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Crítica do filme A Dama de Ferro

O excepcional desempenho de Meryl Streep no papel de Margaret Thatcher, em A Dama de Ferro, de Phyllida Lloyd, lamentavelmente, não credencia o filme como bom trabalho biográfico de quem, sem tibieza, liberal na economia e enfrentando a milionária força sindical, bem como a ação terrorista do IRA, ocupou por mais tempo, no século passado, o cargo de Primeiro-Ministro do Reino Unido.

O roteiro escapista, de Abi Morgan, se detém não na atuação de Lady Thatcher – que sempre desprezou o populismo – à frente do Gabinete do Reino Unido, mas em sua vida doméstica, em grande parte, já na velhice, demente, dialogando pelos corredores da casa, com o marido Denis (Jim Broadbent), já morto. O objetivo, ao que parece, é o de suscitar a pieguice, mostrando o alto custo pessoal que ela teria pagado pelo poder. Num flasback, entretanto, quando Denis lhe reclama mais atenção para ele, para os filhos (Mark e Carol) e para a casa, Thatcher, sorvendo sempre um gole de uísque, lhe responde: Quando você se casou comigo, sabia do meu compromisso para com o serviço público.

Assim, de acordo com o objetivo do roteiro, na primeira cena, quando os jornais noticiam, em 2008, o atentado terrorista ao Marriott Hotel, em Islamabad (Paquistão), num mercado, em Londres, sozinha, sem ser reconhecida pelos outros consumidores, Thatcher está comprando leite e estranhando o preço, a seu ver, elevado. De volta a casa, é repreendida pela filha Carol (Olivia Colman), por ter saído sem companhia. Ela fora diagnosticada com um princípio de demência e já não sabia distinguir o presente do passado. Mas é o passado, naturalmente, que mais persiste na memória, instigada pela música de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II (O Rei e Eu) ou pela ópera de Bellini (Norma).

Então, Thatcher mergulha nas lembranças da juventude, quando, interpretada por Alexandra Roach, trabalha no armazém do pai e ingressa na Oxford University, a mais importante da Inglaterra. Durante um jantar com homens de negócios, entre eles, Denis Thatcher (Harry Lloyd), ela impressiona por suas opiniões políticas e, logo, toma assento na Câmara dos Comuns, amplamente dominada por homens, do Partido Conservador. Casada com o bem sucedido empresário Denis Thatcher, ela – novamente interpretada por Meryl Streep – se vê em condições de integrar, como Secretária de Educação, o gabinete de Edward Heath (John Sessions), tornando-se amiga de Airey Neave (Nicholas Farrel), logo eliminado num atentado a bomba, promovido pelo IRA (Irish National Liberation Army).

Para seguir a trilha de O Discurso do Rei, o roteiro cede bom espaço aos ditadores de moda e professores de dicção e impostação de voz para mudar a imagem de Thatcher por sugestão da cúpula do Partido Conservador, que deseja sua ascensão ao cargo de Primeiro-Ministro. Seria a primeira mulher a assumir essa posição na história do Reino Unido. Thatcher aceita todas as mudanças que lhe são ditadas, exceto a de deixar de usar o colar de pérolas, que sempre traz ao pescoço: – O colar de pérolas, presente do meu marido, é inegociável – ela afirma.
Explorando mais esses assuntos ditos periféricos, o roteirista Abi Morgan omite o principal, isto é, a ação política da Dama de Ferro, título que deram a Thatcher os soviéticos. Não se expõe a sua experiência de política monetarista. Há ligeira menção à decisão dela de defender as Ilhas Falklands (Malvinas) do ataque argentino, quando coloca em brios o embaixador americano e à incabível repreensão que ela faz a Geoffrey Howe (Anthony Head), membro de seu gabinete, que logo se demite (1990), causando, como se atribui, o final de sua gestão. Além disso, há uma cena em que ela dança com Ronald Reagan (Reginald Green) e, por estranho que pareça, nenhuma referência se faz ao seu relacionamento com o Palácio de Buckingham.

Phyllida Lloyd, a realizadora, é mais conhecida, na Inglaterra, como diretora de teatro. Mas foi ela a responsável pelo maior êxito comercial do cinema britânico, nos últimos anos, ao fazer a versão do musical Mamma Mia, também estrelado por Meryl Streep, que, como sempre, estava estupenda, cantando e dançando. Dessa feita, porém, Lloyd se atrapalha principalmente na questão da sucessão do tempo, que se opera sob a ótica (ou pelo espírito) de uma pessoa que vai paulatinamente perdendo a memória. Sua narrativa é, por isso, confusa, sem brilho e sem dinâmica própria. Entre os atores, além de Meryl Streep, em memorável atuação, como Lady Thatcher, o único que se destaca, por uma presença marcante em cena, é Nicholas Farrel, no papel de Airey Neave.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
A DAMA DE FERRO
THE IRON LADY
Reino Unido – França – 2011
Duração – 105 minutos
Direção – Phyllida Lloyd
Roteiro – Abi Morgan
Produção – Damian Jones
Fotografia – Elliot Davis
Trilha Sonora – Thomas Newman
Edição- Justine Wright
Elenco – Meryl Streep (Margaret Thatcher), Jim Broadbent (Denis Thatcher), Iain Glen (Alfred Roberts), Alexandra Roach (Margaret Thatcher, jovem), Olivia Colman (Carol Thatcher), Harry Lloyd (Denis Thatcher, jovem), Nicholas Farrel (Airey Neave), John Sessions (Edward Heath), Anthony Head (Geoffrey Howe), Reginald Green (Ronald Reagan).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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