Por FC Leite Filho
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Entrevista com Mel Zelaya
A mídia brasileira não está dando o espaço devido ao tema, mas ele constitui uma vitória da integração sobre as antes insuperáveis forças conservadoras que secularmente mantinham a nós brasileiros e nossas nações vizinhas reféns de Washington. Refiro-me ao retorno ontem de Manuel (Mel) Zelaya e o direito de ele viver e fazer política em Honduras, o país que governava e do qual foi retirado de pijamas por uma ação conjunta do Congresso com o Exército, em junho de 2009. Uma multidão o recebeu no aeroporto de Tegucigalpa e o escoltou pelas ruas da capital.
O episódio se prestou a uma falsa controvérsia, porque a mídia, como sempre tutelada pelos sistemas de dominação, difundiu a idéia de que Zelaya não tinha sido deposto, mas sim afastado pelos militares, que tinham recebido ordem do Congresso. A versão foi arranjada depois que o presidente, arrancado da residência oficial quando dormia, levado à força e deixado na pista de pouso do aeroporto de San José, no vizinho país da Costa Rica, ainda de pijamas.
E isso não era golpe, proclamava em uníssono toda a mídia – televisão, rádio, jornais, internet. Ora, então o que era golpe? 1964 no Brasil, que foi menos troglodita e deixou o presidente João Goulart viajar para o exílio, deixava de ser golpe? É, mas Zelaya violou a constituição, porque estava organizando um plebiscito para assegurar sua reeleição, cuja proibição está inscrita como cláusula pétrea.
Estava evidente que a alegação convinha aos golpistas e seus inspiradores, inclusive os meios de comunicação, os quais, por causa de sua ainda forte influência, conseguiram ludibriar alguns incautos, mas não a história nem o processo social. Em outros tempos, ela serviria como uma luva, porque facilmente assimilável por um sistema de atrelamento à matriz norte-americana e ocidental, que impedia qualquer veleidade política, social ou econômica, nesses pobres países.
Mas os tempos eram outros. E determinados sobretudo pela eleição de presidentes progressistas e identificados com seus países e não os oligopólios empresariais e midiáticos. Eles estavam determinados a rechaçar qualquer tentativa de golpe de estado, como depois vieram a demonstrar, quando desbarataram as insurreições da Bolívia e Equador,e de certa forma, no Paraguai.
Nesse aspecto, foi crucial a ação dos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Cristina Kirchner, da Argentina, aos quais se juntou decididamente o presidente Lula, do Brasil, abrigando Mel Zelaya na embaixada do Brasil, em Tegucigalpa, por quatro meses, depois de seu retorno clandestino. Eles fizeram um cerco aos golpistas de Honduras, à frente o presidente fantoche Roberto Michelet, que foi expulso da OEA, Organização dos Estados Americanos, e impedido de fazer qualquer intercâmbio com os vizinhos. Michelet só tinha o apoio envergonhado dos Estados Unidos, que não queriam aparecer diante do mundo como fiadores de golpistas, mas que acionaram sua potente base militar para dar sustentação aos conspiradores.
Outro arranjo empresarial-midiático providenciou um arremedo de eleição direta e Porfírio (Pepe) Lobo foi sagrado presidente, em 2010, tendo sido Miguel Zelaya obrigado a retornar ao exílio. Mas o regime continuou isolado, sempre com o apoio de Washington, respaldo que demonstrou ser insuficiente, apesar de todo o poder imperial da superpotência. Pepe Lobo sentiu-se obrigado a pedir socorro a nada mais e nada menos que a Hugo Chávez, o terrível inimigo dos norte-americanos e a quem se atribuía a culpa da conversão de Zelaya, antes homem do statu quo, às idéias integracionistas do subcontinente.
Chávez recorreu então aos serviços de Juan Manuel Santos, o presidente da Colômbia, que sucedeu a seu arquinimigo e menino de confiança de Washington, Álvaro Uribe. Santos, que entendeu o novo perfil autonômico que assumia a América Latina, tinha antes restabelecido as relações diplomáticas com a Venezuela, e agora colocou os préstimos de seu viçoso país a favor da paz em Honduras, o que redundou no acordo pelo qual Zelaya voltou nos braços do povo ao país, onde teá permissão de fazer política e trabalhar pela sua sonhada reforma política e econômica, através de uma assembléia constituinte. Ironia das ironias, trata-se da mesma constituinte, que Zelaya defendia antes de ser deposto, e pela qual foi acusado de dar o golpe e não de ter sido golpeado naquele fatídico dia 28 de junho de 2009.
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