segunda-feira, novembro 25, 2024
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Crítica do filme Biutiful

Em algumas cenas de Biutiful, indicado ao Oscar deste ano de Melhor Filme de Língua Estrangeira, o mexicano Alejandro González Iñárritu quis evidentemente incomodar. Em outras – por exemplo, a que dá início e termina a sua narrativa de formalismo barroco –, pretendeu fazer poesia sobre o sentido da paternidade. Mas ainda há as que ele utiliza para denunciar que, em tempos tão prósperos, como os que vivemos, milhares de seres humanos são subjugados às mais terríveis condições de vida, mesmo em cidades tidas como opulentas por suas atrações turísticas, tal é o caso de Barcelona, na Espanha.

O roteiro, escrito por Iñárritu em colaboração com Armando Bo e Nicolás Giacobone, conta a história de Uxbal (Javier Bardem), que não chega a ser um herói trágico, como muitos admitem, porque lhe falta estrutura moral. Ele tira proveito de suas atividades sensitivas, e explora, como atravessador, a sofrida população de imigrantes ilegais – africanos e chineses – de uma favela existente a poucos quarteirões do centro histórico da cidade e da praça, em que se ergue a Igreja Sagrada Família, de Gaudí.

Desde que sua mulher Marambra (Maricel Álvarez) começou a apresentar os sintomas da bipolaridade maníaco-depressiva, com forte tendência para a prostituição, e, claro, não quer se tratar, ele assumiu a guarda dos filhos Ana (Hanaa Bouchaib) e Mateo (Guillermo Estrella). A paternidade então, para ele, passou a ter prioridade sobre todas as suas demais funções, que lhe dão pouco dinheiro, não podendo, portanto, satisfazer o gosto das crianças pelos fast foods da moda.

Diante das dificuldades financeiras, Tito (Eduard Fernández), irmão de Uxbal, um malandro, envolvido com a cunhada e com a droga, negocia o nicho em que se encontra enterrado o pai num cemitério a ser destruído para que se construam, no local, edifícios de apartamentos. Como eles não o conheceram, Uxbal , na exumação, quer ver o corpo do pai conservado em formol, pois, antes de ser transportado, foi embalsamado no México, onde faleceu, ainda jovem, de pneumonia. Já então Uxbal sabe ser paciente terminal de câncer, não devendo ter, segundo o diagnóstico médico, mais de dois meses de vida. Ele se desespera, pensando no que vai ser dos filhos.

Como em seus filmes anteriores – o último foi Babel –, Iñárritu abarca inúmeros assuntos sem que consiga se aprofundar em nenhum deles. O drama particular de Uxbal é apenas o núcleo de outros periféricos, muitos dos quais ficam sem sentido, principalmente se analisados do ponto de vista autobiográfico, já que, ao final, o realizador presta homenagem ao próprio pai. Sua narrativa, em vista disso, embora linear, é confusa e se tornaria enfadonha, não fosse a pontuação do inspirado comentário musical do argentino Gustavo Santaolalla. O registro fotográfico de Rodrigo Prieto também é de muito boa qualidade.

Mais que tudo, porém, a película – produzida, além de Iñárritu, por duas eminentes figuras do cinema mexicano, Alfonso Cuarón e Guillermo Del Toro – se qualifica pela estupenda atuação de Javier Bardem, que vem criando, ao longo do tempo, uma invejável galeria de distintas personagens, desde que estreou no cinema internacional, no papel do escritor Reinaldo Arenas, perseguido pelo regime de Fidel Castro, em Antes que Anoiteça, de Julian Schnabel (2000). Bardem , indicado ao Oscar deste ano de Melhor Ator, sabe selecionar os sentimentos absolutamente indispensáveis à perfeita caracterização do delinquente Uxbal. Em outras palavras, ele não compõe o papel nem com excesso, nem com insuficiência de emoções. O seu processo de encarnação física da personagem é o que mais se destaca à medida que a doença a consome já perto do final, pois a máscara de decomposição que ostenta é impressionante. Os demais atores têm interpretações discretas, mas, da mesma forma, muito eficientes.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
BIUTIFUL
México-Espanha/2010
Duração – 138 minutos
Direção – Alejandro González Iñárritu
Roteiro – Alejandro González Iñarritu, Armando Bo, Nicolás Giacobone
Produção – Fernando Bovaira, Alfonso Cuarón, Alejandro Iñárritu, Guillermo Del Toro, Sandra Hermida e Jon Kilik
Fotografia – Rodrigo Prieto
Trilha Sonora – Gustavo Santaolalla
Edição – Stephen Mirrione
Elenco – Javier Bardem (Uxbal), Maricel Álvarez (Marambra), Hanaa Buchaib (Ana), Guillermo Estrella (Mateo), Eduard Fernández (Tito), Cheikh Ndiaye (Ekweme), Diaryatou Daff (Ige), Cheng Tai Shen (Hai), Luo Jin (Liwei), George Chukwuma (Samuel).

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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