Por FC Leite Filho
Autor de Quem tem medo de Hugo Chávez?
A líder do governo na Câmara dos Deputados, Diana Conti, alertou hoje, em Buenos Aires, que o aparelhamento da justiça, que já invalidou várias leis aprovadas pelo Parlamento, como a lei da mídia e a reforma que previa eleição popular para o Conselho da Magistratura, poderá desembocar num golpe judicial tendente a depor a presidenta Cristina Kirchner: “Há países que, por sentenças da Corte Suprema”, disse Conti, “depuseram presidentes”, uma alusão aos golpes judiciais que derrubaram os presidentes constitucionais de Honduras, Manuel Zelaya, em 2010, e do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012″.
A reação da deputada segue-se ao clamor generalizado provocado pelo Supremo da Argentina, que, na terça-feira, declarou inconstitucional itens vitais da lei da reforma da justiça, proposta pelo Executivo e aprovada em votações separadas pela Câmara e Senado. A presidenta Cristina Kirchner, que já vinha denunciando o aparelhamento do judiciário em favor dos grupos de Comunicação Clarín e La Nación e da Sociedade Rural, esta congregando os ruralistas, revidou a decisão da Corte, composta, atualmente, de sete membros, inclusive um de 95 anos de idade e outro, de 77, e não se deixou amedrontar:
“Vamos continuar batalhando. Mais cedo do que tarde os argeninos vão poder votar para (os integrantes) de todos os órgãos políticos da Constituição. Aqueles que pretendem parar a reforma da justiça só poderão fazê-lo por algum tempo”. Cristina Kirchner referia-se às eleições parciais das duas casas do Parlamento, previstas para 27 de outubro, ocasião em que poderá ampliar sua atual maioria parlamentar para 2/3, o que lhe permitirá fazer nova limpeza na Justiça, como o fêz seu marido e antecessor, Néstor Kirchner, em 2003. Néstor abriu processo de impeachment contra três ministros do Supremo e induziu à renúncia outros quatro, de um total, na época, de nove membros.
A presidenta já tinha partido para a mobilizar o país em atos de massa, pronunciamentos em cadeia nacional, foruns de discussão e, principalmente, incursões pela internet. Na rede mundial, Cristina vale-se de postagens no Twitter e no Facebook , com imensa repercussão nacional e internacional, para defender seu direito de governar e continuar com as realizações que tiraram a Argentina do fundo do poço, na crise neoliberal de 2001. Nos três mandatos presidenciais, um de seu marido, o falecido Néstor Kirchner (2003-2007) e dois dela própria (2007-2015), seu projeto, conhecido como modelo nacional e popular de desenvolvimento, conseguiu diminuir o desemprego de quase 30% para 7%, reabriu fábricas, reestatizou empresas estatais, como Correios, Eletricidade e petróleo (YPF), o que possibilitou um crescimento médio, com inclusão, de oito por cento, até a crise mundial de 2008.
Crisitna ainda devolveu o dinheiro do o corralito, como ficou conhecido o sequestro das contas bancárias dos argentinos promovido pelo sucessor de Carlos Menem, Fernando De La Rúa, que continuou o regime neoliberal na economia, impulsionado por Menem, um peronista convertido à ditadura dos mercados, e responsável pela maior privataria da história do país. Ele também defendia uma “relação carnal” com os Estados Unidos. Já De La Rúa foi deposto, em 2001, num levante popular, e substituído por Eduardo Dualdi, peronista dissidente, que completou seu mandato, entregando o poder a Néstor Kirchner, em 25 de março de 2003.
Volltando ao alerta da deputada Diana Conti, a líder do governo advertiu que “o povo não vai tolerar” um golpe contra Cristina, “ainda que a metralhadora midiática tente mostrar que só o que diz a Corte (Suprema) é o que diz a Constituição”. Por isso, acrescentou, “vamos ter que estar atentos”, porque “a Corte (que “é igual à menemista na hora de defender seus interesses”) está tentando debilitar o governo”. Conti se referia ao Supremo argentino do tempo das duas presidências de Carlos Menem (1989-1999).
Nos governos Menem, como continuou com De La Rúa, e Dualdi, a Corte, a Corte, então integrada de nove membros, era conhecida pelo fisiologismo, onde o poder econômico e a Casa Rosada, sede do governo, tinham “maioria automática”, como se dizia na época. Seus membros eram indicados por relações de amizade com as grandes empresas nacionais ou multinacionais, grandes escritórios de advocacia e o presidente de plantão, sem qualquer tipo de questionamento ou escrutínio da sociedade.
Logo que assumiu o governo, o presidente Néstor Kirchner entendeu que não poderia levar avante seu programa de reconstrução do país com aquele tribunal conspurcado e iniciou o juízo político dos ministros, no Senado, que acabou removendo do cargo Moliné O`Connor e Antônio Boggiano, além de Augusto Belluscio, Julio Nazareno, Adolfo Vásquez e Guillermo López (compelidos a renunciar) e Augusto Belluscio, que se aposentou. A partir de então, todos os candidatos a ministro do Supremo deviam submeter-se a uma exposição pública, com sabatina na mídia, currículo publicado no site do ministério da Justiça, podendo ser discutido por ONGs, OAB, universidades e organizações de defesa dos Direitos Humanos. Só depois dessa maratona é que os nomes dos indicados são submetidos ao Senado.
Todo esse cuidado, porém, não evitou que os ministros indicados fossem depois cooptados pelo poder econômico e se voltassem contra o (a) presidente(a) da República, não importando que os indicados por Néstor Kirchner, muitos deles homens e mulheres de esquerdas ou feministas e defensores dos direitos humanos. Os atuais ministros, que estão postergando a vigência da Lei da Mídia, aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidenta Cristina Kirchner há quatro anos, e que acabaram de revogar a lei da reforma do conselho da Magistratura, são os seguintes: Ricardo Lorenzetti (presidente, 70 anos), Eugenio Raúl Zaffaroni (75 anos, o único voto a favor do governo), Elena Highton de Nolasco e Carmen María Argibay (74 anos, ateia militante e defensora do aborto, em 2004), con lo cual la Corte actualmente tiene siete miembros: Lorenzetti, Highton de Nolasco, Zaffaroni, Argibay, Juan Carlos Maqueda, Carlos Fayt (95 anos), Enrique Petracchi (77 anos).
A medida saneadora de Néstor Kirchner tampouco evitou as manobras corporativistas da Corte Suprema da Argentina, que, violando flagrantemente a Constituição, cujo limite de idade para o cargo é de 75 anos de idade (no Brasil, é de 70), a ponto de, como denunciou a presidenta Cristina, em recente pronunciamento, manter três dos seus sete membros com idade avançada: Carlos Fayt, de 95 anos, Enrique Petracchi, 77, e Raúl Zaffaroni, 75 anos. Perguntado se tinha planos de aposentar-se, o quase centenário Carlos Fayt, respondeu: “Não, porque fui nomeado antes da reforma constitucional de 1994, que fixou o limite para 75 anos”. Esta é a Corte Suprema que se dá ao luxo e ao poder de infernizar o governo progressista de Cristina.
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