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Crítica do filme "Frost – Nixon"

(Publicado originalmente em Seg, 06 de Abril de 2009 18:29)

Por Reynaldo Domingos Ferreira
Veja aqui o trailer

A dramatização de uma série de entrevistas concedidas por Richard Nixon a um inexpressivo apresentador da televisão britânica, três anos após sua renúncia à presidência dos EUA, adaptada para o cinema em Frost-Nixon de Ron Howard,, se constitui num verdadeiro instrumento de reabilitação de sua imagem –  como também o foi o filme de Oliver Stone -, mais oportuno, porém, diante da desastrada administração de George W. Bush.

A película de Howard, que mereceu cinco indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, além de outras premiações, se baseia na peça teatral homônima de Peter Morgan, responsável também pela elaboração do roteiro.  Ao adaptar o argumento para a linguagem cinematográfica, Morgan  – roteirista de A Rainha, de Stephen Frears – insere nele fatos reais e ficcionais a fim de estabelecer o dualismo do entrevistado e do entrevistador de forma que ambos saiam, ao final da contenda, com ligeira sensação de vitória.
Depois de deixar a Casa Branca, em 9 de agosto de 1974, Nixon (Frank Langella) guardou absoluto silêncio, apesar das inúmeras propostas que recebia para se pronunciar sobre o rumoroso caso Watergate, que causara sua renúncia. Por isso, foi com estranheza que se soube haver ele escolhido, no verão de 1977, o apresentador de programas de entretenimento David Frost (Michael Sheen) para entrevistá-lo.

A escolha fora motivada, como fica evidente, não só pela proposta de cachê de meio milhão de dólares, feita por Swift Lazar (Toby Jones), preposto de Frost, mas também pelo fato de Nixon, hábil no trato com a imprensa e, ao mesmo tempo, desejoso de poder voltar à política, acreditar que lhe seria fácil dominar o inexperiente entrevistador a fim de poder fazer a defesa do seu governo, tanto no plano interno como no externo, e evitar assim que se desse destaque ao famigerado caso Watergate, que ele preferia esquecer.

Para Frost, a entrevista com Nixon seria a oportunidade de ele dar uma guinada em sua carreira, já em pleno declínio. Por isso, além de procurar financiamento para o projeto – orçado em US$ 2 milhões -, Frost constitui uma equipe de profissionais para auxiliá-lo, integrada pelo produtor John Birt (Matthew Macfadyen) e por dois jornalistas que se diziam conhecidos de Nixon, como James Reston Jr. (Sam Rockwell) e Bob Zelnick (Olivier Platt). Todos, porém, se mostram pouco confiantes no êxito do entrevistador.

Correm então as negociações em torno do estabelecimento de normas para a efetivação da entrevista, das quais participa como assessor de Nixon o general Jack Brennan (Kevin Bacon), ficando acertado que a questão Watergate só seria abordada ao final do programa. Nixon, ao chegar à casa alugada especialmente para cenário da gravação, já causa profundo constrangimento aos jornalistas, contratados por Frost, ao lhe serem apresentados: Prazer em conhecê-los!…

Antes de a câmara ser ligada, Nixon também irrita Frost ao lhe perguntar se  não achava afeminado o sapato que ele usava, de procedência italiana, ornado por um par de fivelas… Em seguida, comunica-lhe que vai utilizar um lenço a fim de enxugar o suor que às vezes lhe surge sobre o lábio superior. Em contrapartida, Frost inicia a entrevista, fazendo-lhe uma pergunta sobre Watergate: – Por que o senhor não mandou queimar as fitas?… Nixon, porém, não se perturba. Reclama da pergunta feita, de forma intempestiva, mas esclarece satisfatoriamente a questão e vai adiante, tomando quase todo o tempo do entrevistador.

A direção de Howard (Uma Mente Brilhante) se caracteriza principalmente por soberba composição de planos pela fotografia, rica em contrastes, de Salvatore Totino. Mas Howard também não descura de realizar marcações inteligentes, em curtos espaços, para os atores poderem efetivamente brilhar. E é isso realmente o que acontece. As interpretações, todas marcantes, são o grande trunfo do filme, a começar das de Langella e de Sheen, como Nixon e Frost, atores egressos da montagem da peça, de Morgan, na Broadway, que Howard fez questão de aproveitar.

De Sheen, pode-se dizer que está perfeito especialmente ao transmitir, na dosagem exata, a insegurança de Frost. Observe-se, por exemplo, a cena  em que ele, na noite que antecede a gravação do último bloco da entrevista, sozinho no hotel – a bela namorada, Rebecca Hall (Caroline Cushing), saíra para comprar comida -, recebe, por telefone, a aterradora ameaça de Nixon, pela qual antevê o fracasso total do dispendioso projeto, que lhe consumira dinheiro do próprio bolso.

De Langella, embora o físico não lhe seja favorável – cabe aqui a observação de um crítico americano de que sob esse aspecto ele se parece mais com Leonid Brejnev do que com Nixon -, pode-se considerar que sua interpretação é magnífica. Talvez seja ostentosa demais, a meu ver, para o cinema, mas, certamente, muito apropriada para o palco. De qualquer forma, Langella outorga a Nixon, de acordo com o objetivo do filme de Howard – como já o fizera igualmente Anthony Hopkins no de Oliver Stone -, um impressionante ar de estadista que a personagem, na vida real, lamentavelmente, não deixava evidente.

Os atores Sam Rockwell, Caroline Cushing, Toby Jones, Matthew Macfadyen e Olivier Platt apresentam atuações também de muito bom nível, particularmente o primeiro, que sustenta a narração. É ele quem afirma que J. Kennedy transava com qualquer coisa que mexesse!… Mas, entre os coadjuvantes, a melhor interpretação é inegavelmente a de Kevin Bacon, como sempre brilhante, no papel de Jack Brennan, diligente assessor de Nixon. É dele a cena mais dramática do filme, ou seja, quando Brennan sabiamente interrompe a gravação no momento em que Nixon, pela emoção, poderia perder o jogo no seguinte diálogo:  Frost – O senhor está dizendo que o presidente pode fazer algo ilegal?… Nixon – Eu estou dizendo que, quando o presidente faz, não é ilegal!… Frost – Desculpe-me!…
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA
FROST/NIXON
EUA/ Reino Unido / França / 2008
Duração – 122 minutos
Direção – Ron Howard
Roteiro – Peter Morgan com base na peça teatral homônima de sua autoria.
Produção – Tim Bevan, Eric Fellner, Brian Grazer e Ron Howard
Fotografia – Salvatore Totino
Trilha Sonora – Hans Zimmer
Edição – Daniel P. Harley, Mike Hill
Elenco – Frank Langella (Richard Nixon), Michael Sheen (David Frost), Kevin Bacon (Jack Brennan), Sam Stockwell (James Reston Jr.), Caroline Cushing (Rebecca Hall), Toby Jones (Swift Lazar), Matthew Macfadyen (John Birt), Olivier Platt (Bob Zelnick).

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leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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