domingo, novembro 10, 2024
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Cine Clássico: O Ovo da Serpente, de Bergman

A República de Weimar vista por Bergman*

Luiz Santiago

[…] qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado.

Hans Vergerus
Produzido pelo badalado Dino De Laurentiis (de Noites de Cabíria (1957),Serpico (1973) e Hannibal (2001), só pra citar algumas produções de seu currículo), com colaboração germano-americana, O Ovo da Serpente(1977), de Ingmar Bergman é a melhor reprodução cinematográfica da República de Weimar e do surgimento do nazismo na Alemanha¹.

O cineasta sueco escreveu o roteiro sob meticulosa pesquisa histórica, e nele, retratou com muita fidelidade os primeiros passos de uma sociedade que já dividida, desembocaria nas mãos do nacional-socialismo a partir de 1933. Façamos, antes, uma breve passagem pelos eventos que construíram esse tempo histórico.


Com a queda da monarquia na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial, a cidade de Weimar (onde morreu Goethe) foi escolhida como sede do novo governo, uma República liberal que precisava guiar em país destruído pela guerra. Os primeiros anos da República de Weimar são de profunda crise interna, da qual destacamos alguns eventos:

a) Fracasso industrial, e monumental inflação;

b) Impunidade dos assassinos políticos, que agiam em larga escala – segundo o historiador alemão Peter Gay, em seu livro A Cultura de Weimar, o fato de o novo governo não empreender uma reforma judiciária foi um dos seus grandes erros;

c) Diversas tentativas de derrubar o governo;

d) A “crise moral” – e muitas outras – causada pela assinatura do Tratado de Versalhes;

e) A ocupação de Ruhr pela França;

f) O crescimento desenfreado do fanatismo político, do anti-semitismo e da xenofobia.

Nesse caos social, a moderna centelha cultural condenada pela monarquia ganhou espaço livre para manifestar-se, e é então que temos a Bauhaus, A ópera dos três vinténs, A Montanha Mágica, O Gabinete do Dr. Caligari,Dr. Mabuse, Nosferatu, Metropolis, O Anjo Azul, etc. O expressionismo nas artes deste período representava artisticamente a insegurança e as diversas crises do país, sendo o medo, o principal fantasma.

Bergman constrói com impecável riqueza de detalhes o mundo sangrento, paranoico e instável que era a Alemanha de 1923, ano em que se passa o seu filme, no período de 3 a 11 de Novembro, semana do Putsch de Munique.

O Ovo da Serpente é a história de Abel Rosenberg (David Carradine, em atuação magnífica), um trapezista judeu que vê o seu mundo desmoronar a partir do suicídio de seu irmão, e sua vida se resume a lutar pela sobrevivência ao lado de sua cunhada Manuella (Liv Ullman, como sempre, fenomenal), uma cantora de cabaré.

Bergman insere em suas características autorais o mundo que se dispõe representar, e com a fenomenal fotografia de Sven Nykvist, percorre esses mundos com sua devida aura, captadas de campos observadores muito representativos. Um desses mundos é o do espetáculo, e assistimos as apresentações do cabaré (com Liv Ullman cantando em alemão) e de um bar jazz em Berlim, com músicos alemães de caras pintadas de preto.

O anti-semitismo da República de Weimar é visto desde a segunda cena do filme, quando o delegado de polícia pergunta a Abel se ele é judeu, e mais adiante o prende como sendo suspeito de uma série de “assassinatos brutais e misteriosos”. Em outra cena, um grupo de jovens alemães obrigam dois judeus a lavarem uma calçada com escovas, atitude ignorada pelo policial que passa e vê a cena, mas não faz nada. Bergman mostra sem sentimentalismo como o anti-semitismo se espalhou pela cidade, e o discurso de justificativa para esse ódio, tão grande quanto o destinado aos “bolchevistas”. Através dos jornais e das batidas policiais em “estabelecimentos judeus” (o caso do cabaré onde Manuella trabalha é um exemplo), é possível identificar como o discurso anti-semita tinha força, e já nos anos 1920, causava destruição, mesmo em uma Alemanha cuja forma de governo era uma República.

O desemprego e a fome estão em toda parte na Berlim dos “loucos anos”. A cidade parece uma carcaça por dentro, encoberta pela arquitetura. Em uma cena chocante, vemos pessoas cortarem a carne de um cavalo morto para alimentar-se. Também acompanhamos a constante desvalorização do marco, até o ponto em que o valor impresso da moeda não importava mais, e a venda era feita pelo peso que tinha o dinheiro.

A luta pela sobrevivência é a ordem a ser cumprida, e o medo acompanha as ações vacilantes de uma sociedade que se decompõe.

A libido se ajusta à histeria e ao desalento.

O ponto-chave e revelador da obra é quando a história das experiências com seres humanos é esclarecida, em uma das mais supremas cenas do cinema, onde a maestria do corte, do enquadramento e da direção podem ser vistas em seu ápice. Entre pequenos curtas-metragens feitos durante as “observações”, os closes descritivos em um silencioso David Carradine falam mais do que páginas e páginas de um roteiro. O profético discurso final do cientista dá conta do caminho perigoso pelo qual segue a Alemanha, e ressalta a “passividade” do povo judeu, que segue como ovelhas para o matadouro (polêmica também trabalhada por Hannah Arendt).

O desfecho do filme é a triste revelação de um indivíduo “contaminado” pela virulenta metrópole, que tem a oportunidade de sair daquele espaço que se decompõe, mas não o consegue, e se perde entre pedestres e ruas molhadas pela constante chuva, para nunca mais ser visto.

O realismo com que Bergman nos apresenta a Berlim de 1923 é espantoso. Os figurinos de Charlotte Fleming também merecem destaque, pela adequação dramática e imagética perfeitas.

Em O Ovo da Serpente, Bergman empreende uma obra dotada de forte senso crítico-social e de uma exposição memorável da história. Com profunda força imagética, o diretor consegue construir uma sociedade que vivia sob o medo, e denuncia os “motivos pelos quais” o futuro tenebroso falaria por si.

Até mesmo a posição de alemães antinazistas é abordada, e a descrença em Hitler, por ocasião do Putsch de Munique, é verbalizada em cena simbólica.

O Ovo da Serpente é um supremo exercício cinematográfico, com atuações irreparáveis – inclusive do elenco de apoio – e com a louvável direção de Ingmar Bergman, que usou de seu profundo conhecimento da alma humana para transformar em celuloide o sentimento de uma época, fazendo-o de forma única e magnífica.
(1) Rainer Werner Fassbinder também nos legou uma notável contribuição sobre o tema, em sua série para a TV, Berlin Alexanderplatz (1980), onde percorre o período com profundidade amarga através de suas personagens não menos atormentadas que o mundo onde viviam.

 

O OVO DA SERPENTE (Das Schlangenei, EUA/Alemanha Ocidental, 1977)

Direção: Ingmar Bergman.

Elenco principal: David Carradine, Liv Ullmann, Heinz Bennent, Gert Fröbe, Edith Heerdegen.

Cotação: *****
Este artigo é parte do Ciclo Bergman no Cine Revista.
*Artigo originalmente postado no blog “Cinebulição”
trabalho muito árduo. A política não é somente uma questão de correlação de forças, capacidade de mobilização. Em um momento, ela será isso. Mas ela é, fundamentalmente, convencimento, articulação, sentido comum, crença, ideia compartilhada, juízo e conceito compartilhado a respeito da ordem do mundo. E aqui a esquerda não pode se contentar somente com a unidade de suas organizações. Ela tem que se expandir para o âmbito dos sindicatos, que são o suporte da classe trabalhadora e sua forma orgânica de unificação.

É preciso ficar muito atento também, companheiros e companheiras, a outras formas inéditas de organização da sociedade, à reconfiguração das classes sociais na Europa e no mundo, às formas diferentes de unificação, formas mais flexíveis, menos orgânicas, talvez mais territoriais, menos por centros de trabalho. Tudo é necessário. A unificação por centros de trabalho, a unificação territorial, a unificação temática, a unificação ideológica. É um conjunto de formas flexíveis, frente às quais a esquerda tem que ter a capacidade de articular, propor e de seguir adiante.

Permitam-me em nome do presidente, e em meu nome, felicita-los, celebrar esse encontro, desejar-lhes e exigir-lhes – de maneira respeitosa e carinhosa – que lutem, lutem e lutem!. Não nos deixem sós, outros povos que estamos lutando de maneira isolada em alguns lugares, na Síria, na Espanha, na Venezuela, no Equador, na Bolívia. Não nos deixem sós. Precisamos de vocês, precisamos mais ainda de uma Europa que não veja somente à distância o que ocorre em outras partes do mundo, mas sim novamente uma Europa que volte a iluminar o destino do continente e o destino do mundo.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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