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Crítica do filme "O Silêncio de Lorna"

(Publicado originalmente em Qui, 20 de Novembro de 2008 21:00)

Por Reynaldo Domingos Ferreira

Os cineastas belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne – também conhecidos por Irmãos Dardenne – realizam, em O Silêncio de Lorna, um estudo que transcende o problema político dos imigrantes ilegais, tema recorrente no cinema europeu, para se concentrar na questão da conscientização da culpabilidade em relação ao crime, abordado, da mesma forma, em outros filmes recentes como Match Point, de Woody Allen.

Os cineastas belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne – também conhecidos por Irmãos Dardenne – realizam, em O Silêncio de Lorna, um estudo que transcende o problema político dos imigrantes ilegais, tema recorrente no cinema europeu, para se concentrar na questão da conscientização da culpabilidade em relação ao crime, abordado, da mesma forma, em outros filmes recentes como Match Point, de Woody Allen.

Se os cineastas acertam na elaboração do roteiro, peça de meticulosidade e precisão em termos de construção dramática, eles vacilam na direção no que diz respeito à definição de linguagem para a narrativa. Esta começa dentro de uma linha naturalista, quase documental, para terminar, envolvida num tom impressionista, que despreza as imagens convencionais, o que pode causar incompreensão em relação ao final do filme.

De início, a câmara é conduzida bem rente às personagens e, sem apoio em qualquer comentário musical, capta seu cotidiano, retratando aos poucos o drama que elas vivem sob a opressão de dois esquemas poderosos: a máfia albanesa (ao que se deduz) e os traficantes de droga. Trata-se de um casal: Lorna ((Arta Dobroshi) e Claudy Moreau (Jérémie Renier). Eles estão unidos pelo matrimônio, mas sem conjunção carnal, movidos por interesses que os tornam, cada qual à sua maneira, vulneráveis em relação às duas organizações criminosas.

Pois, de fato, Lorna é uma imigrante albanesa que, aliciada por um “namorado” Sokol (Alban Ukaj), integrante da máfia albanesa, casa-se, a troco de dinheiro, com Claudy, viciado em drogas, a fim de obter a cidadania belga. Enquanto Sokol se mantém distante, agindo na Alemanha, Lorna, por recomendação dele, recebe ordens de um “taxista” Fabio (Fabrizio Rongione), que bola um plano pelo qual, segundo afirma, ela poderá recuperar o dinheiro gasto com o casamento e obter um adicional para montar a lanchonete, com que tanto sonha.

O plano de Fabio prevê a morte de Claudy, induzida por uma overdose, o que dará a Lorna a condição de viúva, de cidadania belga, podendo assim contrair novo casamento com um imigrante russo a peso de muito dinheiro. Ao tomar conhecimento do plano, Lorna não concorda com o assassínio de Claudy, apesar de Sokol lhe dizer, durante apressada visita que lhe faz a fim de convencê-la nesse sentido, que essa gente viciada só ama a droga, não ama a vida!… Ela opta, contudo, por obter o divórcio, processo demorado, com o qual não concorda Fabio. Apesar disso, ela insiste, tentando conseguir o apressamento do feito pela caracterização de maus tratos e de violência doméstica sofrida.

Ante a iminência do perigo que se acerca de Claudy, sem que ele o saiba, Lorna cede aos seus desejos e passa ao mesmo tempo a se ferir, a se mutilar e a atrair testemunhas para a sustentação da tese cogitada a fim de obter, na devida urgência, a sentença homologatória do divórcio. De muitos lances dramáticos, o roteiro se detém principalmente nessa fase da exasperada tentativa de Lorna de salvar Claudy da morte, não sendo aconselhável avançar mais do que isso na antecipação do argumento para não quebrar a expectativa do espectador.

O que deve ser dito é que a atriz albanesa Arta Dobroshi, por sua brilhante atuação, é corpo e alma do filme. Demonstra a todo tempo pleno domínio da técnica de representar, parecendo ter uma longa experiência teatral, pois, além de ocupar o espaço cênico com total desenvoltura, mantém sob controle a emoção, sem deixar em momento algum que a personagem resvale para a pieguice ou o melodrama.

É notável principalmente quando, nos momentos finais, Arta Dobroshi, sem deixar que se desfigure a caracterização por ela dada à personagem, segue fielmente a nova linha impressa pela direção à narrativa que, como foi dito, passa do naturalismo documental para o tom impressionista, pontuada dessa vez por um tema de Beethoven. Vale ainda ser observada a bela interpretação de Jérémie Renier – ator de outros filmes dos Irmãos Dardenne e de Propriedade Privada, de Joachim Lafosse – que, como Claudy, mostra, com extrema competência, a degradação física e moral a que chega o indivíduo dependente de droga. A fotografia, de Alain Marcoen, de belíssimo efeito nas cenas noturnas e, nas seqüências conclusivas na floresta, é outro elemento a ser considerado.

FICHA TÉCNICA
O SILÊNCIO DE LORNA
LE SILENCE DE LORNA
Bélgica, França, Itália, Alemanha /2008
Duração – 105 minutos
Direção – Jean-Pierre e Luc Dardenne
Roteiro – Jean-Pierre e Luc Dardenne
Produção – Dennis Freyd, Jean-Pierre e Luc Dardenne
Fotografia – Alain Marcoen

Elenco – Arta Dobroshi (Lorna), Jérémie Renier (Claudy Moreau), Alban Ukaj (Sokol), Fabrizio Rongione (Fabio), Anton Yakovlev (Andrei), Grigori Manukov (Kostia), Alexandre Trocky (Médico).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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