(Publicado originalmente em Seg, 19 de Janeiro de 2009 11:23)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Uma aborrecida lamúria no sentido da transitoriedade das coisas da vida é o que faz, usando recursos de tecnologia, David Fincher, em O Curioso Caso de Benjamin Button, baseado numa novela de Francis Scott Fitzgerald, que narra a história de um indivíduo nascido aos oitenta e poucos anos, mas que rejuvenesce a cada dia que passa até morrer como criança de colo.
Embora seja da década de vinte a novela de Fitzgerald – incluída no livro Contos da Era do Jazz (1922) -, o caudaloso roteiro de Eric Roth insere no argumento retratos pessoais de um relojoeiro (Elias Koteas), de uma nadadora noctívaga (Tilde Swinton) e de um comandante de barco rebocador (Jared Harris). O objetivo é o de atualizá-lo para focalizar fatos mais recentes como o ataque a Pearl Harbor (1941) e a ocorrência do furacão Katrina (2005), que praticamente destruiu a cidade de Nova Orleans, onde se passa a história.
A receita é, portanto, a mesma que Roth usara no roteiro de Forrest Gump, O Contador de Histórias, com o qual ganhou o Oscar da Academia (1994). Desta feita, as coisas, ao que parece, não funcionam como era de se desejar. Isto porque os episódios históricos – muitos incorretos pela inobservância, por exemplo, de que, no período (1920-1932), vigorava a Lei Seca nos EUA -, não se encaixam bem com a narrativa central. Esta se estrutura nos dramas pessoais de Benjamin (Brad Pitt), apesar de ser ele cercado durante toda a vida por pessoas extremamente bondosas, sinceras e cordiais.
Como Benjamin revela em seu diário secreto – lido por Carolina (Julia Ormond) para sua mãe, Daisy (Cate Blanchett), moribunda, no leito de um hospital, às vésperas da chegada do destruidor furacão – ele nasceu justo no dia do encerramento da I Guerra Mundial (1918). Foi deixado pelo pai, Thomas Button ( Jason Fleming) na porta de um asilo de idosos, Nolan Hause, e criado pela administradora Queenie (Taraji P. Henson). Segue-se por isso, a fim de funcionar quase como preâmbulo, a sequência do protesto de um relojoeiro, sr. Bolo contra a guerra, que constitui, na verdade, o único bom momento do filme.
Pois o sr. Bolo, chamado a construir o grande relógio da estação central da cidade, surpreende o presidente Theodore Roosevelt, presente ao ato inaugural, ao colocar seu mostrador a trabalhar ao contrário. Indagado sobre o motivo da extravagância, ele esclarece que o relógio fora feito durante a guerra, que lhe levara embora para sempre seu único filho. Então, segundo explica, o sentido de os ponteiros girarem para trás seria o de fazer com que o tempo voltasse a fim de ter ele o filho de novo em casa.
Aos que conhecem a filmografia de Fincher causa estranheza, desde o início da película, a caráter passivo do protagonista. Pois Benjamin difere bastante das personalidades focalizadas em outros trabalhos dele, como Seven – Os Sete Crimes Capitais, Clube da Luta e Zodíaco, principalmente o último, em que um cartunista, Robert Graysmith (Jake Ghillenhaal), arrisca tudo, a própria família, para continuar investigando intensivamente a identidade do serial killer que assombra a região da Baía de São Francisco.
A personagem que tem essa característica desafiadora dos outros filmes de Fincher é o Capitão Mike. Ele se insurge contra a autoridade paterna para fazer inúmeras tatuagens no corpo, que, a seu ver, são suas obras de arte. E se considera um artista. Só ao final da vida, segundo Mike, o indivíduo tem de aceitar o que lhe é imposto porque, no decorrer dela, é próprio que ele se revolte, fale mal, esperneie contra o destino até encontrar o caminho que deseja seguir.
Se bem que a direção de Fincher tenha o mérito de dissimular o uso de efeitos especiais para tocar a narrativa – o que também não é grande novidade -, esta se ressente da morosidade com que é por ele conduzida. O ritmo, arrastado, cai feio por diversas vezes. E há descuidos na ambientação, na reconstituição de época – a trilha sonora não é, como se esperava à causa do jazz, de boa qualidade – e principalmente na orientação aos atores, que, contidos em demasia, mais parecem autômatos. Brad Pitt e Cate Blanchett, por exemplo, estão absolutamente inexpressivos.
O melhor ator em cena é, sem dúvida, Jared Harris no papel do Capitão Mike, que mesmo em situações inverossímeis, como a do enfrentamento de seu barco rebocador contra um submarino, dá ao filme tom de otimismo mais consentâneo com frase de Mark Twain, inspiradora do conto de Fitzgerald, autor muito explorado atualmente pelo cinema : A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18. O que parece, afinal, ser um grande equívoco.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
FICHA TÉCNICA
O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
THE CURIOUS CASE OF BENJAMIN BUTTON
EUA/2008
Duração –
Direção – David Fincher
Roteiro – Eric Roth com base no conto homônimo de Francis Scott Fitzgerald
Produção – Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Ceán Chaffin
Fotografia – Claudio Miranda
Trilha Sonora – Alexandre Desplat
Edição – Kirk Baxter, Anges Well
Elenco – Brad Pitt (Benjamin Button), Cate Blanchett (Daisy), Jason Fleming (Thomas Button), Elias Koteas (sr. Bolo), Tilde Swinton (Nadadora), Jared Harris ( Capitão Mike), Taraji P. Henson (Queenie), Elle Faning (Daisy aos seis anos)