sexta-feira, novembro 22, 2024
InícioCinemaCrítica do filme Il Villaggio Di Cartone

Crítica do filme Il Villaggio Di Cartone

É, no mínimo, polêmica a mensagem emitida por Il Villaggio di Cartone, de Ermanno Olmi, exibido na Mostra Internazionale di Venezia, de que a caridade é mais forte do que a fé. A maneira, porém, pela qual a ideia é exposta pelo famoso cineasta, ganhador da Palma de Ouro, em Cannes, por A Árvore dos Tamancos (1978), merece, sem dúvida, ser analisada, pois, em termos dramáticos, ganha dimensão reflexiva, de fundo moral, sobre a intolerância nos tempos atuais.

O tema, recorrente no cinema europeu – como Terraferma, de Emanuele Crialese, que abriu regiamente a Mostra -, é o da imigração africana clandestina, focalizado, na película, sob a forma de apólogo. Olmi, de oitenta anos, autor do roteiro em colaboração com Claudio Magri e Gianfranco Ravasi, acredita que a religião se tornou, nos dias de hoje, dispensável. Uma igreja está para ser demolida a fim de dar lugar a um lucrativo empreendimento imobiliário. O pároco (Michael Londsdale), inconformado, já bastante idoso, resiste a deixar o local em que celebrou missa durante toda sua vida. Para ele, aquele é um lugar sagrado.

É nesse sentido que o protagonista, admitindo sua impotência para reagir, dialoga com Cristo no momento em que o grande crucifixo, que pairava sobre o altar, é removido por uma grua conduzida por operários. Estes, em seguida, começam a encaixotar as imagens, que ocupavam nichos e altares. Aos poucos, a igreja perde a sua aparência característica sob o olhar atônito do sacerdote, que, magoado, humilhado, sem obter qualquer resposta de Cristo, como esperava, procura se isolar na sacristia.

Quando a noite vem, alguns grupos de imigrantes clandestinos, acuados pela polícia migratória, ocupam o local, onde armam barracas de papelão para nelas se abrigarem, constituindo assim a estampa de um vilarejo de presépio. Enquanto o pároco acolhe os desabrigados, oferecendo-lhes o pouco de comida que ainda lhe resta, o sacristão (Rutger Hauer), de face dura, empedernida, não vê de bom grado a ocupação do recinto. É dessa atitude díspare de ambos e da argumentação apresentada, posteriormente, pelo chefe da brigada policial (Alessandro Haber) sobre o cumprimento da lei, que emerge a pregação de dúbio sentido de Olmi, tido como cineasta “religioso”, que, nesse caso, antepõe a solidariedade à fé.

Não há dúvida, entretanto, quanto à religiosidade de Olmi, confirmada, em termos estéticos, pela referência evidente às linguagens de Dreyer e de Bresson e, em termos formais, à tragédia Morte na Catedral, de T.S. Eliot. Além disso, observe-se o sugestivo efeito cênico que ele consegue extrair do figurino, usado pelos imigrantes clandestinos, envolvidos, muitos deles, em túnicas semelhantes às das imagens retiradas da igreja pelos operários. Assim, como a composição das cenas é eminentemente teatral – marcada até mesmo pela música e pela iluminação – Olmi reconstitui, com os imigrantes (entre eles, existe um intelectual, o engenheiro), as figurações da Pietà, da Sagrada Família, de São Francisco e de muitas outras imagens.

Esse artifício cênico reforça muito, portanto, a expressão do trabalho de Olmi como parábola essencialmente cristã, que vai dar na afirmativa de que ou mudamos o curso da história, ou será a história que nos mudará, conforme está dito ao final do filme. Uma das sequências mais tocantes, por sinal, é a que identifica como sendo as vésperas do Natal, quando o espírito da solidariedade, ao que parece, mais une os cristãos. Nessa época, transcorre a ação, pois o pároco – interpretado por Michael Londsdale -, no auge do desespero, ajoelhado, diante do altar, em lágrimas, canta Adestra Fidelis!… Londsdale, também de oitenta anos, repete sua brilhante atuação em Homens e Deuses, de Xavier Beauvois. Os demais atores – principalmente o alemão Rutger Hauer, como o sacristão – estão todos igualmente muito bem.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
www.theresacatharinacampos.com
www.arteculturanews.com
www.noticiasculturais.com
www.politicaparapoliticos.com.br
www.cafenapolitica.com.br
FICHA TÉCNICA
IL VILLAGGIO DI CARTONE
Itália / 2011
Duração – 87 minutos
Direção – Ermanno Olmi
Roteiro – Ermanno Olmi, Claudio Magri e Gianfranco Ravasi
Produção – Luigi Musini, Edison Spa
Fotografia – Fabio Olmi
Trilha Sonora – Sofia Gubaidolina
Edição – Paolo Cottignola
Elenco – Michael Londsdale (pároco), Rutger Hauer (sacristão), Massimo De Francovich (médico), Alessando Haber (chefe de polícia).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
RELATED ARTICLES

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Most Popular

Recent Comments

PAULO ROBERTO DOS ANJOS OLIVEIRA on Próximo factoide: a prisão do Lula
cleonice pompilio ferreira on Golpe de 64: quando Kennedy chamou os militares
José rainha stedile lula da Silva Chávez on Projeto ditatorial de Macri já é emparedado nas ruas
maria teresa gonzalez perez on Crise e impasse institucional
maria teresa gonzalez perez on La Plata: formando um novo tipo de jornalista
maria teresa gonzalez perez on Maduro prepara Venezuela para a guerra civil
maria teresa gonzalez perez on Momentos emocionantes da apuração do 2o. turno
Pia Torres on Crítica do filme Argo
n_a_oliveira@hotmail.com on O que disse Lula a Mino Carta, meus destaques
José Gilbert Arruda Martins on Privatizações, novo filme de Sílvio Tendler
Maria Amélia dos Santos on Governador denuncia golpe em eleição
Prada outlet uk online on Kennedy e seu assassinato há 50 anos
http://www.barakaventures.com/buy-cheap-nba-indiana-pacers-iphone-5s-5-case-online/ on Oliver Stone em dois documentários sobre Chávez
marcos andré seraphini barcellos on Videoentrevista: Calos Lupi fala do “Volta Lula”
carlos gonçalves trez on Crítica do filme O Artista
miriam bigio on E o Brasil descobre o Oman
Rosana Gualda Sanches on Dez anos sem Darcy Ribeiro
leitefo on O Blogueiro
Suzana Munhoz on O Blogueiro
hamid amini on As razões do Irã
leitefo on O Blogueiro
JOSÉ CARLOS WERNECK on O Blogueiro
emidio cavalcanti on Entrevista com Hermano Alves
Sergio Rubem Coutinho Corrêa on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
Stephanie - Editora Saraiva on Lançamento: Existe vida sem poesia?
Mércia Fabiana Regis Dias on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Nielsen Nunes de Carvalho on Entrevista: Deputada Luciana Genro
Rosivaldo Alves Pereira on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola
filadelfo borges de lima on El Caudillo – Biografia de Leonel Brizola