domingo, novembro 24, 2024
InícioEconomiaEconomia InternacionalA bolha financeira mundial

A bolha financeira mundial

(Publicado originalmente em Seg, 15 de Dezembro de 2008 15:53)

Por Adriano Benayon* – 24.01.2008

Vem à tona, desde julho de 2007, grande quantidade de títulos financeiros destituídos de valor. Isso é só uma parte da montanha que está implodindo. Foram emitidos por bancos e fundos na euforia mentirosa da globalização e da desregulamentação. Finalidade: lucros ilimitados sem esforço algum, a não ser dos chips dos supercomputadores que movimentam as centenas de trilhões de dólares e de euros virtuais criadas pelo sistema financeiro.

Nunca soou tão ridícula como agora esta nota, em destaque no portal do Tesouro dos EUA: “Os EUA têm o mercado de capitais mais forte do Mundo, e essa posição é conseguida através de trabalho duro e estratégias inteligentes.”

A especulação é antiga como o Mundo, mas não se deve pensar na finança só sob esse prisma: ela é necessária para prover moeda e finança a fim de desenvolver a economia real. Questão fundamental é esta: quem controla a emissão dos meios de pagamento à vista e a dos títulos de crédito, pois os detentores desse poder mandam na sociedade. A eles se subordinam os presidentes e os primeiros-ministros das potências hegemônicas e os de seus associados menores e satélites. Mais ainda, os pseudogovernantes dos países explorados pelo comércio e pelos investimentos diretos estrangeiros.

Os bancos centrais têm sido regidos pela oligarquia financeira, a raposa que controla galinheiros como o Banco da Inglaterra, há séculos, e o Federal Reserve (FED), desde sua criação em 1913, após a qual disse Louis McFadden, membro do Congresso dos EUA, depois assassinado: “Um super-Estado controlado pelos grandes banqueiros internacionais, agindo em conjunto para escravizar o mundo para o seu prazer. O banco central usurpou o governo.”

O FED, feudo do cartel de bancos privados, é quem emite a moeda dos EUA, a principal do sistema mundial. Não, o Tesouro. Kennedy autorizou-o a emitir papel-moeda, mas o decreto foi revogado por Lyndon Johnson, poucos dias após o assassinato de Kennedy.

Está, pois, claro quem emite e controla a moeda e o crédito, e para favorecimento de quem. Os bancos, ademais das receitas com títulos públicos e privados, auferem juros dos empréstimos. O lançamento de títulos de empresas é outra fonte de ganhos. Esses títulos são objeto de opções e swaps etc. Deles saem derivativos e títulos colateralizados. Até índices de preços de ações e taxas de câmbio são securitizados. Além disso, há as taxas e comissões. Para investir, os bancos usam recursos do banco central a custo inferior aos juros que auferem; emprestam múltiplos dos depósitos à vista livres do depósito compulsório; aplicam investimentos de empresas e de outros.

Ávidos de lucros e poder, criam montanhas de ativos financeiros mais altas que o Everest. Para esse fim e tendo ascendência sobre os políticos, desmontaram os controles instituídos nos anos 30 em face dos terríveis males econômicos e sociais gerados pela bolha de 1929. Formaram outra a partir dos anos 80. Grana é o combustível da ideologia (neo)liberal e da globalização. Não há ninguém limitando suas decisões: essa é a origem do presente colapso financeiro mundial.

Nos últimos vinte anos os ativos financeiros cresceram exponencialmente, em gritante desproporção com a inflação moderada dos ativos monetários. Os títulos de crédito, inclusive derivativos, ultrapassam 500 trilhões de dólares. Grande parte são junk bonds (títulos podres).

A existência de tanto dinheiro seria impossível mesmo no plano simbólico do papel-moeda, dos certificados de títulos e dos lançamentos em livros. As transações financeiras e cambiais diárias, de trilhões de dólares, realizam-se através de supercomputadores. Inclusive para lavar dinheiro dos tráficos ilícitos: quanto mais operações, mais difícil retraçar a origem dos fundos.

Sem contar os derivativos, que atingiram somas inconcebíveis, acima de U$ 500 trilhões, os ativos financeiros chegaram a US$ 167 trilhões: 14 vezes a cifra de 1980. Em contraste com essa mega-inflação a economia real estagnou, por causa do baixo investimento na infra-estrutura e nas estruturas produtivas. Financiaram-se, antes, fusões e aquisições.

Daí ter declinado o emprego e os rendimentos da classe média, e surgido dificuldades para o pagamento de débitos em cima dos quais se criou a montanha dos derivados. O consumo foi estimulado pelo crédito, apesar de a maioria ter perdido renda real com a transferência em favor do segmento de 1% que, sozinho, detém 40% dela.

A inadimplência de devedores hipotecários detonou o colapso financeiro, mas este alcança empréstimos de empresas, cartões de crédito e muito mais. O sistema financeiro abusou da conversão de dívidas em títulos (securitização) e classificou débitos sub-prime como AAA.

A implosão tornou-se evidente desde o 1º semestre de 2007, quando grandes corretoras como Merrill Lynch e Lehman Brothers suspenderam a venda de colaterais, só conseguindo ofertas de 20 centavos por dólar de valor nominal. Em julho de 2007, bancos europeus registraram prejuízos com contratos baseados em hipotecas sub-prime. O IKB, da Alemanha, foi salvo com um empréstimo de emergência de US$ 11 bilhões, e houve corrida bancária ao britânico Northern Rock.

O colapso acarreta modificação estrutural no fluxo internacional de capitais. Até agosto de 2007, investidores fora dos EUA compravam mais do que vendiam títulos norte-americanos. Naquele mês o fluxo tornou-se negativo. Apesar de terem voltado as compras líquidas, a média de agosto a novembro (US$ 52,1 bilhões) foi menos que metade da média de janeiro a julho (US$ 113,1 bilhões). Os estrangeiros buscam livrar-se dos títulos de longo prazo.

A partir de outubro, parte substancial dos ingressos de divisas nos EUA provém do socorro por fundos soberanos da Ásia e do Oriente Médio, que adquirem títulos conversíveis em ações de bancos dos EUA. Em novembro, ações ordinárias do Citigroup foram compradas pelo fundo soberano de Abu Dhabi por US$ 7,5 bilhões.

O Citigroup, maior banco dos EUA, teve de vender, em 15.01.2008, ações preferenciais por US$ 14,5 bilhões ao Temasek, fundo nacional de Cingapura. Captou também da Autoridade de Investimentos do Kuwait. São US$ 26 bilhões desde o início do colapso. Merrill Lynch recebeu, em janeiro de 2008, U$ 6,6 bilhões da Companhia de Investimentos da Coréia, da Autoridade de Investimentos do Kuwait e de outros, além de US$ 6,2 bilhões em dezembro.

O suíço UBS deu baixa, no 3º trimestre de 2007, em 3,4 bilhões de dólares de títulos ligados aos mercados sub-prime dos EUA. No 4º trimestre, mais US$10 bilhões. Então levantou US$ 17,6 bilhões: participação de 9% do governo de Cingapura no capital do banco e mais recursos de investidor não divulgado do Oriente Médio. Chegam a US$ 100 bilhões de dólares as recentes injeções em bancos estadunidenses e europeus, por fundos nacionais e investidores de Abu-Dabi, Kuwait, Dubai, Arábia Saudita, China, Cingapura e Coréia.

Também ganham vulto as operações de resgate por parte dos bancos centrais para evitar que os bancos ponham à venda ativos podres, o que aceleraria a débâcle. O FED tem soltado centenas de bilhões de dólares. Em 18.12.2007 o Banco Central Europeu, o FED e o Banco da Inglaterra socorreram bancos do continente europeu e ingleses com US$ 548 bilhões. Isso atiça a inflação, mas não logra sanear os bancos.

Observadores calculam que mais de US$ 1 trilhão de ativos já ficaram sem valor nos últimos meses. A bolha pode alcançar US$ 20 trilhões, segundo o Serviço de Notícias da Executive Intelligence Review.

Tudo isso é escondido dos olhos do grande público. A oligarquia responsável pelo colapso pretende fazê-lo pagar por este. Até há pouco, os economistas dos bancos esbanjavam loas à expansão econômica. Agora, muitos persistem na enganação, e uns poucos dize que “a situação mudou”, em vez de reconhecer que erraram. Foi mais sincero o executivo-chefe da Fannie Mae, importante instituição hipotecária dos EUA: “o pior da crise ainda está por vir, pois o mercado não chegará ao fundo antes do final de 2008.”

Conclusão

Os efeitos irão além da recessão em curso nos EUA. Virá a depressão, e já está difícil ocultar a natureza fraudulenta do sistema mundial de poder. Por ficar atrelada a este, a sociedade brasileira foi sacrificada demais e tolhida em seu desenvolvimento. O Brasil progrediu nos anos 30 e 40, ao cair o comércio internacional por causa da depressão nos países hegemônicos. Está na hora de o País organizar-se, controlar os capitais e desconcentrar a estrutura econômica.

* – Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. benayon@terra.com.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
RELATED ARTICLES

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Most Popular

Recent Comments

PAULO ROBERTO DOS ANJOS OLIVEIRA on Próximo factoide: a prisão do Lula
cleonice pompilio ferreira on Golpe de 64: quando Kennedy chamou os militares
José rainha stedile lula da Silva Chávez on Projeto ditatorial de Macri já é emparedado nas ruas
maria teresa gonzalez perez on Crise e impasse institucional
maria teresa gonzalez perez on La Plata: formando um novo tipo de jornalista
maria teresa gonzalez perez on Maduro prepara Venezuela para a guerra civil
maria teresa gonzalez perez on Momentos emocionantes da apuração do 2o. turno
Pia Torres on Crítica do filme Argo
n_a_oliveira@hotmail.com on O que disse Lula a Mino Carta, meus destaques
José Gilbert Arruda Martins on Privatizações, novo filme de Sílvio Tendler
Maria Amélia dos Santos on Governador denuncia golpe em eleição
Prada outlet uk online on Kennedy e seu assassinato há 50 anos
http://www.barakaventures.com/buy-cheap-nba-indiana-pacers-iphone-5s-5-case-online/ on Oliver Stone em dois documentários sobre Chávez
marcos andré seraphini barcellos on Videoentrevista: Calos Lupi fala do “Volta Lula”
carlos gonçalves trez on Crítica do filme O Artista
miriam bigio on E o Brasil descobre o Oman
Rosana Gualda Sanches on Dez anos sem Darcy Ribeiro
leitefo on O Blogueiro
Suzana Munhoz on O Blogueiro
hamid amini on As razões do Irã
leitefo on O Blogueiro
JOSÉ CARLOS WERNECK on O Blogueiro
emidio cavalcanti on Entrevista com Hermano Alves
Sergio Rubem Coutinho Corrêa on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
Stephanie - Editora Saraiva on Lançamento: Existe vida sem poesia?
Mércia Fabiana Regis Dias on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Nielsen Nunes de Carvalho on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Rosivaldo Alves Pereira on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
filadelfo borges de lima on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola