Por H. Iono
No décimo mês de governo, os ministérios de Macri, quase na sua totalidade em mãos de grandes empresários multinacioanis, galopam freneticamente para implantar medidas econômicas de nítida concepção neoliberal predatória, desta vez, pior que nos anos 90. É a extorsão aos pobres em favor dos ricos, oligarcas e das finanças internacionais. Mas a galopada não ocorre sem atropelos: nas últimas semanas têm-se desvendado contínuos casos graves de corrupção, incluindo o próprio presidente (paraísos iscais nas Bahamas), da vice-presidenta Gabriela Michetti e alguns ministros. Nem tudo está perdido, porque Cristina está ressurgindo.
O caso da vice-presidenta, Gabriela Michetti é bem ilustrativo. Ela teve sua residência assaltada por ladrões, e em seguida a polícia encontrou sacolas cheias de milhares de dólares não declarados, ou seja, de procedência não sabida. Só que, como no Brasil de Temer, estes personagens são intocáveis, porque a corrupção é acobertada pelo aparato midiático- parlamentar-jurídico.
Atualização:
Veja aqui, no Facebook, o discurso de Cristina no Dia da Lealdade Peronista, 17/10/2016
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Os juízes daqui são como o nosso Sérgio Moro, que fecha os olhos para o Cunha, que anda solto, e tenta prender o Lula, um dos presidentes brasileiros mais respeitáveis internacionalmente. Na Argentina, eles mandam e desmandam em nome da “anti-corrupção”, instigando à ruptura constitucional.
Nenhum meio de comunicação, salvo o canal televisivo C5N, do grupo privado Indalo e algumas rádios (AM 750, Rádio10, Del Plata) e mídia comunitária, jornais, como Página 12, denunciam, com dados comprovados tudo o que está por trás do atual governo, sobrepondo-se ao apagão midiático macrista no Clarin, TN e Canal 13, equivalentes à Globo e Veja no Brasil. Nos últimos meses, há mais de 2 mil jornalistas e comunicadores sociais demitidos na mídia, que perdeu financiamento empresarial.
Jornalistas pela verdade (da C5N), como Roberto Navarro, “Gato Silvestre” e Victor Hugo Morales seguem a resistência, após o golpe à “Ley de Medios”, ao programa 6,7,8, da anterior TV Pública, à proibição da Telesul na Argentina. Não obstante todo tipo de ameaças, cumprem seu dever de informação democrática, seguros de que a sua enorme audiência se apoia numa boa margem de eleitores.
Casos como da vice-presidenta, Michetti e outros, como o do vínculo transnacional de quase todos os ministros, como Juan José Arangurem, Ministro da Energia e executivo da Shell, que decreta um violento “tarifaço” do gás e da luz (decreto em revisão pela Corte Suprema da Justiça em Audiência Pública não realizada devidamente antes do aumento, denotando ato ilegal); Ministro da Economia Prat Gay (empresário financeiro) que volta a endividar o país retirado da dependência aos Fundo Abutres, pelo kirchnerista Axel Kiciloff; o governo Macri, não só voltou a pagar aos mesmos, mas acabou de emitir bônus nos mercados europeus num total de 2.500 milhões de euros, com vencimento em 2022 e 2027 e juros de 3,875 e 5 % respectivamente.
A emissão de dívida no exterior aumentou em 6 meses para 38 bilhões de dólares; bem denominado Plano Bomba. Representantes do FMI voltaram a ir e vir à Argentina como se fosse casa deles. Incrível retrocesso e desmonte dos alicerces construídos na década de Néstor/Cristina Kirchner.
Rádios e TVs Comunitárias – Na Argentina, as rádios e Tvs comunitárias foram bem estimuladas na década anterior, e continuam sendo um baluarte comunicacional importante. Kiciloff disse, numa entrevista a uma delas que “o modelo econômico de Macri é primo-irmão da ditadura”. “O empresário produz”, exemplificou, “não tem a quem vender e além disso, o governo abre às importações”.
De fato, dados atuais difundidos por pesquisadoras credenciadas o demonstram aumento desmedido das importações: Algodão (440%), Carne suína (400%), cebolas (260%), esponjas de cobre (21.584%), exibidores (810%), queijo fresco (240%), cenoura (116.151%), geladeira (duplicou). São todos bens perfeitamente produzidos no país. Enfim, a pequena e média indústria nacional estão sendo arrasadas, e o pequeno agricultor tem doado sua produção à população em praças e caminhões para não ter que destruí-la, criminosamente. Há empresas fechando, demitindo ou dando férias coletivas antecipadas (Puma, Arcor). Com uma alta de 44% no preço dos alimentos, não há consumo. Junte-se a isso o “tarifaço” no custo de produção, as empresas quebram, e o desemprego leva o povo a uma indigência jamais vista.
Temos ainda o corte nas verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia. Parte do projeto Arsat (satélites) com tecnologia nacional e chinesa foi anulado, com consequente reação da China que suspendeu a compra da carne argentina. O maravilhoso Plano Conectar Igualdade, que distribuía netbooks aos estudantes secundários em todo o território nacional, foi desativado.
Como se sabe, o governo anterior de Cristina Kirchner distribuiu 5 milhões de computadores aos estudantes. Neste ano faltavam repartir a 600 mil estudantes. Entregaram só 100 mil; 500 mil alunos ficaram sem. O fim do Plano Conectar Igualdade provocou desemprego de técnicos e instrutores.
Na década passada retornaram vários cérebros e cientistas ao país. Agora, o êxodo recomeça. Enfim, o projeto neoliberal desenhado pelo FMI, para o Brasil do Temer e a Argentina do Macri, segue o mesmo esquema: acabar com Ministérios “supérfluos” como da Cultura e Educação, restringir a saúde, reduzir direitos previdenciários, aposentadorias, aplicar a PEC-241, varrer a Venezuela do Mercosul, prender ex-presidentes progressistas como Lula e Cristina.
No Brasil, deram o golpe institucional contra Dilma Rousseff, com apoio parlamentar-jurídico-midiático. Na Argentina, se impuseram aparentemente com as regras da democracia, as eleições, mas elas vieram embutidas de golpe: Com o papo do “Cambiemos”, “Todas as vozes”, Macri venceu com a mentira e o ocultamento do seu projeto, da corrupção, do Panamá Papers (agora engavetado), do ataque aos pobres e ao bolso da classe média.
Prometeu o fim da violência, mas não anunciou a brutal exclusão social que está gerando violência; criou um super-aparato repressivo, onde o terror predomina sobre a relativa paz da década democrática. Há contingentes novos na Polícia Federal e na Polícia Metropolitana (esta criada por Macri quando era governador da capital, Buenos Aires), mas, paradoxalmente, os crime hediondos são frequentes.
O caso da adolescente de 16 anos, Lucía Pérez, em Mar Del Plata, vítima de violência sexual, chocou o país. O assassinato ocorreu no mesmo dia em que uma manifestação das 70 mil mulheres participantes no Encontro Nacional de Mulheres em Rosário, foi reprimida com violência pela polícia. Está convocada para o dia 19, uma gigantesca manifestação nacional das mulheres que conta com o apoio de Cristina Kirchner, contra a violência de gênero e o feminicídio; e inclui braços cruzados no trabalho entre as 13 e 14 horas, sob a consigna #NosotrasParamos #NiUnaMenos #VivasNosQueremos. Na Argentina, pela primeira vez nos últimos doze anos, há uma presa política (Milagro Salas); e à luz viva da memória de 30 mil desaparecidos, há Mães da Praça de Maio, militantes de movimentos sociais que voltam a ser ameaçadas.
“Herança pesada” – Todas as novas medidas de ajuste e retrocesso nas conquistas sociais e econômicas da década anterior, passaram a ser responsabilidade do governo anterior. O ramerrão da “pesada herança kirchnerista” é uma música de mal gosto que aprenderam na escola de “management” político dos neocons norte-americanos. De fato, porque têm que restringir projetos sociais, culturais, científicos anteriores? Além do Procrear (programa habitacional), Atividades em Tecnópolis (Feira anual de Ciência e Tecnologia), Conectar Igualdade, o governo Macri ensaiou uma medida criminosa da qual teve que retroceder diante da opinião pública.
Em fevereiro, o Ministério da Saúde suspendeu a entrega de kits do Plano Cunita (Plano Bercinho) que Cristina Kirchner impulsionou para beneficiar berços e conjunto de roupas e material destinado às crianças recém-nascidas e mamães. Um juiz federal, Claudio Bonadio (um dos juízes mais denunciados na Justiça Argentina), ordenou o Ministério da Saúde a destruir 60 mil berços, apoiando-se em parecer de 2 entidades (INTI e SAP – Sociedade Argentina de Pediatria) que alegavam serem berços inadequados. Sua ordem nazista foi rechaçada e fracassou.
Mas nem tudo são flores para o regime. O governo Macri já começa a ter desajustes internos. O “Cambiemos”, partido do presidente, não consegue esconder suas divergências, e o aliado do PRO macrista, a Frente Renovadora, ligada ao peronismo dissidente dos pequenos e médios empresários, começa a distanciar-se. Mesmo o Judiciário talvez não esteja tão compacto, como o STF no Brasil que permanece fiel a Moro.
As medidas do “tarifaço” sofreram uma derrota parcial na Corte Suprema, que não pôde ignorar a enorme mobilização popular, esta determinante. As centrais sindicais da CGT (dominada por burocratas conservadores) resistem em aliar-se às decisões mais combativas do seu segmento bancário que se juntam à da CTA, ATE (estatais), a Corrente Federal dos Trabalhadores, a Cetep e outras organizações da economia popular que estão a favor de uma greve geral contra os ajustes, o irrisório bônus natalício e pelas paritárias.
Ressurgimento de Cristina – A ex-presidenta Cristina Kirchner esteve no Clube Atlanta, num bairro popular em Buenos Aires, por ocasião do 100o aniversário do primeiro governo popular de Hipólito Yrigoyen (*) junto a dirigentes políticos e sindicais representantes da esquerda do chamado radicalismo. De retorno do Equador, onde participou com Rafael Correa do IV Encontro Latinoamericano de governos progressistas que denunciam um novo Plano Condor na América Latina.
Ao Clube Atlanta, numa 4a. feira de noite, 20 mil entre militantes, intelectuais, jovens e representantes de bairro (ditos “vizinhos”) que transbordaram o clube e preencheram as suas adjacências, Cristina deixou mensagens importantes de quem está decidida a lutar pela “construção de uma nova maioria que permita aos argentinos voltar a ter um governo que represente suas esperanças e seus interesses”. “Quero dizer-lhes também, como um compromisso de honra frente a vocês, que não vou ter uma só atitude, uma só decisão que impeça a construção dessa frente, que para mim, e para o meu compromisso com a memória de meu companheiro, é o mais importante que resta a fazer em toda a minha vida”.
Reiterou que o país não necessita de candidatos, mas de dirigentes. Uma linha de pensamento que vem perseguindo ao repisar em todos os seus discursos e ações posteriores à derrota eleitoral da FPV (Frente para a Vitória, partido dos Kirchner), que é preciso apoderar o povo. Cristina é, sem dúvida, uma líder fundamental, justamente por ter a consciência de que é preciso construir novos dirigentes de massas autênticos.
E não descansa; vai, pessoalmente, aos bairros, reuniões e organizações populares, mídia comunitária, à nova e velha militância peronista combativa. Não fosse esse terreno com tanta história e memória, os manifestantes que foram à Praça de Maio, comemorar a marcha número 2000 das mães dos desaparecidos para impedir a prisão de Hebe de Bonafini não teriam sido tantos e vitoriosos. Enquanto isso, reapareceu o 121ésimo. neto, sequestrado na ditadura que procurou a organização das Avós de Praça de Maio.
Mas há esperanças entre os argentinos. Temos agora o Dia da Lealdade, que é a comemoração do 17 de outubro de 1945 quando a Buenos Aires afluiu uma poderosa manifestação operária e sindical exigindo a libertação do então coronel Juan Domingo Perón. Os manifestantes o tiraram da prisão e um ano depois, Perón foi eleito presidente, inaugurando uma nova era de política e justiça social. É bom lembrar que a o povo argentino tem memória e que se forças retrógradas ousarem tocar na ex-presidenta Cristina, um novo Dia da Lealdade poderá se repetir, pelo legado que deixou o kircherismo que foi o mais ousado projeto e movimento, ao recuperar as conquistas sociais de Peron. O Brasil tem muito a aprender da Argentina, em termos de organização popular, mas não é pouco o que fez Vargas, e a recuperação da dignidade nacional e popular que fizeram Lula e Dilma. E se tocam agora em Lula, o Brasil também poderá ter uma nova data: o Dia da Lealdade.
H. Iono
TV Cidade Livre
15/10/2016
Discurso completo de Cristina Kirchner no Clube Atlan
(*) Hipólito Yrigoyen foi duas vezes presidente do país entre 1916-1922 e 1928-1930, representando a U.C.R. (União Cívica Radical)