domingo, novembro 24, 2024
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O Irã e o Movimento dos Não-Alinhados

Beto Almeida, de Teerã
A partir da próxima reunião de Cúpula do Movimento dos Países Não-Alinhados, a realizar-se em Teerã no final de agosto, espera-se uma substancial modificação na atuação deste grupamento que reúne 2/3 dos membros da ONU, certamente com a recuperação das razões principais que levaram ao seu nascimento: um fortalecimento da luta contra as formas de neocolonialismo, a luta pela paz, contra o intervencionismo, em defesa da soberania dos povos, da autodeterminação, da não intervenção e a construção de um sistema econômico mundial mais justo e cooperativo. Tal expectativa se deve em razão de que será o justamente o Irã o presidente dos Não-Alinhados.

Não é difícil entender que uma mudança substancial estará em curso. Para isto basta recordar que o atual presidente dos Não-Alinhados é exatamente o Egito, cujo governo, até Mubarak, mantinha alinhamento-submissão aos interesses dos EUA para região do Oriente Médio, particularmente na proteção dos interesses israelenses , com quem o governo Mubarak mantinha, aliás, um acordo especialíssimo de cooperação política e energética. Tudo isto, já está em questão a partir da revolta das massas egípcias e da eleição do presidente Musri – que já declarou pretender operar uma reorientação política em relação à causa Palestina e também no relacionamento com o Irã – e ganha outra dimensão a partir das novas funções que a nação persa passará a assumir na liderança do Movimento dos Não-Alinhados. com seus 130 países membros.

Mais envergadura

Foi possível constatar a importância do novo cenário que está sendo desenhado na região a partir do que foi discutido na I Conferência Científica Internacional do Movimento dos Não-Alinhados ocorrida em julho deste ano em Teerã, quando as principais lideranças iranianas presentes debateram com cientistas, intelectuais e jornalistas de várias partes do mundo que estiveram presentes a este conclave organizado pelo Ministério da Cultura do Iran.

O Irã prepara-se para uma atuação política internacional com ainda maior envergadura. Se já é um dos polos centrais para estimular a formação de um campo de cooperação econômica de oito países da região, incluindo a Turquia, o Afeganistão e o Paquistão entre outros – motivo de preocupação para os EUA -, se já também toma iniciativas de cooperação econômica com a América Latina, especialmente em projetos de industrialização na Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia e Cuba, a partir de sua liderança no Movimento dos Não-Alinhados estará em condições articular-se com uma gama enorme e variada de países que integram este movimento, o que frustra as mais reiteradas tentativas imperiais de isolar a nação persa.

O salto é brusco: sob a presidência do Egito, o neocolonialismo impositivo praticado pelas potências capitalistas que autodeclaram democráticas, atuava para neutralizar qualquer ação cooperativa, articulada, solidária do MNA. E justamente quando o campo imperialista eleva a escalada de sanções contra o Irã, visando isolá-lo para que se renda à regra do jogo dos gigantes, os herdeiros da milenar civilização de Persépolis e Pasárgada assumem a presidência do MNA. Ao mesmo tempo em que o patético Ban-Ki-Moon apela ao Irã para que assuma um papel relevante no grupo de negociadores para tentar uma solução para a dolorosa crise na Síria, causada fundamentalmente pela ingerência estrangeira, centralmente dos EUA, Inglaterra e da França, que sob Hollande, ainda não se desvencilhou de muitas políticas de Sarkozy, especialmente no que tange ao imperialismo francês para África e Oriente Médio. E em relação à Síria, tanto o Iran, como a Rússia e a China estão posições ativas contra uma intervenção externa, diferente do ocorrido em outras situações de crise.

Recados

Sob a presidência do Egito de Mubarak era impossível que o MNA tivesse alguma sintonia com os ideais do Marechal Tito, Sukarno , Nasser e Neruh, seus principais inspiradores. Trata-se, portanto, de uma derrota para o império que o Irã assuma tão relevante função e já anuncie, pelas palavras de seus mais representativos dirigentes presentes à Conferência, que caminhará no sentido de um maior protagonismo político internacional. Entre as metas já reveladas, confirmando este protagonismo, estão a busca de uma unidade entre os próprios integrantes do Movimento, o estímulo a uma cooperação econômica e a medidas que conduzam a novas relações internacionais sem submissão aos países imperiais mergulhados em crise. Estes recados foram claramente enviados por Ali Akbar Velayati, o mais importante Conselheiro do aiatolá Ali Kamenei, líder supremo da nação e, anotem, tido como um forte candidato presidencial nas próximas eleições. Akbar também não deixou escapar a oportunidade e manifestou apoio à candidatura do Brasil a uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.

Aliás, o apoio iraniano ao Brasil deveria estimular uma reflexão no governo Dilma, mas especialmente no PT, sobre o Brasil continuar sendo apenas um pálido observador do Movimento dos Não-Alinhados, quando a política externa traçada no governo Lula visa, também, uma maior cooperação sul-sul. O apoio iraniano veio no mesmo evento em que muitos iranianos me indagavam se tinha havido uma mudança na política do Brasil para o Irã, de Lula para Dilma, face o presidente Ahmadinejad não ter sido recebido em audiência pela mandatária brasileira quando em sua participação na Rio + 20 , no Rio de Janeiro. Lembrei que muitos outros presidentes também não puderam ser recebidos por Dilma, rigorosamente por questões de agenda, e lembrei que as relações comerciais entre Brasil e Irã seguem ampliando-se no atual governo. Mas, obviamente, o Brasil não deve dispensar uma maior prioridade nas suas relações com o governo Ahmadinejad , que destaca sempre ser um amigo de Lula.

Sanções

Tanto o chanceler iraniano, Ali Akbar Salehi, como o Ministro da Economia, referiram-se à conjuntura internacional, à crise dos países capitalistas, à necessidade de um novo sistema internacional e também às sanções de que o Irã é alvo, uma vez mais. O jornalismo econômico iraniano, até ironiza países como a França que participam das sanções, mencionando que Hollande quer anular as oito mil demissões na indústria automobilística francesa, sem se lembrar que é exatamente o Irã um dos maiores compradores de automóveis daquele país. Os líderes iranianos lembram que, na verdade, o País está sob sanções ilegais e prepotentes desde a Revolução Iraniana, de 11 de fevereiro de 1979, quando as reservas internacionais do país, de cerca de 100 bilhões de dólares, foram bloqueadas pelos bancos internacionais, sob o tacão de ferro do império anglo-saxão. Ou seja, não é de hoje.

Salto industrial e tecnológico

De lá para cá, o Irã transformou-se profundamente. Registra um enorme avanço em seu desenvolvimento industrial e tecnológico. Exatamente na semana em que ocorreu esta Conferência, o presidente Ahmadinejad inaugurou uma moderníssima indústria de locomotivas, toda ela com tecnologia própria. Enquanto o Irã avança no transporte ferroviário, com autonomia tecnológica, o Brasil ainda continua sob velha relação, vendendo minério-de-ferro e importando trilhos. Na mesma semana, os persas anunciaram o lançamento de um satélite totalmente fabricado com tecnologia iraniana, com uma novidade: o aparato, pesando 47 quilos, para estar situado a 400 km, pode mudar de orbita a partir de comando terrestre. Esses avanços tecnológicos, logo após a defesa iraniana ter assumido o comando de navegação do Drone dos EUA que estava ilegalmente bisbilhotando seu território, fazendo-o baixar no aeroporto escolhido, realmente, deixou os gringos fora de órbita, pois não imaginavam que seu sistema de navegação poderia ser penetrado e, muito menos comandado, pelos espionados.

Vale lembrar que estes saltos tecnológicos ocorrem num país que está sob cerco hostil há 33 anos, que foi submetido a uma guerra de 8 anos com o Iraque, estimulado pelos EUA e que, apesar de tudo, exibe grau de progresso econômico, tecnológico, educacional, social e cultural (o cine iraniano acaba de receber mais um prêmio internacional. O que deveria promover uma reflexão nas forças progressistas internacionais, que também são alvo de uma sofisticada desinformação imperial que demoniza o Irã.

Imperador negro

Aliás, grata surpresa é o jornalismo praticado por duas emissoras internacionais construídas pelo Irã para , legitimamente, defender suas razões históricas : a Hispantv, que transmite em espanhol e começou a operar em sinal aberto no Equador, desde a semana passada, e a Press-TV, emissora que transmite em inglês, que já teve seus escritórios em Londres fechados pelo governo inglês que se autoproclama campeão da liberdade de expressão. Nesta emissora, pude assistir ao vivo o comício de Hezbolah no Líbano, quando o seu líder disse que Israel participa das agressões à Síria e que ainda não se recuperou da derrota sofrida na guerra dos 33 dias, em 2006, quando a resistência armada obrigou as tropas israelenses a retirar-se de território libanês. Num outro documentário, sobre ação dos drones dos EUA na Ásia, uma estatística mostra quantos civis esta macabra engenhoca vem matando por ali, inclusive crianças, indicando que sob o imperador negro Barack “Obomba”, o número de ataques e de mortos multiplicaram-se por quatro, comparando com o troglodita Bush. É da natureza histórica do império matar, destruir, sabotar, qualquer que seja a cor da pele do ocupante da Casa Branca.

Audácia

A grande expectativa se volta agora para que iniciativas o Movimento dos Não-Alinhados, sob a presidência iraniana, poderá adotar. A julgar pelas iniciativas de cooperação econômica na esfera regional, estas não devem ser poucas, apesar da problemática heterogeneidade do MNA. Para que se tenha uma ideia da audácia persa, basta citar que os três países que são alvo direto de operações militares dos EUA na região, Iraque, Afeganistão e Paquistão, apesar da presença militar ianque, estão desenvolvendo fortes relações de comércio e de cooperação com o Irã. Especialmente o Iraque, o que simboliza uma gigantesca derrota estratégica dos EUA. E também explica a continuidade destas macabras explosões quase que diárias neste país, apesar do anúncio da retirada das tropas. Mesmo assim, o que vale ressaltar é a derrota imperial: por aqui, a Venezuela ingressa no Mercosul; lá, o Iraque torna-se importante parceiro comercial do Irã, com quem já havia guerreado antes.

Solidariedade

Como me deram palavra, além de expressar solidariedade aos anfitriões pelas sanções que sofre, sugestões foram apresentadas para que o Irã e o MNA desenvolvam mais e mais esforços de integração e de cooperação com a América Latina. Sugestões que foram reforçadas pelo representante de Cuba nesta Conferência, o experiente jornalista e escritor, Hedelberto Blanch, que lembrou que a região já não está mais sob o controle absoluto dos EUA, que há vários governos progressistas e populares, tendo citado os do Brasil, Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia, Uruguai, Argentina. Blanch também lembrou que Cuba, como Irã, está permanentemente sob sanções, desde o início da Revolução Cubana, o que não lhe impediu um progresso social imenso e a prática de solidariedade concreta, seja em saúde ou educação, com vários países do mundo, muitos deles integrantes do MNA, que Cuba já presidiu.

Integração

Lembrei ainda que a generosa solidariedade que Cuba presta ao povo do Haiti em saúde conta com a parceria do Brasil que lá instalou equipamentos, estruturas, enviou medicamentos e até médicos militares. Citei que há uma cooperação entre Brasil-Cuba e o Timor Leste para que os estudantes timorenses que se formam em medicina na Ilha, antes de voltarem a Dili, façam uma especialização em medicina tropical na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e que estas modalidades de cooperação poderiam ser ampliadas e enriquecidas com a participação do Irã, país detentor de grande progresso na indústria de medicamentos. Além disso, lembrei que enquanto o Presidente Ahmadinejad estava exatamente naquele dia inaugurando uma indústria de locomotivas, os países do Mercosul, agora fortalecidos com o ingresso da Venezuela e a suspensão do Paraguai, possuem uma infraestrutura de transporte, ferroviária ou hidroviária, bastante precária e insuficiente, devastada pela privatização neoliberal, a mesma ideologia que impõe sanções contra os persas. Citamos ainda a experiência da Unila – Universidade de Integração da América Latina e a Unilab – Universidade da Integração Luso-Africana e Brasileira, duas criações de Lula – o amigo de Ahmadinejad – que garantem ensino gratuito para estudantes latino-americanos e africanos carentes, junto com os brasileiros, numa formação que alavanca técnica e culturalmente a integração, a solidariedade. Estas duas experiências, além da Escola Latinoamericana de Medicina, de Cuba, poderiam servir de exemplos inspiradores e de polos de apoio para criação de iniciativas similares no âmbito do Movimento dos Não-Alinhados.

Nova ordem informativa

Finalmente, toda esta nova etapa de um Movimento dos Não Alinhados sob a presidência persa, marcada por uma esperança viva de que supere os alinhamentos submissos e paralisantes, a serem substituídos por iniciativas concretas de cooperação e solidariedade sem intimidar-se ante as inevitáveis sabotagens imperiais, requer um novo fluxo de informação, sem verticalidade colonial, sem manipulações dos oligopólios da guerra. Assim, junto com muitos delegados, lembramos todos que a Nova Ordem Informativa Internacional, bandeira que os Não-Alinhados defenderam corajosamente no passado, continua sendo uma necessidade inadiável, imprescindível, atualíssima. Para que os MNA sejam parte protagonista de uma mensagem clara à humanidade defesa de um sistema internacional cooperativo, capaz de democratizar a ciência e a tecnologia, e também de fazer a democratização informativo-cultural uma ferramenta civilizatória, humanizadora.

Beto Almeida, jornalista

* Participou da I Conferência Científica Internacional do Movimento dos Não Alinhados

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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