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Crítica do filme "Queime depois de ler"

(Publicado originalmente em Qui, 04 de Dezembro de 2008 20:08)

Confira a crítica da comédia de Ethan e Joel Coen “Queime depois de ler” (“Burn after reading”) que liderou as bilheterias norte-americanas no fim de semana de sua estréia.

Para insinuar que a agência de inteligência norte-americana, CIA, não seria mais aquela dos tempos da Guerra Fria, isto é, que teria perdido, nos dias atuais, sua utilidade, os Irmãos Joel e Ethan Coen realizam, em Queime Depois de Ler, uma instigante comédia, de humor negro, na qual exploram também, com fina ironia, as futilidades – inerentes, segundo eles, ao mundo das academias de ginástica – da vida moderna.

Com base num roteiro bem urdido e estruturado, em que o argumento conta menos do que a caracterização das personagens – niveladas quase todas pelo denominador comum da imbecilidade –, os detentores do Oscar de Melhor Direção do ano passado demonstram, mais uma vez, competência na maneira como abordam o tema, contando para isso também com excelente fotografia, boa trilha sonora e um elenco de grandes atores.

A história é a de um analista da CIA, Osbourne Cox (John Makovich), que é chamado à sede do órgão, em Arlington, para – malgrado o estardalhaço que faz – ser sumariamente demitido de suas funções por problemas de alcoolismo. Ao regressar a casa, em Georgetown, Cox, ainda remexendo gelos num copo de uísque para se acalmar, recebe da esposa Katie (Tilda Swinton) as mais ácidas repreensões por haver se esquecido de apanhar canapés de queijo e de outras iguarias a fim de recepcionar os amigos que estão para chegar.

Entre os visitantes se encontra o sorridente policial Harry Pfarrer (George Clooney), que, ao que parece, nunca tirou sua arma do coldre. É tipo boa pinta, canastrão, amante de Katie. Cioso de manter a boa forma física – sempre depois de uma transa amorosa costuma dar uma corridinha pelo parque -, ele rejeita de pronto alguns canapés, que lhe são oferecidos, dizendo-se alérgico a quase todos eles, buscados, na confeitaria, pela dona da casa para agradá-lo.

Terminada a recepção, o agente Cox toma coragem para revelar à sua mulher que fora, naquela tarde, demitido de suas funções na CIA. Estava desempregado. Surpresa e sempre de cara amarrada, Katie lhe indaga: – E agora, o que você vai fazer?… Ora, não há outra coisa para o ex-agente da CIA fazer, depois de demitido, senão escrever suas memórias, revelando segredos do governo, como insinua, nas entrelinhas, a picante narrativa dos Irmãos Coen, que, pontuada por um comentário musical dramático, suscita, apesar disso, muito riso.

Mas antes de Cox começar a escrever, ou melhor, a gravar, num CD, suas lembranças da profissão de agente de inteligência, ele vai à procura do pai, um funcionário aposentado do Departamento de Estado – onde atuou, ao que se presume, nos tempos de George Kennan, ideólogo da Guerra Fria, citado no diálogo do filme -, que vive a navegar, a navegar e a navegar. Silencioso, o velho ouve a arenga do filho, justificando o fato de haver sido demitido: – Pois é, meu pai, tudo está mudado no governo!… Nada é mais como antigamente.

O que Cox não sabe ainda, porém, é que Katie, sabedora de sua demissão da CIA, apressou-se a ingressar na justiça com pedido de divórcio a fim de assumir em definitivo sua relação com o policial Pfarrer, mesmo que ele lhe tenha dito que não pretende deixar a esposa, apesar de ela viver viajando a todo o tempo a negócios. Enquanto isso ocorre, em Georgetown, numa academia de ginástica do subúrbio de Washington, a Hardbodies Fitness, dois funcionários idiotas – Linda Litzke (Francis McDormand) e Chad Feldheimer (Brad Pitt) – se preparam para criar na trama a maior confusão.

Observadores da condição humana, os realizadores de Onde os Fracos Não Têm Vez procuram destacar, como fazem em quase todos seus filmes, a ânsia de suas personagens – quase sempre aparvalhadas – para demonstrar, o que é comum em quase toda sociedade, aquilo que, na realidade, não são. Tais são os casos principalmente de Linda e de Chad, um par muito especial, quase cúmplices um do outro em suas estultices. Ela está à procura de grana para fazer cirurgias plásticas que o seu plano de saúde não cobre, para continuar procurando homens pela Internet, segundo sugestões que lhe são feitas por Chad, apesar de despertar a atração do gerente da academia, Ted Treffon (Richard Jenkins) a quem, por estranho que possa parecer, não dá bola.

A dupla é brilhantemente interpretada por Francis McDormand e Brad Pitt. Este deixa cair de vez a máscara de símbolo sexual – que não garante carreira a nenhum ator de talento – em beneficio de uma personagem absolutamente ridícula. E como Pitt se sai bem nessa empreitada!… O que, da mesma forma, acontece com George Clooney, que sabe tirar proveito das diversas situações cômicas em que se envolve sua personagem tão atrapalhada que, ao apresentar a Linda, também sua amante casual, o seu pornográfico invento, cria o momento mais hilariante do filme. Por sua vez, John Malkovich e Tilda Swinton têm atuações esplêndidas em personagens que estão sempre às turras entre si ou com terceiros.

FICHA TÉCNICA

QUEIME DEPOIS DE LER
BURN AFTER READING
EUA/2008
Duração – 96 minutos
Direção – Joel e Ethan Coen
Roteiro – Joel e Ethan Coen
Produção – Eric Fellman, Tim Bevan, Ethan e Joel Coen
Fotografia – Emmanuel Lubezki
Trilha Sonora – Cart Burwell

Elenco – John Malkovich (Osbourne Cox), George Clooney ( Harry Pfarrer), Francis McDormand (Linda Litzke), Brad Pitt (Chad Feldheimer), Tilda Swinton (Katie Cox) e Richard Jenkins (Ted Treffon).

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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