Por mais refinados que se apresentem, os laboratórios já não produzem, como no passado, boatos capazes de desestabilizar ou derrubar governos. Prova disso é a situação do presidente Hugo Chávez, que continua governando do leito do hospital, na sofrida Cuba. Outro exemplo de resistência são os da presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, vítima das mais esdrúxulas conspirações internacionais, e das intrigas e falsos escândalos contra o ex-presidente Lula, do Brasil, e sua sucessora Dilma Rousseff, que continuam cada vez mais populares. Em anos não muito remotos boatos como o chamado “mar de lama” e outros de igual calibre, tombaram presidentes constitucionais, como Getúlio Vargas, em 1954, Juan Domingo Perón, em 1955, João Goulart, em 1964, e Salvador Allende, em 1973, e o próprio Chávez, por 48 horas, em 2002.
A força do boato, com efeito, não está apenas no seu potencial de bisbilhotice mas na preparação do terreno para provocar ou induzir golpes de estado, a partir da geração do pânico na população ou em seus setores mais influentes, como o empresariado as forças armadas ou a opinião pública. No caso de Chávez, por exemplo, quando o jornal ABC, da Espanha, ou o médico venezuelano radicado em Miami, José Rafael Marquina, dizem que o presidente “está em coma”, “entubado” ou “respirando por aparelhos”, o objetivo é causar inquietação e desconfiança entre os venezuelanos, para que estes se revoltem e botem abaixo o regime. Como os boatos são difundidos massivamente e com grande estardalhaço pelos meios privados de comunicação, eles criam uma impressão inicial, sobretudo nas pessoas menos avisadas, que só têm a TV, o rádio e os jornais, como fontes noticiosas, de que o governo está caindo de podre.
Por outro lado, os boatos nunca vêm desacompanhados, pois são desencadeados a partir de estratégias mais amplas, que incluem, desde a suspensão de financiamentos internacionais, destinados a asfixiar economicamente os governos, como a sentença de um juiz de Nova York mandando o governo de Cristina Kirchner a pagar títulos podres, como ações predatórias, de que são exemplos os saques e pilhagens nos supermercados e postos de gasolina, em 11 províncias da Argentina, na véspera do último natal. Na Venezuela, o forte apoio da população e o rígido controle governamental, através da atuação dos serviços de inteligência, hoje considerados, junto com os de Cuba e de Israel, como dos mais eficientes do mundo, além da riqueza do petróleo, têm impedido esta ação desestabilizadora. Não obstante, a disseminação dos rumores pela mídia hegemônica comercial, que detém cerca de 90% da audiência, apesar do avanço na comunicação popular do governo, tem obrigado o governo a ficar cada vez mai alerta e respaldar-se no apoio da população. Este teve que convocar a manifestação do dia 10 de janeiro, que lotou o centro de Caracas com mais de 800 mil pessoas.
Na verdade, esta manifestação foi provocada pela exortação a uma greve geral, a partir de exilados do regime, em Miami, nos Estados Unidos, e do apelo de líderes oposicionistas, em Caracas, visando a uma intervenção das forças armadas com o fim de abortar, naquele mesmo dia 10 de janeiro, o início do novo mandato de seis anos de Hugo Chávez, para o qual este foi eleito com 55%, no último sete de outubro. Os chavistas detectaram que se formava uma nova conspiração, com base na intensa onda de rumores, nos moldes da que havia deposto o mesmo Hugo Chávez, em 11 de abril de 2002, mas que foi derrotada pelo povo nas ruas, responsável pela sua restituição ao poder, em menos de 48 horas após instalado o governo golpista do empresário Pedro Carmona.
Na Argentina, a forte liderança da presidenta Cristina Kirchner debelou os saques em menos de três dias e sua ação internacional suspendeu a sentença do juiz de Nova York e providenciou aliberação da fragata Libertad, apreendida por ordem dos chamados fundos abutres (buitres, em espanhol). Cristina disse a propósito dos saques que se tratou de uma “versão decadente e uma má cópia” das pilhagens que derrubaram cinco presidentes em menos de um mês, na crise econômica de 2001. Sobre a volta da fragata Libertad, um navio ecola que viajava havia mais de seis meses por diversos países, disse ser agora, mais do que nunca, a hora de proclamar: “Pátria, sim, colônia não”. No Brasil, Lula e Dilma, que têm um estilo menos confrontador que Cristina e Chávez, têm surfado tranquilos nas águas turvas, toldadas pelos boataria, inclusive porque muito deles não resistem à própria dinâmica do noticiário. O último dels foi a história do racionamento, também desmoralizado pela sua não concretização.
(Ilustração da http://midiaeducacao.com.br/?p=4654)