(Publicado originalmente em Ter, 11 de Agosto de 2009 14:49)
Por Reynaldo Domingos Ferreira
Ambientada em Búzios e no Arraial do Cabo, na década de oitenta, À Deriva, de Heitor Dhalia, é uma interessante crônica, de linguagem absorvida de alguns cineastas modernos franceses, sobre uma crise familiar vista pelo olhar perscrutador e inquietante de uma garota adolescente que, como que se admite, seria o alter ego do realizador pernambucano. O excelente manejo de câmara feito por Ricardo Della Rosa, que capta as imagens rentes aos atores, enquadrando-os, quase sempre, em planos fechados, dá bem noção da inquietação da protagonista, Filipa (Laura Neiva), então experimentando a difícil fase, de erupção sexual, da passagem da adolescência para a idade adulta.
Filipa é a mais velha dos três irmãos, filhos do escritor Matias (Vincent Cassel) e da professora Clarice (Débora Bloch), que constituem uma família de classe média alta paulistana. Apesar das aparências – mesmo as de ordem econômica, pois que, para quem vive apenas de escrever, absolutamente fora da realidade brasileira -, o casal se encontra em conflito, passando o verão numa bela casa de praia em Búzios. A temporada no literal, ao que se percebe, teria sido arquitetada como resultante de um esforço empreendido principalmente por Matias, que não só deseja concluir um novo livro, longe das turbulências da capital paulista, como quer também reconquistar a felicidade, já perdida, da família. A curiosidade de Filipa pela situação que enfrentam os pais – ela, às vezes, surpreende a mãe chorando ou entregue à bebida – é despertada pela ocorrência de um crime passional, envolvendo os donos de uma casa vizinha, que ficara marcada por manchas de sangue.
A vítima, a mulher, muito bonita, segundo as fotos estampadas nos jornais, fora flagrada em adultério pelo marido. Durante um jantar oferecido a um casal amigo, Matias, ao comentar, sob duras críticas de Clarice, o argumento de seu novo livro, oferece indicações do quê realmente acontece entre ele a mulher. Mas Filipa não percebe isso. Ela só identifica, mais tarde, que Matias freqüenta a casa de uma americana, Ângela (Camilla Belle), de quem é amante. Paralelamente ao drama familiar, Filipa procura criar um outro próprio, tentando subjugar aos seus anseios e caprichos um garoto, Antonio (Max Huzar), integrante de uma turma de jovens que, com ela, se divertem pela praia. E em seqüências planejadas apenas para criar suspense – pontilhadas por um adequado comentário musical de Antônio Pinto -, Filipa penetra na casa de Ângela, mexe em seus guardados e, depois, cautelosa, vai ao escritório do pai a fim de lhe tirar o revólver da gaveta e dar um sumiço nele. O que se destaca no trabalho de Dhalia (Cheiro de Ralo), como diretor e roteirista, é a maneira com que ele prepara e explora o trabalho dos atores, principalmente o da estreante Laura Neiva, intérprete de Filipa, descoberta pela internet, que tem talento nato de atriz, ainda livre dos vícios da televisão. Ela é, por assim dizer, em termos de atuação, a luz que ilumina o filme, selecionado para a mostra Um Certo Olhar, paralela ao Festival de Cannes. Débora Bloch dissimula bem o segredo de Clarice.
Camilla Belle é bonita, mas inexpressiva. E Vincent Cassel, falando fluentemente o português, se apresenta numa boa interpretação como Matias, um pai extremado, que, apesar de mulherengo, deseja manter a integridade da família, muito embora não seja esse um papel que corresponda ao gênero que faz no cinema francês. Na cena final, que é também a inicial da película, Cassel exprime algo mais do que está na imagem, mas na cabeça de Matias.
FICHA TÉCNICA
À DERIVA
Brasíl/França/EUA/2009
Duração – 97 minutos
Direção – Heitor Dhalia
Roteiro – Heitor Dhalia e Vera Egito
Produção – Fernando Meirelles, Matias Mariani, Andréa Barata Ribeiro e Bel Berlinck
Música – Antônio Pinto
Elenco – Vincent Cassel (Matias), Débora Bloch (Clarice), Laura Neiva (Filipa), Camilla Belle (Angela), Gregório Duvivier (Lucas), Cauã Reymond (Homem do Bar)