Por César Fonseca
do Site Independência Sul-Americana
O desconcerto geral – no Brasil e no mundo capitalista – quanto ao perigo de uma inflação que pode caminhar para a hiperinflação está , naturalmente, relacionado ao fato de que o instrumento de reprodução ampliada do capital está quebrado. Que mecanismo é esse? A dívida pública. Durante o século 20, ela foi a principal alavancagem do processo de sobreacumulação de capital. Ocorre que com os governos capitalistas desenvolvidos superendividados não pode mais o mecanismo funcionar. Se a sobreacumulação de capital não se realiza mais, evidentemente, a crise se instala. Outro mergulho num repeteco de setembro de 2008 não pode ser descartado de jeito nenhum, justamente, porque os governos estão de pés e mãos amarrados pelo excesso de dívida. Equacioná-la torna-se a questão vital.
O século 20 demonstrou à larga que a economia de mercado funcionou, mais ou menos, adequadamente, até 1929, sob padrão ouro. Os equilíbrios macroeconômicos eram estabelecidos pelos governos conforme suas reservas em metais – ouro e prata. A oferta monetária tinha que guardar correspondência com a existência delas. Contudo, como já haviam demonstrado os economistas clássicos, em suas intermináveis discussões, como a que se verificou entre Ricardo e Malthus, o sistema capitalista padece, desde seu nascimento, de crônica insuficiência de demanda relativa global. Por que?
Marx , maior professor no assunto, destaca que o empresário, quando realiza seu investimento, compra C+V , capital constante(C) mais capital variável(V), para jogar na circulação capitalista, mas retira dela não o que jogou, ou seja, apenas, C+V, mas, sim, C+V+S, sendo S o lucro, dinheiro que vira capital. De onde vem o dinheiro? pergunta o autor de O Capital. Ele mesmo responde: “Não vem”.
Vale dizer: o valor apropriado pelo capitalista é superior ao valor recebido pelo assalariado, que tem uma parte do seu valor não pago transformado em lucro do empresário. Cria-se, historicamente, um gap nas relações entre os valores no processo de relação entre capital e trabalho. Assim, a totalidade do valor dos salários não consegue comprar a totalidade do valor da produção. Sobra produção, por falta de salário, e os preços caem, levando o sistema à deflação.
Esse é o perfil histórico do sistema. Devido à insuficiência crônica de demanda, decorrente do processo de acumulação, que vira sobreacumulação, aumentam os estoques. Em princípio, o que sobra é exportado. Mas, se todas as sobras são exportadas, vale dizer, se a economia globaliza-se, totalmente, amplia-se a concorrência, também, no comércio internacional, da mesma forma como ocorre no mercado interno. Dessa forma, repete-se externamente o que ocorre internamente de forma crônica, historicamente. As contradições finais do sistema se darão no comércio exterior, diz Marx.
Por acaso, não é esse o problema que a indústria brasileira enfrenta em relação à China que amarrou sua moeda, o yuan, ao dólar, para o bem e para o mal, a fim de deslocar, no plano global, os concorrentes, especialmente, os emergentes, condenando-os a desindustrialização?
A deflação é o curso natural do sistema e o lucro obtido pelo capital investido depende, portanto, fundamentalmente, do arrocho de salários, para que, na exploração da mão de obra, seja possível extrair o máximo de lucratividade, de modo a compensar a tendência do sistema ao processo deflacionário. Salário zero ou negativo, como ressalta Pigou, é o ideal. O processo de sobreacumulação impõe , no limite, a destruição dos salários em sua expressa matemática do termo, complementa Marx.
Para Malthus, o jogo para superar a tendência inflacionária seria romper equilíbrio orçamentário pregado neuroticamente pelos neoliberais. Se o processo cria insufiência crônica de demanda efetiva, jogando os preços no chão, por falta de consumidor, seria necessário um consumidor suplementar, para garantir a demanda. Que consumidor seria esse? Para Malthus, o governo, criando despesas, ampliando o funcionalismo, realizando obras, guerras etc. Essa seria a base do pensamento de Keynes, que considerou as guerras positivas para o capitalismo, quando, em 1944, aconselhou Roosevelt a ampliar os gastos públicos, para tirarem os Estados Unidos da bancarrota de 1929.
“Penso ser incompatível com a democracia capitalista que o governo eleve seus gastos na escala necessária capaz de fazer valer a minha tese – o pleno emprego – , exceto em condições de guerra. Se os Estados Unidos se insensibilizarem para a preparação das armas, aprenderão a conhecer a sua força”(Keynes, no New Repúblic, destacado por Lauro Campos em “A crise da ideologia keynesiana”(1980, Campus, com prefácio admirado de Edmar Bacha). Continua no Independência Sul-Americana