or
Em outubro, haverá eleição presidencial na Argentina e a carga sobre a atual presidenta e virtual candidata à reeleição, já se faz sentir esmagadora. Lá, o jogo é pesado e não se espera que se limite aos ataques midiáticos, como ocorreram aqui, no Brasil, para beneficiar o candidato José Serra contra Dilma Rousseff, afinal eleita. Inclusive porque a artilharia midiática que desabou sobre ela, desde que iniciou seu governo, em 2007, não funcionou: Cristina Kirchner está com quase 60 por cento de aprovação popular e a 30 pontos na frente dos adversários oposicionistas somados.
A apreensão, em Buenos Aires, de um super avião americano, o C-17, transportando armas automáticas, equipamentos eletrônicos para grampear telefonemas, codificar, decodificar e interferir nas telecomunicações, levou alguns observadores a suspeitarem de uma tentativa de golpe, nos moldes da que ocorreu no ano passado com o presidente do Equador, Rafael Correa. Os aparelhos apreendidos foram contrabandeados dentro de um pacote “didático” destinado a um curso que seria dado por oficiais norte-americanosa membros da Polícia Federal argentina, como parte de um convênio assinado entre os dois governos. Ora, se sabe que o levante comandado contra o equatoriano Correa partiu de sua polícia, daí a associação com o episódio do C-17, um avião utilizado durante a guerra fria para o transportes de tanques estadunidenses.
Essa história é cabeluda e exige um insight. Enquanto isso, convido o amigo internauta a se divertir com o vídeo acima e os dois links para os textos abaixo, originados pelo jornal Página 12, de Buenos Aires. Pena é que está tudo em espanhol, mas dá para entender.
Um amigo meu costuma dizer que já não existe FMI, nem CIA, nem colonialismo. Tudo acabou com o comunismo, ele não se cansa de afirmar, em tom solene. E olha que ele não é nenhum Francis Fukuyama, o historiador nipo-americano que previu o fim da história, por causa da queda do muro de Berlim. Esta história do C-17, no entanto, parece ressuscitar todos esses demônios e, junto com eles, a malfadada doutrina da segurança nacional, aquela fomentada pela Escola das Américas, School of Americas (SOA), mais conhecida como Escola de Assassinos (*).
Mas passemos a esta história. Um enorme avião C-17 aterrou em Buenos Aires, na última quinta-feira, 17 de fevereiro, com o pretexto oficial de transportar oficiais e material didático para a ministração de um curso a oficiais da Polícia Federal da Argentina. Até aí, tudo dentro dos conformes, porque a PF argentina, como a brasileira e a de quase todas as outras de países latino-americanos, à exceção de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador, costumam ceder à imposição de Washington e assinar convênios com o FBI, para cursos de treinamento e preparar seus agentes no combate ao narcotráfico e ao terrorismo, ainda que numa flagrante ingerência nos negócios internos. Diga-se de passagem que o mesmo curso está programado para as PFs do Brasil, Colômbia, Uruguai, Chile e PeruMas vá lá. Neste mundo de realpolitik, engole-se muita coisa. Tudo indicava que o avião, com aquele tamanho colossal, não deveria trazer só manuais ou apostilhas de cursos, ou mesmo material para transmiti-los, como como computadores, CDs ou DVDs, como dava a entender o manifesto, o documento especificando os itens transportados.
Por isso, as autoridades da alfândega de Buenos Aires decidiram checar o material, mas esbarrou na resistência dos 12 oficiais norte-americanos que acompanhavam a carga, assim como dos funcionários militares da embaixada na capital portenha, entre eles, os adidos do Exército e da Defesa, coronéis Edwin Passmore y Mark Alcott. Eles alegavam tratar-se de material sensível à segurança dos Estados Unidos (se fossem abertos, poderiam ser detectados pelos satélites espiões). Informada do problema, a presidenta Cristina Kirchner ordenou a verificação do carregamento, enviando ao aeroporto o próprio chanceler Héctor Timermann, que foi embaixador nos Estados Unidos, e o ministro dos transportes, Juan Pablo Schiavi, os quais passaram o dia inteiro no aeroporto.
Foi aí que eles se depararam com uma carga não declarada de armas de guerra, correspondentes a 8 metros cúbicos, ou um terço da capacidade do avião (que já tinha feito escala na Cidade do Panamá, e em Lima, no Peru, onde as autoridades não chiaram ou nem mesmo devem ter tomado conhecimento do que lá desembarcou). Junto com a carga, estava uma mala secreta.Segundo o jornal Página 12, a embaixada retirou em seguida seu pessoal hierárquico e se negou a consentir a abertura da carga. O chanceler Timerman informou que usaria sua competência legal para examiná-la. A embaixada pediu então um prazo de dez minutos até a chegada da adida de imprensa Shannon Bell Farrell. Tanto ela como o adido Stephen Knute disseram que não tinham a chave do cadeado, pelo que Timerman determinou à Alfândega que o rompesse com um alicate. Foi aí que irromperam os equipamentos de transmissão e encriptadores de comunicação, mochilas militares, medicamentos com data vencida, pen-drives e drogas estupefacientes e narcóticas, além de estimulantes do sistema nervoso.
Dentro de uma mala secreta também surgiu um pacote de tecido verde, com a inscrição “Supersecreto”. Dentro dele, foram encontrados dois pen-drives, rotulados como “Secreto”, uma chave I2 de software para informação, códigos de comunicações encripitados (codificados) e um folheto traduzido para 15 idiomas, com o texto: “Sou um soldado dos Estados Unidos. Por favor, informe à minha embaixada que fui preso pelo país”.
Ao tomar conhecimento da abertura da carga, o governo norte-americano reagiu com aspereza e convocou o embaixador argentino em Washington Alfredo Chiaradía, para pedir explicações e manifestar sua “surpresa” com o ocorrido. Por sua vez, o sub-secretário de Estado para assuntos interamericanos, Arturo Valenzuela, exigiu que o avião e todo o material (já então confiscado pelo governo argentino) fosse devolvido “de imediato” , pois “não houve nenhuma intenção de violar as leis argentinas”. “Pelo contrário”, defendeu-se Valenzuela, de nacionalidade chilena, em entrevista à rede CNN em espanhol – “o que se buscava era fazer um trabalho conjunto, respeitoso e construtivo”. A presidenta Cristina Kirchner, alegando defender a soberania de seu país, não só manteve sua decisão de apreender o material, como exigiu explicações e um pedido de desculpas por parte do governo estadunidense. A presidenta ainda determinou a suspensão do curso de treinamento com estrangeiros na Polícia Federal. Seu país já tinha antes se recusado a enviar militares para a Escola das Américas. Agora, imaginemos o que ocorreria se o avião e sua carga fossem da Argentina e o Aeroporto em questão não fosse o de Ezeiza, em Buenos Aires, mas o de Ronald Reagan, de Washington.
(*) A SOA foi criada pelo Exército dos Estados Unidos, em uma de suas bases, com a guerra fria, em 1946. Ela funcionou, até 1983, no Panamá, onde treinou cerca de 60 mil militares das três Américas, inclusive do Brasil, em repressão, tortura, guerre psicológica adversa, contra insurgência, as disciplinas principais que integravam a doutrina da Segurança Nacional. A partir de então, com o pomposo nome de Instituto do Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança – Western Hemisphere Institute for Security Cooperation (WHINSEC), está instalada em Fort Benning, na fronteira da Georgia e do Alabama, nos Estados Unidos.
Vídeo detalha apreensão e a repercussão da carga do C-17
La valija de Obama en Argentina
Lo más pronto possible