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Crítica do filme “Os Intocáveis”

Não confundir este “Os Intocáveis”, de Olivier Kanache e Éric Toledano com “Os Intocáveis”, de Brian de Palma, a ser lançado, comercialmente, no país, no dia 31 de agosto. Antes, a película poderá ser vista durante a realização, em várias capitais brasileiras, do Festival Varilux do Cinema Francês (em Brasília, no Cine Cultura Liberty Mall e Espaço Itaú de Cinema), a se iniciar no próximo dia 16 (Quinta-feira). Programa imperdível, principalmente pela atuação dos dois atores principais: François Cluzet e Omar Sy.

O tema da valoração da amizade, abordado em Intocáveis (Intouchables), de Olivier Nakache e Éric Toledano, é recorrente, no cinema francês, nos dias que correm. No caso dessa comédia dramática, é improvável o tipo de afeição que, tal como está exposto, surge do relacionamento entre um culto e milionário tetraplégico desde 1993 – a lembrar talvez o protagonista de O Escafrando e a Borboleta (2007) de Julian Schnabel – e um jovem pobre e imigrante, originário do Senegal e recém-saído da prisão.

O roteiro de Nakache e Toledano é, contudo, inspirado em fatos reais, no livro autobiográfico, editado entre nós, sob o título Segundo Suspiro, de Philippe Pozzo Di Borgo. A obra é constituída não de uma narrativa, mas de esparsas reflexões do autor, até de cunho religioso, sobre sua angústia após perder a mulher, que lhe deixou uma filha, e de sofrer uma queda ao se lançar de parapente do pico de uma das montanhas de Crest-Voland – município da Savoia – nos Alpes franceses.

No intróito, pontuado pelo tema musical, de Ludovico Einaudi, os roteiristas usam, como condão para dar início a um longo flashback, desabalada corrida, à noite, pelas ruas de Paris, de uma Maserati, quatro portas. Ela é dirigida por Driss (Omar Sy) que, sem se importar com a perseguição policial, e tendo Philippe (François Cluzet), o proprietário, no banco do passageiro, comete todas as imprudências no trânsito até ser detido num ponto, quase à saída da cidade.

Para se livrar da punição, Driss alega aos policiais, com a conivência de Philippe, que sua pressa é causada pelo fato de estar a caminho de uma emergência hospitalar, pois seu patrão, que se encontra ao seu lado, babando, além de ser tetraplégico, acaba de sofrer um AVC, necessitando de urgentes cuidados médicos. Os policiais acolhem a justificativa dada por ele e, compadecidos, lhe oferecem escolta até o próximo hospital. Ele saberá, porém, escapulir antes da dar ingresso no pronto-socorro, para, em disparada, tomar destino ignorado que, só ao final da película, será conhecido pelos espectadores.

Os bons conhecedores do cinema francês não deixarão de identificar nessa e em outras situações, criadas por Nakache e Toledano, estreitas semelhanças com as de Mon Pote (2004), de Marc Esposito. O filme narra a história da amizade, que se consolida, entre o dono de uma concessionária de automóveis, Victor (Édouard Baer) e Bruno (Benoît Magimel), um ex-presidiário – grande admirador, por sinal, como declara, de Ayrton Senna -, que lhe pede emprego.

Ou então com as de Meu Melhor Amigo (2006), de Patrice Leconte, que mostra a desesperada procura de um comerciante de antiguidades, François Coste ( Daniel Auteil), por um amigo, qualquer que seja, pois não tem nenhum, afim de vencer o desafio, que lhe foi proposto por sua secretária, Catherine (Julie Gayet). É um motorista de táxi, também chamado Bruno (Dany Boon), que vai salvar a sua situação, isto é, a carência de ter um amigo verdadeiro.

O que confere mais categoria ao filme de Nakache e Toledano em relação à dos anteriormente citados – e que fez dele o mais visto na história cinematográfica da França – é, como se pode avaliar, o seu aspecto político, relacionado com o problema da imigração europeia. Nesse sentido, é preciso compreender que Driss é um imigrante como o garoto curdo (Firat Ayverd), vindo do Iraque que, no drama Ben-Vindo (2009), de Philippe Lioret, enternece a a alma de um professor de natação (Vincent Lindon), em Calais, ao lhe deixar evidente o seu intento de atravessar a nado o Canal da Mancha para ir se encontrar com a namorada, cuja família se mudou para Londres.

A diretora de arte, Olivia Bloch-Lainé, ao decorar a rica mansão parisiense de Philippe, suscita no espectador o aguçamento da percepção de detalhes, que definem não só a personalidade dele, como também se torna meio de expressão de suas preferências artísticas. Vale destacar que tem esse mesmo propósito a trilha sonora de Einaudi, composta de peças de Chopin ( Noturno n. 9), de Berlioz, de Bach, de Albinoni, de Vivaldi e, principalmente de Schubert.

É dele a Ave Maria que dá a Driss, ao chegar, noção precisa do ambiente em que vai viver durante o período de adaptação no emprego e do choque cultural que enfrentará, em seguida – na verdade, com galhardia -, dada a sua autenticidade, a qual acabará por cativar, em definitivo, o patrão. É bom ressaltar, a propósito, que ele foi escolhido, entre vários candidatos, todos portadores de credenciais aparentemente mais apuradas do que as dele, a fim de servir como acompanhante de Philippe.

Mais do que qualquer outro fator – até mesmo da convencional direção de Nakache e Toledano -, são as interpretações de François Cluzet, como Philippe, e de Omar Sy, no papel de Driss, que dão à película o seu extraordinário poder de sedução. Os dois atores estão soberbos. Não há como deixar de admitir, porém, que Omar Sy – ganhador do Cesar de Melhor Ator do Ano – incorporou de tal forma as características de Driss em sua própria personalidade, que se faz difícil identificar nele o que é interpretação. É possível que, nas primeiras sequências, ele se mostre um tanto caricato, o que não seria desejável. Mas, se isso acontece, é certamente porque os realizadores quiseram antecipar pela atuação da personagem o tom de comédia que pretendiam (e conseguiram) imprimir na linguagem narrativa de um tema originalmente dramático,
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
INTOCÁVEIS
INTOUCHABLES
França / 2011
Duração -113 minutos
Direção – Olivier Nakache e Éric Toledano
Roteiro – Olivier Nakache e Éric Toledano, inspirado no livro Segundo Suspiro, de Philippe Pozzo di Borgo
Produção – Gaumont, TF1 Films Production, Quad Productions, Ten Films
Fotografia – Mathieu Vadepied
Trilha Sonora – Ludovico Einaudi
Edição – Dorian Rigal Ansous
Elenco – François Cluzet (Philippe), Omar Sy (Driss), Anne Le Ny (Yvonne), Audrey Fleurot (Magalie), Clotilde Mollet (Marcelle), Alba Gaia Kraghed Bellugi (Elisa), Cyril Mende (Adamo).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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