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Crítica do filme "Bem-Vindo"

(Publicado originalmente em Sex, 21 de Agosto de 2009 15:56)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Veja aqui o trailer.

O cineasta Philippe Lioret faz, em Bem-Vindo, aterradora denúncia contra o tratamento discriminatório dado aos imigrantes sem documentos na França, que estaria submetida hoje sob a vigência de verdadeiro regime policial sufocante, mesmo para os franceses, propagadores, no passado, do lema “liberdade, igualdade e fraternidade”.

O caráter político incisivo do filme – que causou séria polêmica entre Lioret e o ministro de Imigração, Eric Besson – se evidencia na cena em que Simon (Vincent Lindon), professor de natação, que sofre todo tipo de repressão ao dar acolhimento em casa a um aluno iraquiano-curdo, Bilal (Firat Ayverdi), liga o televisor e o desliga, de imediato, após ouvir a afirmativa do presidente Sarkozy – Eu assumo o que disse!… A temática da película se assemelha à de O Visitante, do americano Thomas McCarthy. Mas, nesse caso, como se deve considerar, além de a personalidade do protagonista ser mais complexa, o tratamento dado por Lioret é, sem dúvida, mais vigoroso e contundente, com algumas sugestões tidas como “inaceitáveis” pelo governo francês. As sequências que mostram, por exemplo, a situação de risco a que se expõem os imigrantes ao tentarem ingressar na Inglaterra, de forma clandestina, em caminhões de carga, originários de Calais, banhada pelo Canal da Mancha, são impressionantes e de natureza documental sob registro fotográfico de Laurent Dailland. Lioret pinta também com cores fortes o indiferentismo da sociedade francesa em relação ao grave problema social. Não se deve, portanto, tomar como irrelevante, nesse sentido e em outros não tão explícitos, o fato de Marion (Audrey Dana), ex-mulher de Simon, ativista social em defesa dos imigrantes, ser também estudiosa da obra de Walt Whitman.

A cena em que Marion protesta contra o guarda, que não permite o ingresso de imigrantes em um supermercado para fazer compras, é mais do que reveladora de uma situação de discriminação insustentável, comparável, segundo Lioret, à que sofreram os judeus nos tempos da ocupação da França pelos nazistas. Ou de uma xenofobia, que vai ficando, nos tempos atuais, fora dos limites em quase toda a Europa. Depois de perder Marion para outro, que a espera no carro, Simon raciocina que sua pusilanimidade em encarar a questão social poderia ter dado a ela motivo para abandoná-lo. Ele, como observara, sequer a apoiara na altercação que ela fizera à porta do supermercado. Quando, mais tarde, Marion o indaga sobre as dificuldades que enfrenta com as autoridades policiais, que o indiciaram por causa de seu envolvimento com Bilal, ele lhe responde: – Esse rapaz andou 400 quilômetros para chegar até aqui e quer atravessar a nado o Canal da Mancha para se encontrar com a namorada. Quando você foi embora, eu fui incapaz de atravessar uma rua para trazê-la de volta!… A força dramática do filme está sediada, portanto, no relacionamento de Simon com Bilal, que, na verdade, comporta diversas possibilidades interpretativas, até mesmo a da carência da paternidade.

O roteiro falha, porém, ao dar abrigo a algumas questões que parecem por demais fantasiosas, tendo em vista o caráter naturalista da narrativa de Lioret, como a tentativa de Bilal de nadar nas águas congeladas do Canal da Mancha, sem ter equipamentos e o devido preparo técnico. Vincent Lindon aproveita a oportunidade, que lhe dá o papel de Simon, para realizar um trabalho notável de interpretação, demonstrando que todas as ações e aspirações do protagonista estão sob o seu domínio. E, com isso, ele ocupa a cena totalmente, do começo ao fim do filme, dando a Simon a característica de um homem taciturno, sisudo, fechado, que evita dar a conhecer aos demais a sua intrínseca necessidade de afeto. Assim, a face do ator é rígida a todo tempo, mas os olhos não escamoteiam o que assoberba interiormente a personagem, que se expressa apenas por meio de palavras monossilábicas. É realmente uma soberba atuação!…

FICHA TÉCNICA
BEM-VINDO
WELCOME
França/2009
Duração – 110 minutos
Direção – Philippe Lioret
Roteiro – Philippe Lioret
Produção – Nord-Ouest Films
Fotografia – Laurent Dailland
Música – Nicolas Piovani
Edição – Andréa Sedlackova
Elenco – Vincent Lindon (Simon), Adrey Dana (Marion) Firat Ayverdi (Bilal), Derya Ayerdi (Namorada de Bilal).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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