As reservas internacionais deixaram de ser intocáveis na Argentina. Desde segunda-feira, 1o. de março de 2010, quando, por decreto, a presidente Cristina Kirchner, determinou – e o Banco Central acatou – que fossem retirados seis bilhões dólares das reservas para pagamento de compromissos com a dívida externa, se rompeu uma norma não escrita, mas que era obedecida à risca, como um dos dogmas mais cultuados do neoliberalismo.
Segundo essa norma, as reservas internacionais, dinheiro que os governos poupam a duras penas, com aumentos de juros e de superavit primário, só poderiam ser utilizadas para atender aos interesses das grandes finanças – nacionais e internacionais. O caso da Argentina era típico. O governo tinha urgência em pagar seis bilhões da dívida, mas esbarrou na resistência do então presidente do Banco Central, Martin Redrado, da alta confiança dos banqueiros, como soe aconteceu com a mairoira dos dirigentes dos BCs no mundo inteiro.
Cristina demitiu Redrado, mas este foi mantido por uma decisão de primeira instância da justiça. Tal sentença foi depois derrubada numa instância judicial superior, a qual, no entanto, estabeleceu a proibição de utilizar as reservas. Foi nomeado um novo presidente para o BC, a economista Mercedes Marcó del Ponti, da confiança da presidente.
Mas oimpasse continuava e implicaria que o governo tivesse de recorrer a novos empréstimos na banca internacional, na base de juros extorsivos, entre 13% e 16%, para arcar com o compromisso. Com o uso das reservas, esse percentual diminuiria para até 5%. Cristina sabia que estava mexendo em ninho de cobras. Toda plutocracia se reuniu para “preservar” as reservas.
O decreto da presidente, baixado em dezembro, quando o congresso já estava de recesso e que autorizava o BC a transferir 6 bi das reservas para que o Tesouro fizesse os pagamentos, seria inevitavelmente derrubado pela nova maioria parlamentar, no inicio de março. O Governo dos mais operadores, sobretudo no Legislativo, acabou encontrando uma brecha na lei permitindo que a presidente da República baixasse dois novos decretos, um de urgência, o chamado DNU, que, no Brasil, corresponde à Medida Provisória, e ou simples, pelos quais o Banco Central, agora com maioria governista, providenciasse o repasse dos 6 bi para o Tesouro, o responsável pelo pagamento da dívida.
O anúncio da medida, feito durante o pronunciamento de Cristina no Congresso, quando inaugurava a sessão legislativa de 2010, pegou a oposição de surpresa. Esta se preparava para prolongar a crise com mais delongas no exame da questão, para, depois derrubar a decisão presidencial. Enquanto isso, o país se consumia numa crise infindável, com o país exposto à desconfiança internacional e a bolsa caindo. Agora, com tudo resolvido, apesar do esperneio da oposição, a Argentina volta a desfrutar de índices baixos na avaliação internacional, enquanto a bolsa e os bônus voltaram a subir, e o governo a poder governar.
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