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Eleições e sabotagem (terrorismo?) na Argentina

(De Buenos Aires, 24/10/13, por FC Leite Filho) Mesmo convalescente, a presidenta Cristina Kirchner não se deixou intimidar: mandou estatizar a Estrada de Ferro Sarmiento, cujos trens foram objeto de três acidentes em 20 meses, com 55 mortos e cerca de mil feridos. O último deles, ocorrido no sábado, véspera da eleição intermediária do próximo domingo 27/10, flagrou o maquinista roubando o Hard Disk, contendo os vídeos da operação. O HD foi recuperado pela polícia, mas seu conteúdo estava danificado, o que impossibilita a recuperação de imagens e áudio. Os incidentes fariam parte de um plano de sabotagem e desestabilização, que se manifesta em saques a supermercados, como ocorreu em fins de 2012, atentados contra redes elétricas, ataque especulativo e notícias de alta incontrolável da inflação. Algo a ver com os apagões e ataques ao metrô de Caracas, como denunciou o jornalista José Vicente Rangel?

Tudo está por ser comprovado, mas a campanha eleitoral, que hoje chega a seu fim, com os comícios dos principais candidatos, se desenvolve sob implacável assédio por parte do big business e dos oligopólios de mídia contra o atual governo. Na verdade, estas eleições não teriam muita importância, não fosse um detalhe crucial, pois restringem-se à renovação de 1/3 do Senado e metade das cadeiras da Câmara dos Deputados e, por mais pífio que for o desempenho eleitoral de seus aliados, a presidenta, não corre sérios riscos de perder a maioria no Congresso. Elas encerram, no entanto, um risco letal para os seus opositores: a possibilidade de uma grande vitória governista abocanhar o quorum qualificado de 2/3 do Parlamento, o que não está muito longe, devido à folgada maioria de que hoje desfrutam os kirchneristas.

É que este pormenor  permitiria uma nova reeleição de Cristina e maior controle sobre a justiça, a qual tem deferido as ações do gigante Grupo de Comunicação Clarín, que até agora impediu a aplicação da lei de mídia que o obriga a desfazer-se de um terço de suas licenças de rádio e TV, e de outros setores poderosos, como os ruralistas e a transnacional de aviação LATAM (fusão da antiga LAN chilena e da atual TAM brasileira) contra outras leis e medidas governamentais.

Oficialmente, Cristina não pôde tomar conhecimento da última tragédia, felizmente, sem vítimas fatais, mas que provocou um grande desassossego e cerca de 100 feridos, nem da estatização da empresa privada até ontem responsável por parte do serviço. Explicou o ministro dos Transportes, Florencio Randazzo, que a governante não está “anoticiada”, por obediência a “estrito repouso médico”, consequência da operação intracraneana a que foi submetida havia 15 dias. Ninguém duvida, porém, que o ministro tenha adotado a medida de motu próprio e que a nacionalização da Sarmiento obedece a uma estratégia de reestatização, que já recuperou a petrolífera YPF, empresas de eletricidade, correios e Aerolíneas Argentinas, entregues a multinacionais pela privataria de Carlos Menem (1989-1999).

Aí reside toda a fúria contra Cristina, viúva de Néstor Kirchner (2003-2007), a quem sucedeu no cargo e com quem adota um tipo de modelo nacional, cuja política, de alto conteúdo social, voltou-se para a recuperação econômica, a reindustrialização e a recuperação da educação e da tecnologia, duramente sucateadas nos 12 anos anteriores de políticas neoliberais, determinadas pelo FMI e sustentadas pelos mesmos grupos oligopolistas que avalizaram as ditaduras militares e o capitalismo voraz menemista  e que hoje investem contra o governo.

Ausente, presente – Cristina, que até sua hospitalização, exercia um onipresente protagonismo nesta campanha, ocupando todos os espaços imagináveis, recolheu-se por completo. Autoconfinada na residência oficial, a emblemática Quinta de Olivos, nos arredores da capital, por ordens médicas expressas, ela só aparece quando sai para fazer exames médicos na Clínica Favaloro, onde foi operada. Suas digitais, contudo, estão evidentes nas principais ações de governo e de campanha, como a estatização da Ferrocarril Domingo Faustino Sarmiento e na formatação dos atos públicos do 17 de Outubro, o dia da Lealdade Peronista, e do comício de hoe de final de campanha.

Tal baixo perfil mudou dramaticamente o cenário eleitoral, pois a figura-chave e mais polêmica da campanha estava silenciada, por uma dessas reviravoltas do destino. Ao contrário, porém, do que ansiavam seus adversários, o retiro presidencial não redundou em mais votos para  a inquieta oposição. Uma pesquisa, divulgada, na sexta-feira inclusive pelo Clarín, a nave capitânia do grupo comunicacional, atestava a ascensão de 10% na popularidade da presidenta e de três pontos do principal candidato da coalizão governista, a Frente para a Vitória, Martín Insaurralde

Insaurralde é um candidato suburbano, prefeito de Lomas de Zamora, um município do chamado conurbano de Buenos Aires, pinçado por Cristina para representar o kirchnerismo e seu modelo nacional. Ele tinha perdido por quase cinco por cento nas prévias nacionais de 11 de agosto, juntamente com os candidatos kirchneristas nos cinco principais distritos do país, a começar pela capital Buenos Aires, que concentra cerca de 40% do eleitorado.

O candidato da oposição, Sergio Massa, um ex-kirchnerista (foi até recentemente chefe da Casa Civil de Cristina) é também do interior. Ele é prefeito de Tigre, um município da Grande Buenos Aires. Por causa de sua nova postura anti-Cristina, está sendo alçado como um presidenciável, ao lado do prefeito de Buenoa Aires, o neoliberal Mauricio Magri, que está implantando o modelo chileno na cidade, com o boicote à educação pública e a ressurreição das políticas privatistas.  Buenos Aires fica assim fora da campanha e perdendo todo o seu charme cosmopolita para seus municípios vizinhos.

Mas a derrocada governista nas prévias trombeteada pela oposição, à frente seu aparato midiático e econômico, vinha observando uma certa inflexão, como observava a pesquisa de sexta-feira. Ocorre que, no sábado, houve a terceira tragédia dos trens Sarmiento, e a oposição aparentava ressurgir novamente vitoriosa. Só que o maquinista Julio Benítez, um tipo psicótico e com tendências estriônicas, segundo laudo judicial, agora aparece como o principal culpado. Ele tentou destruir a câmera interna do trem que mostrava suas últimas ações, inclusive a a alta velocidade que imprimiu quando se aproximava da fatídica Estação 11, e, não conseguindo este intento, subtraiu o Hard Disk.

O sindicato dos ferroviários, o Fraternidade, aparentemente, mancomunado com a oposição, tentou justificar o crime do associado, mas foi desautorizado pelas manchas de sangue no HD (o maquinista foi linchado ao tentar evadir-se depois da tragédia). O exame de DNA comprovou que o sangue era de Benítez e que ele poderia ser o perigoso agente ou inocente útil de uma conspiração contra o governo, a partir de ações terroristas, envolvendo, não só acidentes de trens, como saques em supermercados, atentados contra redes elétricas, boatos de hiperinflação e subida do dólar. O feitiço virou contra o feiticeiro? Vamos aguardar os resultados deste domingo histórico da conturbada, mas cada vez mais altiva Argentina.

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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