quinta-feira, novembro 14, 2024
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A participação da mulher e os direitos humanos no Irã

Fomos ao Irã (IV)

Por Helena Iono (*)

A questão dos direitos humanos no Irã, com um dos focos na questão “mulher” no Irã ocupou, nos últimos tempos, vários espaços dos grandes meios de comunicação, a ponto de levar esse país, injustamente, ao banco dos réus da ONU, com o surpreendente alinhamento do governo brasileiro no voto condenatório. Isso, poucos dias antes da chegada de uma delegação de 8 brasileiros, da qual fiz parte, composta de jornalistas, produtores de TVs comunitárias, escritores e blogueiros, ávidos a conhecer a vida, a cultura e a história deste pequeno e grande herdeiro do antigo império persa, berço de tantos patrimônios culturais da humanidade.

Ao se defrontar no longo percurso realizado desde Teerã, a Shiraz, Persépolis, Esfahan a Yazd, com um povo culto, respeitador, comunicativo e solidário, livre, alegre, incluindo todas as mulheres com o hijab na cabeça, e ao visualizar cidades organizadas, limpas, sem favelas, nem mendigos nas ruas, o sentimento inicial, como cidadã brasileira, foi de desculpar-me perante este povo e seu governo pela injusta e equivocada posição do Brasil na ONU, que feriu todos os esforços de integração Brasil-Irã levados nos últimos anos pelo governo Lula. Lamentável a concessão à falsa ladainha midiática dos “direitos humanos” tocada pelos Estados Unidos e Israel, promotores de guerras, massacres, e exemplares transgressores dos direitos humanos da legalidade internacional da própria ONU.

Os direitos humanos no que concerne a vida do trabalhador, do jovem, das mulheres, crianças e anciãos iranianos são razoavelmente respeitados, e como! Desde 1979, após 32 anos da Revolução Iraniana iniciada com Khomeyni e continuada com Ahmanidejad, o Irã, com o petróleo nacionalizado, adquiriu um alto desenvolvimento tecnológico no campo aeroespacial, automotor, na indústria farmacêutica, implementou medidas sociais, de educação, saúde e moradia que tendem a se elevar visivelmente. Quase 90% de seu povo é alfabetizado; há 400 universidades, 50 mil universitários por 1 milhão de habitantes (o dobro do Brasil), 3,5 milhões de universitários, dos quais 68% são mulheres (na época do Xá eram somente 5% e as mulheres maquiadas eram malvistas, chamadas de prostitutas pela moral de então. Isto tudo foi superado).

A participação da mulher no Irã – Dado que um dos focos da vergonhosa campanha internacional contra o Irã é a questão dos direitos da mulher, vale a pena relatar algumas constatações in loco. A visita cultural ao Irã nos permitiu colocar uma luz de objetividade na sublime participação da mulher na história da humanidade como ela merece, e não com a vulgarização dos seus direitos que respondem a um protótipo de mulher fabricado no mercado capitalista. Já o famoso cilindro de Ciro (559 a 530 a.c.) trazido do Museu Britânico ao Museu Nacional do Irã em exposição nos últimos meses, nos permitiu constatar uma carta milenar dos direitos humanos na raiz deste povo, no longínquo império persa. A lição de história na visita realizada a Persépolis berço da dinastia dos Aquemênidas, nos diz que na época de Dario, a mulher jogou um papel central nesse período: eram supervisoras, conselheiras do comando naval e membros do Conselho de guerra.

Jovens visitam museu em Shiraz - Foto de Chico Sant'AnnaNas fases posteriores ao estabelecimento do islamismo, nas mesquitas e palácios de Esfahan, durante a dinastia de Safavid, se denotam a harmonia, a inteligência embutida no renascimento islâmico, onde se combinam arte e capacidade técnico-científica, com pinturas coloridas de mulheres que refletem relações sociais harmoniosas e relativa igualdade de gênero.
Na história do islamismo na Pérsia não se sente o mesmo peso da igreja medieval católica romana, sob a égide do obscurantismo e da inquisição, com rostos de mulheres perseguidas e submetidas. Hoje, por exemplo, no Irã islâmico e em transformação, não há impedimentos para a realização de pesquisas com células troncos. Isso, superado um dos períodos mais tenebrosos no Irã que foi o da dinastia do Xá Reza Pahlevi. Nos suntuosos palácios de inverno e verão da família do Xá (hoje museu, aberto ao público), se espelhava o individualismo, a repressão contra o povo, e o “direito humano e exclusivo” da mulher do Xá.
Os direitos da mulher, a sua participação dirigente na sociedade, latentes no ancestral império persa, renasceram através da revolução de Khomeyni.

Centro de Defesa da Mulher e da Família – A delegação brasileira foi recebida pela Presidenta do Centro de Defesa da Mulher e da Família, Maryam Mojatahedzadeh, Conselheira do Presidente da República que, junto com Maryam Arshadi, Secretária de Relações Públicas do Centro expuseram a situação atual da mulher no Irã. Colhemos também depoimentos de Mahdieh Jamshidi, Diretora da Secretaria de Cultura de Yazd.

O Centro foi fundado em 1988. A partir de 1990, a Diretora passa a ser membro da Secretaria da Presidência. Depois disso foram escolhidas Conselheiras do Ministério da Mulher para defender os interesses da mulher. Qualquer decisão passa por essas Conselheiras. Há mecanismos em todas as cidades e províncias onde as Conselheiras intervém em problemas educacionais. Há 148 versos do Alcorão que compreendem 700 páginas sobre os direitos da mulher na sociedade iraniana.

O Centro focaliza o papel da mulher como mãe e impulsiona a sua função dirigente na família para ser útil na sociedade. Nos tribunais há conselheiras para ajudar em casos de divórcio na reconciliação das famílias. No caso de divórcio se asseguram direitos financeiros à mulher, como o valor chamado “mahrieh” (afeto) estabelecido por contrato matrimonial, resgatável em extrema necessidade, mesmo sem separação. Há também intervenções contra a violência à mulher sobretudo nos extratos mais baixos da população, nos subúrbios das cidades, onde a ausência de uma erradicação completa da exploração econômica burguesa se faz sentir, e as mulheres são ainda as primeiras vítimas. Mesmo que as mulheres não estejam segregadas por razões legais como na Arábia Saudita. Há uma luta contra a máfia dos taxistas que exercem a violência contra a mulher. De toda forma, na balança dos desiguais e combinados, há um grande estímulo ao protagonismo feminino, sob a gestão de Ahmadinejad. Há mulheres taxistas, motoristas de ônibus, caminhões e dirigentes de fábrica.

Mulheres conversam num parque, em Esfahan - Foto de Helena Iono
Nos locais visitados como uma Clínica Oftalmológica, escritórios da Press TV, a maioria do pessoal era de mulheres. Há muitas mulheres na área da engenharia, da pesquisa aero-espacial e médica. Na agricultura aumentou de 35% a participação das mulheres, e de 39% em trabalhos de engenharia e agricultura (de 1976 a 2006). Nos serviços públicos aumentou 41% e nas áreas governamentais, 77,5%. O número de cooperativas de mulheres, aumentou de 958% (de 1986 a 2006). Nos trabalhos técnicos e científicos, 140% de 1976 a 2006.

Helena Iono presenteia flores do Cerrado a Maryam Mojtahedzadeh - Foto Chico Sant'Anna
A Presidenta do Centro de Defesa da Mulher e da Família, Maryam Mojatahedzadeh destacou que “a mulher iraniana cresceu muito na produção de pensamento e idéias”. Há 7 mulheres deputadas e uma Ministra da Saúde. Sabemos que deveriam ser elegidas outras 2 ministras indicadas pela Presidência, mas foram cortadas pelos setores conservadores do Parlamento. Há 15% de mulheres em postos importantes do governo. Há várias mulheres dirigentes de empresa. De fato, é notável que sob o hijab na cabeça das mulheres, não há rostos submissos, mas olhares inteligentes e participativos. O salário da mulher trabalhadora é igual à do homem. É proibida a demissão da mulher grávida; 6 meses de licença maternidade com salário integral; o estado reconhece a função social da amamentação e para isso concede um horário livre à mãe, de 2 a 3 horas durante o trabalho, pelo período de até 2 anos após o nascimento da criança, sem reduzir o seu salário.

Todas estas são conquistas depois da revolução liderada por Komeiny, e afirmadas nos últimos anos em meio a pressões do imperialismo, a uma guerra e a uma luta interna com setores conservadores. Antes, elas eram consideradas mulher-objeto, e as que se projetavam eram mulheres de ministros e pertencentes às camadas mais ricas.

Organização popular e sindical – Evidentemente, o sindicato não constitui uma tradição no país. Mas, sabe-se que na falta dele, as rezas de 6ª. feira nas mesquitas, têm sido lugar de reunião, de debate sobre vários temas econômicos, energéticos e até sobre os conflitos mundiais. Não tivemos a ocasião de presenciar, mas o presidente Ahmadinejad, trata de mobilizar a população realizando assembléias semanais em cada região, abertas ao público e mantê-la em ativa discussão sobre os problemas locais e nacionais, através de viagens e caravanas no interior do país. Isso tem estimulado as mulheres a ocuparem 68% dos bancos da universidade e a retomarem as manifestações, onde elas compõem a parte mais alegre e rumorosa. É verdade também que, por outro lado, como indica um debate oficial, somente 17% delas são absorvidas no mercado de trabalho. Há um fator cultural que induz a mulher a optar posteriormente pela dedicação às tarefas domésticas, ou ao trabalho artesanal e familiar como a tapeçaria, dado que o marido, em muitos casos, não permite que a mulher trabalhe num ambiente separado do núcleo familiar. Soma-se ao fato que há uma corrente privatizante na economia, regida por proprietários de fábricas, que corre contra as leis governamentais que exigem que elas não fechem, nem diminuam o seu pessoal no arco de 5 anos. Muitas fábricas trabalham com a mínima produtividade, e até suspendem a atividade, sustentando uma política anti-governamental. Neste primeiro de maio, o ministro do trabalho ameaça renacionalizar as empresas que demitem os operários.

O uso obrigatório do véu, o hijab - Foto Helena Iono
O uso do véu (hijab) – Sobre o uso do véu ou da vestimenta (hijab) das mulheres iranianas explicam que não é verdade que isso represente uma limitação. Houve um plebiscito e 98% votou a favor do uso do “hijab”. “A maioria das mulheres do Irã não sente a obrigatoriedade do uso do véu como uma limitação, ao contrário, isso lhes dá paz e proteção. Não é uma limitação, mas um fator positivo”.

Antes da revolução já usavam o hijab. Antes não permitiam ela escolher a vestimenta. Na época da guerra muitas mulheres usavam o hijab. E foi com o véu que as mulheres participaram da revolução contra a ditadura do Xá e depois, armadas, muitas participaram da guerra contra o Iraque, que era apoiado pelos EUA. As mulheres que trabalham na área médica e desportiva usam o hijab, e nunca sentiram isso como um problema. As desportistas iranianas registraram excelentes desempenhos nos jogos olímpicos asiáticos.

Maryam Mojtahedzadeh declarou que confia na continuidade de um processo de integração entre o Brasil e o Irã, “apesar de que há inimigos que não querem”. Cita o exemplo do caso Sakineh: “é um processo que corre desde 5 anos atrás. A condenação seria para garantir a segurança dos homens” (ela assassinou barbaramente o marido, esquartejando-o). “Há uma lei do código penal. O não cumprimento da lei causa um outro problema. Seja como for, os opositores criarão um problema. O que o ocidente questiona é a forma de condenação. Sempre há uma minoria que quer desestabilizar com falsidades.”

Sabe-se que em 30 anos de revolução, não houve nenhum caso de apedrejamento. O presidente Ahmedinejad bem respondeu que o caso de Sakineh está na área do poder Judiciário e não do Executivo. Os países do chamado Ocidente querem fazer disso um caso político para desestabilizar o seu governo. Na imprensa do país o caso de Sakineh não tem tanta difusão, como na mídia internacional e brasileira. O que comprova como o caso é artificialmente destacado aqui para envenenar as boas relações entre o Brasil e o Irã. Outra comprovação da fabricação interessada de inverdades é o caso da falsa notícia sobre a censura aos livros de Paulo Coelho; a delegação brasileira comprovou que há pelo menos 4 títulos expostos à venda em uma livraria visitada em Teerã.

No contexto da guerra – As mulheres iranianas tiveram uma ativa participação na guerra Irã-Iraque na defesa da pátria. Maryam Mojtahedzadeh afirma que a guerra entre o Irã e o Iraque não foi uma escolha do povo iraniano. Houve muitas mulheres que perderam maridos, filhos e familiares na guerra. Segundo ela, lutar na guerra para defender o país e o povo é um caminho sagrado. Ela mesma tinha, nessa época, 22 anos e perdeu um filho de um ano e meio na guerra e diz que daria a sua vida em outra guerra se necessário.

Durante a guerra muitas mulheres estavam na retaguarda preparando coisas necessárias, eram enfermeiras sob os tiros de canhão, à mão desarmada contra os tanques que invadiam as cidades. Elas nunca vacilaram em bendizer seus filhos e enviá-los para a guerra, para defender o Islam e a revolução com Khomeyni. Existe um Centro de Mártires da Guerra (há em várias cidades do país) que dá ajuda financeira estatal às mulheres viúvas dos combatentes. Maryam recordou que hoje em dia há vários países muçulmanos que podem se unir para lutar contra os invasores das casas em Bharein que estão espancando mulheres. O que dizem os defensores dos “direitos humanos” no Ocidente sobre isso? Isso corresponde a milhões de apedrejamentos. Confirma-se, mais esta vez, que as mulheres do Irã estão dispostas a lutar até as últimas conseqüências diante da ameaça intervencionista e guerreira contra o Irã, na defesa dos reais direitos humanos e da soberania do seu país.
A delegação agradeceu o troféu que lhe brindou o Centro de Defesa da Mulher e da Família junto à Presidência do Irã, denominado: “Transmissores da Verdade”. O recado era: “Basta que digam a verdade sobre o que viram no Irã”.

(*)Helena Iono
TV Cidade Livre,
Canal Comunitário de Brasília

[Entre 11 e 19 de abril de 2011, um grupo de jornalistas e blogueiros independentes de Brasília viajou por Teerã, Shiraz, Esfahan e Yazd para conhecer a realidade iraniana. Entre eles estiveram presentes representantes da TV Cidade Livre (Canal comunitário de Brasília) e da TVT (dos metalúrgicos do ABC)

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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