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Crítica do filme As Neves de Kilimanjaro



Quem quiser se certificar do que é o estado de bem-estar social dos franceses deve assistir a As Neves do Kilimandjaro, de Robert Guédiguian. O filme deixa evidente, pelas entrelinhas, a razão pela qual, apesar de ser crescente o desemprego na França, principalmente entre os jovens, nenhum dos candidatos, que disputaram o cargo de presidente da República, se atreveu a mencionar, em seu programa de governo, a intenção de fazer reforma no mercado laboral, embora seja essa uma exigência da Comunidade Europeia..

O roteiro, escrito por Guédiguian – militante de esquerda – e Jean-Louis Milesi, que nada tem a ver com o conto de Ernest Hemingway, já adaptado ao cinema, é inspirado no poema Les Pauvres Gens (A gente pobre), de Victor Hugo. Trata-se de uma das obras mais populares, se assim se pode dizer, do autor, enfeixada no terceiro volume da coleção La Légende Des Siècles (A Legenda dos Séculos). De sentido épico, lírico e satírico ao mesmo tempo, o poema encerra, na verdade, uma história da humanidade, em que se projetam presente, passado e futuro.

O filme de Guédiguian – selecionado para a mostra Un Certain Régard (Um Certo Olhar) do Festival de Cannes do ano passado – é bem mais simples. Extrai da obra literária apenas o ideal de solidariedade entre os homens. Melhor dizendo, pela palavra cara aos franceses, da fraternidade. Assim, restringe-se a narrar, em tom realista, a história de um pescador, Michel (Jean-Pierre Darroussin), empregado de uma empresa de pesca em Marselha, que, por ser membro da poderosa Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), não precisaria fazer parte da lista, por ele preparada, para o sorteio de vinte trabalhadores a serem demitidos ante as dificuldades da crise atual.

Mas Michel surpreende a todos, colocando seu nome na relação, e ele próprio, em seguida, se sorteando para ser um dos demitidos. Quem pensa, porém, que isso vai abater o ânimo de Michel – como aconteceria com qualquer trabalhador brasileiro, desassistido pelo Estado -, engana-se redondamente. Ao chegar a casa, ele convida a mulher, Marie-Claire (Ariane Ascaride), para jantar, num fino restaurante da cidade, regado por bom vinho e tudo o mais a que ambos têm direito. Ao saber da demissão do marido, forçado assim à aposentadoria, Marie-Claire, também não se preocupa. E, na verdade, não tem por que se preocupar, pois o seguro cobre o salário de Michel e ela trabalha – a mão-de-obra na França é a mais cara da Europa – como acompanhante de uma pessoa idosa.

O casal está em véspera de completar trinta anos de casado. Filhos e amigos prepararam uma festa, para a qual foram também convidados os dezenove colegas de Michel, como ele, demitidos. Os organizadores se cotizaram para oferecer ao casal passagens de ida e volta à Tanzânia a fim de conhecer a região dominada pelo Monte do Kilimandjaro. Alguns dias depois da festança, entretanto, quando Michel e Marie-Claire jogavam cartas com os amigos, Raoul (Gérard Meylan) e sua esposa Denise (Maryline Canto), na casa dos primeiros, eles são atacados violentamente por assaltantes mascarados. Esses lhes levam as passagens para a Tanzânia e cartões de crédito com os respectivos códigos de acesso. A posterior descoberta, por Michel, de quem são os assaltantes vai suscitar, entre o casal e os filhos, debate intenso sobre a questão da solidariedade.
Robert Guédiguian (O Último Mitterrand) é ator, roteirista, diretor e produtor, nascido em Marselha, que oferece cenário para a maioria de seus filmes, todos eles,como não poderia deixar de ser, versando sobre questões sociais. Nesse seu último trabalho, Guédiguian, além de criar um roteiro simples, enxuto e bem estruturado, desenvolve sua linguagem cinematográfica de maneira nada brilhante, porém clara e objetiva, prendendo a atenção do espectador do começo ao fim.

Os atores Jean-Pierre Darroussin (Michel) e Ariane Ascaride (Marie-Claire), intérpretes quase constantes nos filmes de Guédiguian, respondem, com precisão, às suas orientações para representar suas respectivas personagens, assim como todo o elenco. O que não é bom é a trilha sonora de Pascal Mayer. A canção As Neves do Kilimandjaro (1967), de Danel Pascal, é bonita e se ajusta à narrativa, o que não acontece com Pavana Para uma Criança Morta (1901) de Maurice Ravel, também belíssima, uma das mais conhecidas do compositor, mas que, pela temática, de nada serve para pontuar algumas sequências do filme, em que é inutilmente usada.
REYNALDO DOMINGOS FERREIRA
ROTEIRO, Brasília, Revista
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FICHA TÉCNICA
AS NEVES DO KILIMANDJARO
LES NEIGES DU KILIMANDJARO
França /2011)
Duração – 107 minutos

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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