domingo, novembro 10, 2024
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Crítica do filme Na Estrada


O que mais caracteriza “Na Estrada” (On The Road), de Walter Salles, é a perceptível falta de identidade da linguagem cinematográfica com a narrativa da obra literária de Jack Kerouac, em que se baseia. Essa linguagem revela estilo seco, quase documental, sem dramatização exagerada – principalmente em se tratando de sexo e de droga -, e absolutamente destituída de julgamento moral das personagens.
Tanto assim que o livro, que se tornaria referência da chamada “beat generation”, escrito em 1951, ao ser lançado seis anos depois, causaria impacto , no meio da juventude, justamente por seu caráter poético, ingênuo e descompromissado. De fato, é preciso considerar, a propósito, que os integrantes do aludido movimento – conhecidos como “beatniks” – não aspiravam a outra coisa senão à descoberta do sentido da vida e à maturidade espiritual.
Kerouac era de formação católica e se tornou, mais tarde, budista, e Allen Ginsberg – um dos maiores poetas americanos contemporâneos (“Uivo” e” Kaddish”, influenciado por Walt Whitman) –, de origem judaica, se mostrou, desde o início, segundo estudiosos de sua obra, “faminto de Deus, mesmo voraz pelo divino”. Retratado no livro de Kerouac pela personagem Carlo Marx ( Tom Sturridge), Ginsberg é leitor de Nietzsche, de Kierkegaard, de Ezra Pound , de Celine, de Thomas Mann e de outros da mesma estirpe.
Em vista disso, não há exagero em afirmar que, por vias transversas, “Pé Na Estrada” – título que ganhou, no Brasil, o romance de Kerouac, publicado, pela primeira vez, em 1970 – é obra de até mesmo certa conotação religiosa. Isso porque, além de mencionar vários indicadores místicos, embutidos na terminologia “beat”, também não lhe falta a expiação divina para os males praticados por certas criaturas. No livro e no filme de Walter Salles, essa expiação é bastante elucidativa, para Dean Moriarty (Garrett Hedlund) quando, na cena final em Nova York, numa noite gélida de inverno, maltrapilho e de aparência doentia, diz a Sal Paradise (Sam Riley): – Eu te amo!…
Conhecedor da natureza de escorpião de Dean, que o deixou doente, sozinho, no México, em meio a estranhos, Sal apenas lhe responde –Adeus, Dean!…E segue com outros amigos num Cadillac, para assistir ao concerto de Duke Ellington no Metropolitan Opera. A expiação para Sal – ou melhor, para Kerouac – ficaria, na vida real, que com a arte se confunde, para seus últimos dias, entregue ao alcoolismo, completamente esquecido, em São Petersburgo, na Flórida, apoiando a guerra do Vietnã e mantendo relação edipiana com a mãe. Para Neal Cassady, inspirador da personagem de Dean , foi a morte causada por uma overdose, no México.
Em síntese, o que conta o livro é a história, muito simples, de como Dean Moriarty (Cassady), ex-detento de um reformatório e inveterado leitor de Proust, e Sal Paradise(Kerouac), que pusera fim a um casamento, ambos sem dinheiro, caminhando ou pedindo caronas pelas estradas, percorreram, de costa a costa, os Estados Unidos e chegaram ao México à procura de motivação para viver.
O mérito do roteiro de Jose Rivera é o de pretender mimetizar o livro, ser-lhe o mais fiel possível , objetivo, por sinal, do realizador Walter Salles. Mas nem por isso precisaria ser tão caudaloso, tão repetitivo. Poderia ser mais seco e contido para que a narrativa fluísse solta sobre ele e de forma menos atordoante, como, por exemplo, na chegada dos dois andarilhos a Denver, no Colorado e, em seguida, no encontro com amigos, numa noite de muita bebida e devassidão.
Nesse sentido, a direção de Salles se mostra inoperante, sem o vicejo da de “Central do Brasil”(1998) ou da de “Diários de Motocicleta” (2003). Parece que a empolgação de enfrentar o desafio de realizar a película, o que muitos bons diretores tentaram antes dele e desistiram, o prejudicou, por assumir a autossuficiência. E, por isso, não captou bem o espírito da obra de Kerouac. Sequer se aproximou dela. Seu relato, mesmo com a inserção de uma cantoria do premiado compositor argentino Gustavo Santaolalla, no introito e no epílogo, é sem graça, sem humor e sem o charme necessário à transposição da literatura para o cinema. O interesse pelo filme é mantido mais pela interpretação excepcional de um jovem ator, Garrett Hedlund, no papel de Dean Moriarty. Hedlund está para “Na Estrada”, assim como Jack Nicholson esteve para “Easy Rider”: soberbo, inesquecível.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TECNICA
NA ESTRADA
ON THE ROAD
França/Brasil, 2012
Duração -140 minutos
Direção – Walter Salles
Roteiro – Jose Rivera, com base no romance “On the Road”, de Jack Kerouac
Produção – Francis Ford Coppola, John Williams, Jerry Leider e Tessa Ross
Fotografia – Éric Gautier
Trilha Sonora – Gustavo Santaolalla, Charlie Haden e Brian Blade
Edição – François Grandigier e Livia Serpa
Elenco – Garrett Hedlund (Dean Moriarty), Sam Riley (Sal Paradise), Kristen Stewart (Marilou), Amy Adams (Jane), Tom Sturridge (Carlo Marx), Dany Morgan (Ed Dunkle), Alice Braga (Terry), Marie-Gin

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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