Por FC Leite Filho
Autor de Quem Tem Medo de Hugo Chávez
Como fez com as “Marchas com Deus pela Liberdade”, no prólogo do Golpe de 64 no Brasil, a direitona promoveu ontem, em Buenos Aires, a terceira grande marcha contra o governo da presidenta Cristina Kirchner. A razão do protesto midiático, organizado pelo Grupo Clarín, artistas da TV privada, o jornal La Nación e os empresários financiadores dos golpes e ditaduras naquele país vizinho: estar ela realizando um governo popular e soberano, que restringe a volúpia dos lucros finanaceiros mas já construiu duas mil novas escolas, seis universidades, baixou o desemprego de 30 para 7%, fez o país crescer de forma sustentável, numa média de 6%, e arrancou o país do abismo que lhe atirou aquele mesmo grande empresariado, em 2001.
Cristina, uma mulher culta, conhecedora da história e muito corajosa, sabe que está sofrendo o assédio de um golpe de Estado à semelhança daqueles que vitimaram Getúlio Vargas e João Goulart, no Brasil; Perón, na Argentina; Allende, no Chile; e agora tenta alvejar Nicolás Maduro, na Venezuela. Entende ela, porém, que o momento é outro, sobretudo porque a união dos países sul e latino-americanos, como ficou provado na reunião desta madrugada da Unasul que debelou uma intentona na Venezuela, desestimula as conspirações engendradas em Washington por suas multinacionais e associados nacionais. Esta mesma cooperação, materializada em milhares de contratos e empreendimentos, antes confiados a empresas norrte-americanas e europeias e agora reservados a empresas da região, também é responsável por manter o subcontinente quase imune às crises financeiras, que faz hoje da Itália, Espanha, Portugal, Irlanda e Grécia países acossados pelo desemprego e a miséria.
Quando vi que Cristina Kirchner foi o primeiro chefe de Estado a reconhecer como legítimo o resultado da eleição de Maduro, na madrugada de segunda-feira, percebi que, a partir daquele momento, ela estava articulando seus colegas presidentes e as demais forças democráticas para debelar a conspiração que se desenhava para afanar a vitória de Maduro e entregá-la ao adversário Henrique Capriles, candidato da direita, nos moldes daqueles chamados golpes brandos ou de terceira geração.
——
Pronunciamento feito na manhã do dia da 3a. marcha-monstro
——
Tais golpes, que costumam ocorrer em nível estadual no Brasil com a revogação do mandato dos eleitos e a entrega do poder aos adversários, cujo exemplo mais significativo foi a cassação do governador Jackson Lago, do Maranhão, em 2007, tiveram sua grande expressão na deposição do presidente constitucional do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012, num golpe parlamentar chefiado pelo seu vice Frederico Franco, em 2008. A ela se aliaram Dilma Rousseff, do Brasil, Pepe Mujica, do Uruguai e praticamente toda a América Latina, incluindo o México, formalizando um pacto de apoio ao nascente governo Maduro e um pacto contra golpes de Estado e atentados contra a ordem pública (Clique aqui para conhecer a declaração conjunta da Unasul).
Em outros tempos, a OEA, com sua indefectível sede na capital dos Estados Unidos, já teria forçado o Conselho Eleitoral declarar vencedor o candidato direitista, sob pena de uma invasão militar ou, no mínimo, uma desestabilização que tornaria insustentável qualquer governo. Nãoa foi assim que aconteceu em 1954 e 1964, no Brasil, 1955, 1962 e 1976 na Argentina, em 1973, no Chile, e no resto da América Latina, submetendo o continente a 20 anos de ditadura?
Daí a importância da Unasul, que Cristina fez questão de realçar em algumas de suas 60 mensagens pelo Twitter (leia-as aqui), despachadas do avião, quando ela deixava a Argentina, engolfada nas mobilizações feéricas e multicolores, em que a burguesia desfilava seu luxo e arrogância nas ruas de Buenos Aires e outras cidades, para passar a noite e a madrugada em reunião com seus pares, em Lima, com o fim de desbaratar o mais recente arreganho golpista: o complô contra Nicolás Maduro, que já havia matado oito pessoas e ferido 63.
Evitando tratar diretamente da marcha em seu país, mas dando a entender que atuava contra o golpe que lhe estão armando na pátria, Cristina dizia em seus tuítes:
– Ontem foi uma manhã de puro telefonema, com Dilma, Juan Manuel (Sanrtos, da Colômbia), Sebastián (Pi˜era, do Chile), Nicolás Maduro, Ollanta (Humala, do Peru) e hoje às 21 (horas),nos reuniremos em Lima.
– Falta pouco para chegar a (o Tango 1, avião presidencial) chegar a Lima (para) a reunião de apoio da Unasul à Venezuela.
– Unasul de pé e a toda. Como sempre. Não se pode aceitar o desconhecimento da vontade popular e das instituições da democracia.
– A Unasul deve continuar sendo o muro indevassável contra qualquer aventura antidemocrática e golpista.
Na mesma linha de raciocínio, a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, afirmou, ao chegar hoje a Caracas, que a nota da Unasul, em Lima, reafirma a entidade como “como centro de apoio para a estabilidade” e de sustentação legal da democracia na região. “A nota reitera os compromissos da Unasul com os processos democráticos, ao mesmo tempo que determina o posicionamento da Unasul como centro de apoio para a estabilidades, a paz e todos os processos que constituem legalmente a sustentação democrática”, finalizou Dilma.
Hugo Chávez – Nos seus tuítes, Cristina Kirchner anuncia depois que vai à posse de Maduro, em Caracas, onde também visitar o túmulo de Hugo Chávez, que, como seu marido e antecessor na presidência da Argentina, Néstor Kirchner, “seres únicos”, que foram embora cedo:
– Amanhã, em Caracas, sem Hugo. Vai ser forte e encanrtador ao mesmo tempo. Seu funeral foi tão impressionanrte, que fiquei aturdida.
– No sábado de manhã, vou ao Quartel da Montanha, onde (ele) descansa. Quero estar um pouco mais só, sem tanta gente, nem tanto barulho.
– Por que será que os que vivem com muita intensidade nos abandonam tão cedo?
– Em algum momento terão pensado o sentido que era necessário apressar-se tanto, porque o tempo não alcançava para o que queriam fazer?
– Seres únicos, afetuosos e encantadores ao mesmo tempo. Irrepetíveis. Suas ausências se sentem mais que suas passadas presenças.
Paz com Mujica – Nos seus 60 tuítes, diretamente do Tango 1, Cristina ainda encontra tempo para desafazer as intrigas provocadas por um destempero do presidente do Uruguai, José (Pepe) Mujica, que a teria chamado de “teimosa” e “velha”, numa conversa informal com um entrevistador, antes de a entrevista ir ao ar. Cristina, que, no avião para Lima, dera outra vez carona a Mujica, quis mostrar, apesar da ironia contra seu colega e vizinho, que a união entre Argentina e Uruguai contiua cada vez mais firme e que não será nenhum fuxico midiático que vai contaminar seu entendimento.
– Aeroparque (Aeroporto central de Buenos Aires). Tango 01. O Pepe está me esperando p/ viajar a Lima. Que Pepe? Mujica, o presidente do Uruguai.
– Sim, sou meio teimosa, e além disso, sou velha. Mas, afinal… é uma sorte poder chegar a velho, não?
——-
Veja ainda:
El país: 118 tuítes falam das 48 horas da viagem
——–