O site Wikileaks volta a atacar depois de quase um ano de recesso forçado pela violenta pressão das grandes potências militares e financeiras, agora anunciando para a partir de hoje, publicar milhões de correios eletrônicos (e-mails) da empresa de espionagem privada Stratfor, conhecida como a “CIA nas sombras”, por ser contratada pelos grandes serviços secretos, ministérios da Defesa e de Relações Exteriores e empresas transnacionais.
Agora utilizando um site alternativo e progressista, o publico.es, da Espanha, o Wikileaks promete revelar segredos de nada mais e nada menos do que as agências classificadoras de risco-país, como a Goldman Sachs, a União de Bancos Suíços e os serviços de inteligência e contra-terrorismo, como o Department of Homeland Security e a Drug Enforcement Administration (DEA), dos Estados Unidos.
“Esta nova mega-filtragem de análises confidenciais, que mostram os controles remotos dos que dirigem o mundo”, diz o site espanhol, “começa a ser publicada hoje, municiando os internautas das revelações de maior interesse. Junto com publico.es, os meios de comunicação progressistas de vinte países também vão difundir o conteúdo desses e-mails e dos milhares de documentos a eles anexados e mantidos em segredo pelas grandes corporações”.
Os e-mails cobrem o período entre julho de 2004 e dezembro de 2011. Revelam o funcionamento interno de uma empresa que, sob a fachada de editor-publisher de artigos e estudos sobre temas de inteligência, ainda vende serviços confidenciais de inteligência/espionagem privada a grandes empresas, entre as quais Dow Chemical Co. de Bhopal; Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon; e também a agências estatais, como os Marines dos EUA e a Agência de Inteligência da Defesa dos [ing. US Defense Intelligence Agency].
Mostram os e-mails a rede de informantes de Stratfor; a estrutura de pagamentos; as técnicas de lavagem de dinheiro para pagamentos ilegais; e os métodos ‘psicológicos’, como, por exemplo, em:
“[Vocês] têm de controlá-lo. Controlar significa controle financeiro, sexual ou psicológico (…). Digo-lhe isso, para iniciar nossa conversa sobre sua segunda fase”
– como escreveu o diretor-presidente da empresa Stratford, George Friedman, a um dos analistas da mesma Stratfor, Reva Bhalla, dia 6/12/2011, com instruções sobre como explorar um informante israelense que lhes oferece informação sobre as condições médicas do presidente da Venezuela, Hugo Chavez.
O material inclui informação secreta sobre os ataques pelo governo dos EUA contra Julian Assange e WikiLeaks, e as tentativas feitas pela própria empresa Stratfor para subverter WikiLeaks. As palavras “WikiLeaks” ou “Julian Assange” aparecem mencionadas em mais de 4.000 e-mails. Nos e-mails também se veem, em operação, as portas giratórias que conectam entre si as empresas privadas de inteligência nos EUA. Fontes governamentais e diplomáticas de todo o mundo oferecem à empresa Stratfor informação privilegiada sobre política e eventos globais, em troca de pagamento.
Os ARQUIVOS DA INTELIGÊNCIA/ESPIONAGEM PRIVADA GLOBAL informam sobre como a empresa Stratfor recrutou uma rede global de agentes informantes que são pagos através de contas em bancos suíços e cartões de crédito prepagos. Stratfor mantém um mix de informantes oficiais e clandestinos, no qual se veem nomes de funcionários públicos, pessoal diplomático e jornalistas, em todo o mundo.
O material explica como opera uma agência privada de inteligência/espionagem, e como espionam indivíduos, a serviço de seus clientes privados e estatais. Por exemplo, a empresa Stratfor monitorou e analisou as atividades online de ativistas de Bhopal, inclusive os “Yes Men”[1], para a gigante norte-americana da indústria química, Dow Chemical. Os ativistas, nesse caso, buscam reparação para o desastre ecológico provocado pelas empresas Dow Chemical/Union Carbide, em 1984, em Bhopal, Índia, que provocou milhares de mortes, atingiu mais de meio milhão de pessoas e foi causa de dano ambiental de longo prazo.
A empresa Stratfor já sabia que sua rotina de trabalho e modus operandi, de distribuir propinas e pagamentos secretos em dinheiro para obter informação do pessoal interno de empresas privadas e órgãos governamentais, é pouco segura. Em agosto de 2011, o presidente executivo da empresa Stratfor, George Friedman, escreveu confidencialmente aos seus empregados:
“Estamos contratando uma empresa de advocacia, para que crie uma política para nossa empresa [Stratfor], que não agrida os termos da Lei Anticorrupção em Negócios Estrangeiros [orig. Foreign Corrupt Practices Act]. Não quero ser arrastado algemado pela calçada para que os fotógrafos se fartem, nem quero ver arrastado ninguém do nosso pessoal.”
A prática da empresa Stratfor, de usar pessoal interno de outras empresas e agências estatais, rapidamente se converteu em esquema de distribuição de dinheiro, de legalidade questionável.
Outra revelação indica que, em 2009, o então diretor-gerente de Goldman Sachs, Shea Morenz, e o presidente executivo da empresa Stratfor, George Friedman, tiveram a ideia de “usar a inteligência/espionagem” que estava sendo extraída da rede de elementos ‘internos’ [orig. insiders] em empresas e nos governos, para iniciar um captive strategic investment fund. Em telegrama confidencial de agosto de 2011, que leva um selo de “NÃO DISTRIBUIR NEM DISCUTIR”, o presidente-executivo da empresa Stratfor, George Friedman explicou:
“O StratCap [Fundo Stratfor de Capitalização] usará nossas inteligência/espionagem e análises para comerciar em vários instrumentos geopolíticos, sobretudo papéis de governos, moedas e itens semelhantes.”
Os e-mails mostram que, em 2011, Morenz, de Goldman Sach, investiu “substancialmente” mais de $4milhões, e passou a integrar o conselho de diretores da empresa Stratfor. Ao longo de 2011, foi montada uma estrutura complexa de offshore share, que alcançava até a África do Sul, com o objetivo de fazer crer que o Fundo StratCap seria legalmente independente. Mas, confidencialmente, Friedman escreveu à equipe de Stratfor:
“Não pensem que [o fundo] StratCap seja organização de fora. Será integral (…). Será útil que vocês, em nome da maior conveniência, raciocinem como se [o fundo] fosse mais um aspecto de Stratfor; e que pensem em Shea como mais um executivo em Stratfor (…). Já estamos trabalhando em mock portfolios and trades [talvez, “portfólios para treinamento”?].
O Fundo Stratford de Capitalização [StratCap] será lançado em 2012. Os e-mails de Stratfor mostram uma empresa privada que cultiva laços muito íntimos com agências oficiais e emprega vários ex-funcionários do governo dos EUA. A empresa está preparando o quadro das próximas promoções, para os próximos três anos, no Comando do Corpo de Marinha dos EUA [orig. the 3-year Forecast for the Commandant of the US Marine Corps], e dá treinamento aos marines dos EUA e “a outras agências governamentais de inteligência” que desejem “tornar-se Stratfors do governo”.
O vice-presidente para Inteligência de Stratfor, Fred Burton, foi agente especial do Serviço de Segurança Diplomática do Departamento de Estado dos EUA e vice-diretor da divisão de contraterrorismo. Apesar desses laços com o estado, Stratfor e outras empresas assemelhadas operam sob completo segredo, sem qualquer supervisão pelo estado ou por órgãos de fiscalização oficial, e sem qualquer transparência.
A empresa Stratfor alega que opera “sem ideologia, agenda ou viés nacional”, embora os e-mails agora publicados mostrem em ação uma equipe de inteligência/espionagem privada, sempre bem firmemente alinhada com as políticas do governo dos EUA e com canais de contato direto com o Mossad. Esse contato direto está comprovado, através de um funcionário do jornal israelense Haaretz, Yossi Melman, que conspirou com o jornalista David Leigh, do Guardian, e, em flagrante violação do contrato entre WikiLeaks e Guardian, entregaram a Israel telegramas diplomáticos dos EUA, do lote de telegramas que WikiLeaks deixara sob a guarda do Guardian.
Ironicamente, considerando as circunstâncias atuais, Stratfor tem tentado entrar no que a empresa chama de “trem da alegria” [orig. gravy train] “dos vazamentos”, que teria surgido depois das revelações dos papeis do Afeganistão, em WikiLeaks:
“Será que não há alguma coisa a ganharmos, nesse trem da alegria dos ‘vazamentos’? Obviamente, se trata de vender medo, quer dizer: é bom negócio. E temos alguma coisa a oferecer, que as empresas de segurança das tecnologias da informação não têm, sobretudo nosso foco em contrainteligência e vigilância, que Fred e Stick conhecem melhor que qualquer um no planeta (…) Talvez possamos desenvolver algumas ideias e procedimentos sobre alguma rede de segurança focada contra ‘vazamentos’, para impedir que empregados das empresas consigam vazar informação sensível (…). De fato, não estou muito convencido de que se trate de problema de segurança de TI, ou que exija solução de TI.”
Como aconteceu com os telegramas diplomáticos publicados por WikiLeaks, grande parte do real significado desses e-mails só virá à tona ao longo das próximas semanas, quando a coalizão de jornais que construímos em todo o mundo para publicação dos documentos Stratford, e os internautas, em trabalho de pesquisa pública, já tiverem começado a vasculhar os documentos e encontrem conexões significativas.
Os leitores verão que, à parte o grande número de assinantes das publicações e clientes dos serviços da empresa, Stratfor também mantém, entre seus clientes, o controverso general paquistanês Hamid Gul, ex-chefe do serviço secreto do Paquistão (ISI), o qual, segundo os telegramas diplomáticos dos EUA, planejou explosões contra as forças internacionais no Afeganistão, em 2006. Os leitores descobrirão o sistema interno de classificação de e-mails de Stratfor, que organiza a correspondência em categorias como ‘alpha’, ‘tático’ e ‘protegido’. A correspondência também inclui nomes em código para personagens considerados particularmente interessantes, como ‘Hizzies’ (membros do Hezbollah), ou ‘Adogg’ (Mahmoud Ahmedinejad).
Stratfor mantém negócios secretos com dúzias de empresas-de-mídia e jornalistas – da Agência Reuters ao Kiev Post. Uma lista dos “Confederation Partners” [Parceiros da Confederação] de Stratfor, que a empresa designa, internamente, como sua “Confed Fuck House”, está incluída nos documentos agora publicados.
Embora seja aceitável que jornalistas troquem informações entre eles, ou que sejam pagos por empresas outras, diferentes do jornal/rede do qual são empregados, dado que Stratfor é empresa privada de inteligência/espionagem que presta serviços a clientes estatais e clientes privados, o relacionamento entre jornalistas e esses atores é relacionamento ou corrompido ou que corrompe.
WikiLeaks também está divulgando a lista dos informantes da empresa Stratfor e, em muitos casos, recibos de pagamentos que receberam, inclusive pagamento mensal regular de $1.200, feito ao informante “Geronimo”, administrado por Fred Burton, ex-agente do Departamento de Estado, hoje empregado da empresa Stratfor.
WikiLeaks construiu uma parceria investigativa com mais de 25 organizações de mídia e ativistas, para informar o público em geral sobre esse imenso corpo de documentos. Aquelas organizações tiveram acesso a um sofisticado banco de dados e de pesquisa desenvolvido por WikiLeaks e, com WikiLeaks, estão avaliando os e-mails do ponto de vista do interesse jornalístico. Revelações importantes às quais cheguemos mediante o sistema de pesquisa em uso serão publicadas na imprensa comercial nas próximas semanas, ao mesmo tempo em que prosseguirá a publicação dos próprios documentos-fontes. ++++++++++ FIM +++++++++++
[1] Sobre os “Yes Men”, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Yes_Men [NTs]
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Veja mais detalhes no site publico.es