. E simultaneamente faz a solicitação da abertura de um processo de “impeachment” presidencial, por uma causa ainda a ser definida. Um retrocesso. Uma volta aos tempos ditatoriais? Caudilhismo partidário?

Quem concordaria com tão esdrúxulo posicionamento? Afinal, sem os partidos políticos não teremos Democracia. É isso mesmo que se pretende?

Não se trata aqui, de um julgamento moral ou de natureza ética. Apenas se explicita uma avaliação política. No mais exato e correto sentido do termo.

O PSDB e o PT têm ambos o mesmo berço de origem, São Paulo. O PSDB nasceu de uma dissidência do PMDB (para os que apreciam termos bíblicos, o PSDB nasce de uma costela do PMDB). O PT de uma origem mais complexa: tem a sua matriz no movimento operário sindical, com interfaces na Igreja Católica (Comunidades Eclesiais de Base/CEBs e Pastorais) e nas Universidades. Portanto, com fortes ramificações na classe média e entre os intelectuais. Uma mistura implausível.

Ambos os partidos, considerando suas datas de fundação, chegaram precocemente ao poder central.
Seus programas de governo são obviamente diferentes. Mas os dois partidos tinham um ponto em comum: a defesa intransigente dos princípios democráticos e do Estado de Direito. Do qual o PSDB, aparentemente, decidiu se afastar. Talvez pressionado pelas circunstâncias. E, quem sabe, empurrado pelos irresistíveis acenos da mídia e do seu canto de sereia. Seus líderes, ao que parece, não perceberam o inexorável declínio da mídia tradicional. Comandada de forma ditatorial, com indisfarçado cinismo, a ferro e fogo, pelos seus donos. Não compreenderam que a mistura entre jornalismo e política partidária não funciona. E, geralmente, acaba mal. (São vários os exemplos. O do ex-governador Carlos Lacerda, talvez seja o mais significativo).

E o mais importante: o nascimento e o crescimento (inevitáveis, carregados de esperanças) de novos padrões de comunicação. Propiciado pela rápida evolução das formas digitais (e interativas) dessa novo e democrático modo das pessoas se comunicarem. Entre si e com os emissores (não mais os donos) da notícia e da informação.
Talvez o PSDB esteja numa séria encruzilhada: seguir como um braço político dos barões da mídia, seguindo cegamente os cânones neoliberais, ou se reinventar para o enfrentamento dos novos tempos e dos novos desafios. A inserção do partido nas classes médias é muito sólida. E isso é um trunfo político importante. Cabe aos seus atuais dirigentes fazer a escolha certa.
Fechamos o (longo) parêntese.

3. Retomando as reflexões acacianas sobre as consequências do jogo político posto em prática pela Oposição:
a) politização da corrupção = trata-se de uma das ações mais deletérias e equivocadas do campo oposicionista. Prejudicial à democracia e à marcha do processo civilizatório. Vestir a corrupção com roupagens partidárias causa tão somente confusão, injustiça e equívocos inomináveis. Criando dois tipos de corrupção: aquelas que são aceitas como “legais”. Convenientemente escamoteadas, perdidas em fundas gavetas de juízes e promotores, e seguindo impunes. E a “corrupção do governo”. Com todo o ritual de processos, oitivas de réus e testemunhas e condenações exemplares. Mesmo sem evidências ou provas convincentes. Na prática, a quebra do Estado de Direito, instituindo-se o Estado de Exceção. E só convence e tem o apoio dos crédulos integrantes da seita.
Os brasileiros conscientes, a cidadania, embora não aceitando este jogo tão desigual, ainda não conseguiram reagir com a ênfase que a repetição dessas ações ilegais estão a exigir. Ao colocar em risco, de forma explícita, a vida política e a normalidade das instituições do país.

b) criminalização de partidos políticos = estas ações oposicionistas são postas em prática para prejudicar os partidos integrantes da coalizão governamental, principalmente o PT.É uma ação conjunta e articulada entre a Oposição, a mídia e parte do Judiciário. Seus efeitos, no entanto, ultrapassam tais objetivos iniciais. E têm efeito devastador sobre o processo político.

Em primeiro lugar por questionar, severamente, em sua essência, a democracia representativa, reduzindo a importância da classe política e, consequentemente do Poder Legislativo. Dos 3 Poderes, o que usufrui de menor prestígio e respeitabilidade. O estigma lançado sobre a política e os políticos não se limitaria, portanto, apenas a alguns partidos selecionados. Ele atinge a classe política como um todo. Uma demonstração eloquente do que sentencia a sabedoria popular: “para fazer o assado é mais recomendável acender o forno, e não tocar fogo na casa…” Com um detalhe inquietante: a respeitabilidade do poder judiciário começa a ser questionada.

c) criação de uma imagem negativa do Brasil = um trabalho diuturno da imprensa brasileira no sentido de firmar entre os crédulos a ideia de que o país não tem jeito: é atrasado mesmo, subdesenvolvido; nosso povo é preguiçoso; para decidir usa o sentimento e não a razão; não sabemos organizar grandes eventos esportivos, p.ex. Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas. E mesmo no futebol, não somos assim tão bons, vide os 7 x 1 na derrota acachapante para os alemães. O país é um Zica… Nossa vocação histórica (nosso destino) é ser tão somente uma Colônia, que se expressa em português. Exportadora de matérias primas.

4. Por que o silêncio, que tangencia a cumplicidade, de boa parte dos brasileiros, das suas organizações sociais e políticas, frente a ações tão negativas e ameaçadoras? Por exemplo, o trabalho de permanente emburrecimento da sua população que (ainda) lê jornais, escuta rádio e assiste televisão, manipulada despudoramente? Como aceitar, passivamente, quietos e calados, como se fosse natural, tantas ilegalidades e ameaças à democracia e ao estado de direito?

São questões pertinentes, perfeitamente cabíveis diante dos sérios agravos à normalidade democrática e à tranquilidade da vida política do país. Precisamos do respeito às instituições e às regras democráticas para crescer e construir uma nação digna e moderna.

Uma elite descontente, ao que parece, pretende impedir qualquer avanço do país em direção ao futuro, que não seja aquele futuro da desigualdade e da injustiça. E pedem, abertamente, a volta de regimes autoritários. Único caminho possível, de acordo com os cânones de uma elite inconformada, ensandecida, que perdeu o rumo e o fio da História. Acostumada a usar o aparelho estatal como se este fosse parte da “casa grande”, reage com violência irresponsável ao ver ameaçados seus privilégios seculares.

Há que se perceber o que está jogo: não se trata da sobrevida de nenhum governo. Não se trata da (cínica) luta contra a corrupção. O que se pretende é a interrupção do processo democrático. Com todas as suas funestas consequências.

REFERÊNCIAS
1. Lassance, A. in Carta Maior – novembro2015
2. Aristóteles – in Frases e Citações

(*) Do “INSTITUTO LAMPIÃO”/IL – Reflexões & Análise de Conjuntura

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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