É difícil dissociar um homem, escritor, chegado aos oitenta anos, em pleno vigor físico, e dado a conquistas amorosas, fictícias ou não, do papel constrangedor de idiota. Isso é o que mais ou menos sugere o cineasta alemão Jan Schütte, em O Amor Chega Tarde, baseado em três contos (The Brief Case, Alone e Old Love), de Isaac Bashevis Singer, prêmio Nobel de Literatura.
Schütte, autor também do roteiro, narra a história do escritor judeu Max Kohn (Otto Tausig), imigrante austríaco residente em Nova York, já de mente um tanto confusa, que ainda usa máquina de escrever, mas é autor de relativo sucesso. E, além disso, há várias mulheres, ao que supõe, no seu encalço, tentando seduzi-lo, embora ele comprometa a maior parte do seu tempo com sua companheira, Reisel (Rhea Perlman), que procura ajudá-lo a organizar a sua vida.
Kohn, entretanto, é um estouvado. Um tanto machista, para não admitir que percebera que o figurino de uma ópera não era bom, ele usa o artifício de dizer, num relato, que a observação teria sido feita por uma garota que o acompanhava. Essa garota poderia ter sido Sylvia Brokeles (Olivia Thirlby), que, num café, declarando ser sua leitora, lhe pedira um autógrafo, antes de viajar a trabalho para a Inglaterra. Ao tomar conhecimento disso, Reisel fica uma fera, querendo saber, naturalmente, quem era a tal acompanhante dele no teatro.
E assim ele prossegue, dando vazão às suas fantasias erótico-sensuais sem atinar para o fato de que, com isso, está prejudicando o seu relacionamento com a mulher que verdadeiramente ama, Reisel. Durante uma viagem que realiza a Hanover, por exemplo, ele antecipa numa palestra para seus leitores as linhas gerais de um conto que vai escrever sobre uma viagem de férias a Miami, no decorrer da qual se relaciona com Esperanza (Elizabeth Peña), a camareira de um hotel – que, ao que parece, são sempre perigosas -, e acaba por se envolver com um assassinato.
A ausência de uma linguagem mais adequada à literatura de Singer prejudica enormemente a película, que é de 2007. O seu realizador, Jan Schütte, insistindo no tom naturalista de narrativa, não consegue captar, nem transmitir, as sutilezas da obra literária (de caráter autobiográfico), a qual deveria ser, em vista disso, tratada com mais lirismo. É verdade que, em alguns momentos, como nos vinte minutos iniciais, a música de Henning Lohner, de acordes suaves, consegue atenuar essa deficiência numa combinação quase perfeita com a linha imposta pela vibrante atuação de Otto Tausig (Place Vendôme), intérprete de Kohn.
Tausig compõe a personagem, dando-lhe conotação de ingenuidade – não de idiotizado – ao sugerir que Kohn acredita que o seu sucesso com as mulheres não vem certamente de seu aspecto físico, já um tanto desgastado, como reconhece, mas, sim, de sua extraordinária capacidade de ouvi-las e de ser compreensivo para com suas aspirações. O ator – que sustenta o interesse do espectador pelo filme até o final – destaca, principalmente, a característica de Kohn de se adaptar às circunstâncias à hora e a cada pessoa, individualmente. E, sob esse aspecto, atinge o auge de sua insólita interpretação, no momento em que Kohn decide escrever uma nova obra, baseada em suas mais recentes experiências com as mulheres, cujo protagonista se chamará Harry.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
O AMOR CHEGA TARDE
LOVE COMES LATELY
Áustria, Alemanha, EUA – 2007
Duração – 86 minutos
Direção – Jan Schütte
Roteiro – Jan Schütte com base em três contos (The Brief Case, Alone e Old Love), de Isaac Bashevis Singer, prêmio Nobel de Literatura
Produção – Alex Gibney, Matin Hagemann e W.Wilder Knight II
Fotografia – Edward Klosínski e Chris Squire
Trilha Sonora – Henning Lohner
Edição – Katja Dringenberg e Renate Merker
Elenco – Otto Tausig (Max Kohn), Rea Perlman (Reisel), Olivia Thirlby (Sylvia Brokeles), Elizabeth Peña (Esperanza), Barbara Hershey (Rosalie).