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Crítica do filme "Foi apenas um sonho "

(Publicado originalmente em Seg, 02 de Fevereiro de 2009 12:09)

Por Reynaldo Ferreira Gonçalves

(Trailer)

Em Foi Apenas Um Sonho, baseado numa das melhores novelas americanas do século vinte, o premiado cineasta britânico Sam Mendes esmera o aspecto visual para reconstituir a época do conformismo da classe média suburbana dos EUA a fim de nela situar a história de um casal que procura, já no sétimo ano de vida conjugal, cada qual à sua maneira, a realização de seus sonhos. O objetivo admitido por Mendes – vencedor do Oscar por Beleza Americana –, assim como o de seu roteirista Justin Haythe, é o de fazer com que mais pessoas redescubram a obra The Revolutionary Road, de Richard Yates, em que se baseia o filme. Yates, por sua vez, esclareceu, de certa feita, que o tema de seu livro, se pudesse ser sintetizado, estaria centrado em pessoas que, apesar de haverem nascido para viver sozinhas, insistem em ocultar das outras essa sua tragédia pessoal.

É no aspecto visual – imposto em grande parte pelas cores neutras da excelente fotografia de Roger Deakins – que o filme de Mendes se diferencia bastante de Mad Men, glamurosa série televisiva da HBO sobre executivos da propaganda que, passada também na década de cinqüenta, exibe ambientação suburbana de tonalidades vivas, chamativas, o que a torna, a meu ver, bastante superficial. Para evitar isso, como acredito, Mendes rodou seu filme, inicialmente, nos subúrbios de Connecticut, cujas construções conservam as características da década de cinqüenta. É em uma pequena casa desse lugar, onde, no ano de 1955, vive – às mil maravilhas, pelo menos na aparência – o casal Frank (Leonardo DiCaprio) e April Wheeler (Kate Winslet), com dois filhos. Ela estudou arte dramática, mas sua estréia no palco resultou num grande fracasso, o que a levou a se tornar exclusivamente dona de casa. Frank, por sua vez, se viu forçado a trabalhar para a mesma empresa Knox, que deu emprego a seu pai durante toda a vida. Embora insatisfeito com o que faz – mas também sem ter certeza do que deseja fazer -, Frank vai galgando posições aos poucos até que, um dia, é transferido para Nova York, onde a sede da empresa fica num arranha-céu de arquitetura antiquada, cujo ambiente, de certa decadência, reflete bem as frustrações profissionais da personagem.

Com a ajuda da corretora Helen Givings (Kathy Bates), Frank e April, que se julgam especiais, de gostos e costumes refinados, escolhem uma casa, próxima de uma floresta e vizinha à dos Campbell – Shep (David Harbour) e Milly (Kathryn Hahn) –, de quem se tornam amigos. Mal se completa a mudança, porém, April, cheia de caraminholas na cabeça, arquiteta o mirabolante plano de mudança da família para Paris, onde Frank já estivera durante a guerra.

É sobre esse plano de April que se estabelecem os conflitos do casal, pontuados por comentário musical de Thomas Newman, de belo efeito dramático. A partir de então, o filme ganha sentido de atemporalidade pela abordagem de temas atuais, como o aborto. Haythe, o roteirista, teve o cuidado de preservar quase a integralidade dos diálogos de Yates. E a mise-en-scène de Mendes, egresso do teatro, calca o realismo próprio das montagens dos textos de Tennessee Williams. Suas marcações são rígidas no sentido de valorizar a atuação dos atores. E que atores!… Leonardo DiCaprio, seguindo à risca as orientações da direção, apresenta uma interpretação madura de um homem que, embora um tanto desmotivado do ponto de vista profissional, faz de tudo para que, no âmbito familiar, as coisas dêem certo. Sua atuação é discreta, sem arroubos, sustentada pelo expressivo uso dos músculos faciais. O seu Frank traz sempre um sorriso aberto nos lábios para April desde que ela – ou qualquer pessoa do restrito círculo de relacionamento do casal, como o matemático esquizofrênico John Grivings (Michael Shannon), – não o atinja em seus valores morais, herdados do pai naturalmente, cujos conceitos ele traz sempre na lembrança.

Kate Winslet volta magnífica ao papel de uma suburbana como Sarah Pierce, que interpretara em Pecados Íntimos, de Todd Field. Mas é certo que, desta feita, a carga dramática de sua personagem, April Wheeler, é mais intensa porque seu conflito é interior. Ela está insatisfeita consigo própria. April quer luz, quer platéia, quer a vastidão da floresta lá fora, vista da janela, enquanto ela fica, durante toda a jornada, na claustrofóbica cozinha de sua casa entregue à rotina do trabalho doméstico. April pretende por isso inverter os papéis com o marido, Frank. Ela quer ganhar o mundo e deixá-lo em casa na ociosidade. Winslet, ao que fica evidente, trabalhou arduamente na construção da personagem não só no que diz respeito àqueles elementos considerados essenciais – como figurinos, maquiagem, postura em cena, etc. -, mas principalmente à observação do seu poder de atriz de hipnotizar pessoas pela emissão de radiações invisíveis das vontades e dos sentimentos de April Wheeler.

E nessa particularidade ela está perfeita. Excepcional. Além disso, contou com as marcações de cena inteligentes do marido Mendes e, também muito importante, o irrestrito apoio do amigo DiCaprio, que nos momentos mais dramáticos, lhe propicia a necessária sustentação para brilhar. Há no elenco três nomes ainda a mencionar: primeiro, a irrepreensível Kathy Bates que, como a corretora de imóveis Helen Grivings, não deixa transparecer, na atuação profissional, o sofrimento de sua vida familiar, qual seja o de ter o filho John, PhD em Matemática, isolado na clínica psiquiátrica sob tratamento de eletrochoque; segundo, David Harbour, que se destaca no papel de Shep Campbell, um indivíduo sensível, que capta o drama dos vizinhos Wheeler, absorve-o e, pensando não ser observado pela mulher, Milly, passa a sofrer intensamente por eles e, terceiro, Michael Shannon, numa brilhante atuação como John Grivings que, durante um passeio com o casal em crise, observa: – Não é difícil encontrar pessoas que reclamam do vazio da vida. O que é raro é ver alguém que clame por falta de esperança.

REYNALDO DOMINGOS FERREIRA

FICHA TÉCNICA

FOI APENAS UM SONHO

THE REVOLUTIONARY ROAD

EUA/ Reino Unido/ 2008 Duração – 106 minutos Direção – Sam Mendes
Roteiro – Justin Haythe, baseado no livro The Revolutionary Road, de Richard Yates.
Produção – John N. Hart, Scott Rudin, Sam Mendes e Bobby Cohen
Fotografia – Roger Deakins
Música – Thomas Newman
Edição – Tariq Anwar
Elenco – Leonardo DiCaprio (Frank Wheeler), Kate Winslet (April Wheeler), Kate Bates ( Helen Givings), Michael Shannon (John Givings), Kathryn Hahn (Milly Campbell), David Harbour ( Shep Campbell), Zoe Kazan (Maureen Grube).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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