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Crítica do filme A Suprema Felicidade

Em A Suprema Felicidade, Arnaldo Jabor, narra, em tom de nostalgia e numa linguagem antiquada, a história da família de um piloto da FAB, ambientada no Rio de Janeiro, no pós-guerra, procurando mostrar, como causa dos conflitos do casal, que amarguram o filho, as frustrações de ambos na vida profissional. Embutidos nessa questão, outros temas – amor como expressão sexual e obsessão religiosa – se desenvolvem por meio de uma mescla de estilos narrativos, que reproduzem desde os musicais e as chanchadas da Atlântida até o neorrealismo do Cinema Novo.

O roteiro, de Jabor e Ananda Rubinstein, de estrutura indefinida, mas lembrando a das crônicas de A Vida Como ela é, de Nelson Rodrigues – de quem Jabor sofre influência até no jornalismo -, por paradoxal que seja, é repleto de escapismos a fim de evitar o detalhamento de alguns assuntos abordados. Assim, embora os fatos sejam vistos sob a ótica do filho do casal, Paulo (Caio Manhente /Michel Joelsas e Jayme Matarazzo), não assume ele – na infância, na adolescência ou como adulto – a condição de protagonista, como seria desejável. Se assumisse, é certo que, desde o primeiro instante, a responsabilidade dos pais, Marco (Dan Stulbach ) e Sofia ( Mariana Lima), perante o filho, deveria ser suscitada por ele, como narrador. Ao contrário, tudo fica no plano de um saudosismo estéril, uma vez que a película – que tem bela fotografia de Lauro Escorel -, segundo o seu realizador, não tem caráter autobiográfico.

Num flashback, Marco e Sofia se conhecem dançando, num baile. Enlevados lá estavam eles, aficionados de cinema, comentando cenas de O Morro dos Ventos Uivantes, de William Wyler. Ela, sedutora e cabeça cheia de ilusões, acreditava que, com ele, seria feliz para sempre. Ocorre, porém, que, após o casamento, ao expor ao marido o seu desejo de trabalhar, ele a reprime, dizendo-lhe que não queria vê-la fora de casa. Começa então o martírio de Sofia que, vivendo sem perspectiva, se entrega a tormentosas crises de ciúme de Marco. Ele, por sua vez, frustrado em suas aspirações de pilotar aviões a jato da FAB, se ausenta cada vez mais das suas obrigações conjugais.

É esse o núcleo dramático do filme em torno do qual gravitam figuras que poderiam ter influência sobre a formação de Paulo, se isso fosse objeto do roteiro. A primeira delas é seu avô Noel (Marco Nanini), ex-funcionário público, boêmio da Lapa, filósofo de algibeira, que inicia o neto na vida noturna da cidade. As outras são: o pipoqueiro, Bené (João Miguel), que conta piadas obscenas e façanhas sexuais; um amigo, Cabeção (César Cardadeiro), de comportamento dúbio, que se perde depois nas trevas; um comprador de jornais, garrafas e objetos usados (Emiliano Queiroz), que perambula pelas ruas tranquilas de um Rio de Janeiro que não existe mais; uma fulana (Maria Flor), que sofre de obsessão religiosa; e, “Marilyn” (Tammy Di Calafiori), de 16 anos, que, explorada pela mãe (Maria Luisa Mendonça), faz strip-tease para clientes de uma boate, por quem Paulo se apaixona.

Sem haver sequer estabelecido uma linha de atuação para os atores – o que parece claro -, Jabor os deixa ao léu da sorte num verdadeiro salve-se quem puder. E quem se salva, em meio a muito exagero de teatralidade e de estrelismo, é Emiliano Queiroz, que realmente confere dignidade ao comprador de jornais, uma personalidade que parece saída da obra de Frank Capra. Emiliano, consciente de que o ator deve servir à personagem e não o contrário, como acontece quase sempre por aqui, com a sua humildade, cria um indivíduo muito autêntico, em termos cinematográficos. É um tipo característico da vida carioca da década de cinqüenta, capaz de comover o espectador e de permanecer em sua memória, mesmo depois de ele deixar a sala de projeção. É provável até que essa atuação de Emiliano se torne, no futuro, referência para o filme de Jabor, como o é, nos dias atuais, a de Grande Otelo para Amei um Bicheiro, de Carlos Manga, em sua antológica sequência de morte, sufocado na lixeira de um edifício, sede de um ponto de apostas….
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.politicaparapoliticos.com.br
www.cafenapolitica.com.br
FICHA TÉCNICA
A SUPREMA FELICIDADE
Brasil/2010
Duração – 102 minutos
Direção – Arnaldo Jabor
Roteiro – Arnaldo Jabor e Ananda Rubinstein
Produção – Francisco Ramalho Jr. e Arnaldo Jabor
Fotografia – Lauro Escorel
Trilha Sonora – Cristóvão Bastos
Edição – Letícia Giffoni
Elenco – Dan Stulbach (Marco), Mariana Lima (Sofia), Marco Nanini (Noel), Caio Manhente, Michel Joelsas e Jayme Matarazzo (Paulo), Elke Maravilha ( Avó de Paulo), César Cardadeiro (Cabeção), João Miguel (Bené), Emiliano Queiroz (Vendedor de Garrafas), Maria Flor (Fulana atormentada), Tammy di Calafiori (“Marilyn), Maria Luisa Mendonça (Mãe de “Marilyn”).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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1 COMENTÁRIO

  1. A unica coisa boa deste filme´é a musica que toca quando a Marilyn dança, uma musica estrangeira que ouvi a primeira vez na decada de 60 e nunca mais ouvi de novo, a qual eu gostaria de saber o nome para ouvi-la vovamente no you tube. Se alguem puder me informar eu agradeceria muito. Edteixe

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