domingo, novembro 24, 2024
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A resistência à fusão da mídia com o estado

Por Beto Almeida (*)

Em 16 de outubro de 1934, a República Operária e Camponesa de Kiang-Si, na China, dirigida pelos comunistas, decidiu trasladar-se para uma região no interior do país, visando proteger-se dos bombardeios  japoneses e dos inimigos internos. Esta operação, conhecida como a Longa Marcha,  percorreu uma distância que é quase o dobro do espaço entre Belém do Pará e Porto Alegre. Mais de 10 mil km.  Caminhavam à noite, em silêncio, no escuro, para fugir aos ataques inimigos, carregando máquinas, enfermos, animais, remédios, comida,  equipamentos indispensáveis, armas, e  uma tipografia, com a qual imprimiam o seu jornal, distribuído em cada cidade por que passavam, convocando o povo e esclarecendo as razões daquela luta revolucionária. Eram mais de 90 mil pessoas em marcha, com um jornal que nunca teve sua tiragem interrompida, mesmo sob bombardeio inimigo!!!

O exemplo é uma inapagável lição a todos os que querem transformar o mundo e que trabalham para que se construam meios de comunicação capazes de ecoar a mensagem dos oprimidos, dos humildes, dos que lutam contra toda e qualquer forma de opressão e embrutecimento.

As revoluções foram pródigas em exemplos desta natureza. Também deve ser mencionada a comunicação da Revolução Cubana, que, em plena Sierra Maestra, montou a Rádio Rebelde, cujos equipamentos foram para lá transportados em lombo de burros, tal como no caso da Longa Marcha dirigida por Mao. O sinal da emissora  revolucionária cubana era captado em vários países da América Latina, muito antes da tomada do poder.
Neste período, o imperialismo foi sofisticando sua capacidade comunicativa de  manipulação de consciências. Hoje conseguem que camadas amplas da juventude esteja desperta pela madrugada para assistir as selvagens lutas de MMA, onde um ser humano destrói o rosto de um outro com joelhadas e cotoveladas. É uma vitória simbólica da comunicação alienadora.
 
Carnificinas são apresentadas com guerras humanitárias!
Se conseguem isto, também conseguem que verdadeiras carnificinas imperiais sejam apresentadas aos olhos do mundo como se fossem “guerras humanitárias”. Os casos mais recentes devem ser relembrados, o da agressão ao Iraque e, há 5 anos, a destruição da Líbia, país que registrava os mais elevados indicadores de desenvolvimento humano da África.
No Iraque, foi martelada a ideia, pela mídia dos países imperiais (EUA, Inglaterra, França etc)  que o país árabe possuía “armas químicas de destruição em massa”. Collin Power , general dos EUA, foi à ONU e apresentou lá confusos e nada convincentes gráficos, que , segundo ele, e era preciso acreditar nele, indicariam a localização dos tais arsenais de armas. A mentira foi transmitida milhões de vezes. A guerra foi feita. As armas nunca apareceram,  mas o petróleo iraquiano foi rapinado. Agora, Tony Blair, acusado de levar a Inglaterra a uma guerra sem justificativas  contra o Iraque, declara que “não tem provas da existência de tais armamentos, mas  atacou com as melhores intenções”.
 
No caso da Líbia, o sinal para o ataque foi dado quando Kadafi propôs a criação de um banco africano com moeda própria lastreada no petróleo, fugindo do dólar. Imediatamente foi lançada a ideia de que teria bombardeado populações civis com sua força aérea. Esta mentira foi repetida milhões de vezes e a ONU, com a abstenção da Rússia e da China, aprovou resolução para uma operação militar da OTAN, apresentada como guerra humanitária contra a Líbia. Foram 166 dias de bombardeio ininterruptos contra escolas, hospitais, pontes, usinas, instalações petrolíferas, com ampla cobertura midiática a favor, inclusive da Al Jazeera. Apenas a Telesur denunciou a barbárie,a carnificina, a demolição da infra-estrutura, construída, aliás, por empresas brasileiras de engenharia.

O jornalismo anti-imperialista da Telesur, herança de Hugo Chavez, foi  criticado até por alguns   blogueiros progressistas brasileiros que afirmaram “que Chávez apoiava a ditadura de Kadafi”. O Secretário de Defesa dos EUA na época, declarou, após  receber imagens de satélites russos, que, “de fato não havia provas de que a aviação  de Kadafi tinha bombardeado população civil”. Foi demitido Hoje o mundo sabe a selvageria que desabou sobre a Líbia e 40 anos de uma revolução que havia produzido o país menos desigual  da África. E conhece já o sinistro papel de Hillary Clinton nesta carnificina.
A Telesur tinha razão.

E nestes dois casos citados, a fusão da mídia com os interesses dos estados imperiais, manipulando consciências, é expressão de uma fórmula que tem eficiência na promoção de novas formas de colonialismo, sempre e quando não encontrar , nos países agredidos, uma resistência à altura destas agressões midiáticas, que justificam e preparam agressões militares.
Brasil: a transformação sem mídia!

O caso brasileiro é de extrema importância. Se na Líbia e no Iraque, os pretextos levantados referiam-se à falsa bandeira dos direitos humanos, aqui no Brasil,  agressão contra um projeto de afirmação nacional veio envolto na bandeira do “combate à corrupção”. O êxito da operação midiática, que deu suporte a um golpe parlamentar e judicial, pode ser medido pelo fato de ser o atual governo conhecido por ser integrado por setores  vinculados a práticas ilícitas generalizadas. Políticos corruptos, usaram a bandeira do combate à corrupção, para demolir um projeto de transformação com mais justiça social. E para obedecer a ordens que emanam da Fusão da Mídia com Estados Imperiais para a Manipulação de Consciências.

Muitas lições podem ser extraídas do caso brasileiro, mas a principal delas é de que não se pode avançar num processo de transformações sociais, ainda que graduais,  recuperando a soberania nacional, retirando o Brasil do Mapa da Fome da ONU, reduzindo a mortalidade infantil, ampliando o acesso a mais médicos, mais escolas técnicas, mais universidades, mais empregos  com carteira assinada, e com salários mais fortes,  mais presença soberana no cenário internacional fundando o Banco dos Brics, a Unasul, a Celac, fortalecendo o Mercosul, sem que toda estas políticas tenham como sustentação um sistema de comunicação que convocasse o povo brasileiro e o educasse politicamente  para sustentar de modo participativo  nestas significativas mudanças.

O império , era previsível, iria reagir. E aproveitou-se de todas as fragilidades possíveis, entre elas a do fato do Brasil não dispor de uma comunicação a favor de sua própria libertação, emancipação e soberania informativo-cultural.

Enquanto isso,  a China e Cuba, que fundaram sua comunicação transformadora carregando equipamentos  nos lombos de burros,  resistem bravamente a toda investida do império. A China deixou de ser um país conhecido pela fome e onde as mulheres eram vendidas em feiras, junto com animais, para hoje lançar naves ao espaço sideral.

Cuba, deixou de ser colônia para hoje ter médicos trabalhando em 77 países em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, e em lugares onde os médicos só eram conhecidos por telenovelas. Agora são de carne e osso, e estão  atuando lá no Brasil profundo, nos grotões do campo ou das cidades. Também há resistência na  Rússia, o Iran,  Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua. E  resistem,  utilizando  meios de comunicação criados com esforço próprio no processo de transformação. Com uma mídia própria, vinculado estrategicamente ao projeto de cada país, enfrentam as campanhas promovidas pela  fusão da mídia com os estados imperiais  visando a mais sórdida manipulação das consciências contra estes países e suas conquistas.

Há caminhos. A experiência histórica mostra. Trata-se de ter humildade para aprender de outros povos!
 
Beto Almeida
Membro do Diretório da Telesur
Novembro, 2016

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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