quarta-feira, novembro 27, 2024
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A restauração do Estado na Argentina

Por Adriano Benayon *
01. A Argentina, sob Nestor Kirchner e, agora, Cristina Fernández, renacionaliza empresas de setores estratégicos: petróleo e gás, água e esgotos, transportes aéreos, correios.

02. Refunda-se o Estado, praticamente liquidado após várias rodadas de devastação ao longo de 50 anos. A mais brutal delas foi com Menem, 1989/1999.

03. Para mudar de curso, foi preciso o povo sair às ruas, em dezembro de 2001, exigindo a queda de De la Rua e do ministro Cavallo. Este comandava a economia desde Menem, e, em 1991, introduzira o Plano Austral, com conversibilidade e paridade (1 peso = 1 dólar), precursor do Plano Real (1994).
04. Com o Austral, a dívida pública causada pelo modelo dependente crescera ainda mais, com grande parte em moratória desde 2001. Ao assumir Kirchner, em 2003, ela equivalia a 140% do PIB e a 428% das exportações de bens e serviços (no Brasil 79% e 284%).
05. Diferentemente do Brasil, a Argentina negociou com soberania e obteve, em março de 2005, descontos médios de 70% do valor nominal dos títulos. A dívida externa total foi reduzida de US$ 192 bilhões para US$ 126 bilhões.

06. O Brasil, até hoje, não realizou sequer a auditoria da dívida, inflada por fraudes e pela capitalização de taxas de juros, tarifas e comissões descabidas, inclusive nas rolagens e “reestruturações.” Seu serviço prossegue fazendo gastar quase 50% do orçamento federal.
07. Na Argentina, a partir de 2003, deu-se notável reversão da queda livre do PIB, havida de 1998 a 2002, do índice 100 para 77. Em 2012, recuperou-se para 151, e, computando a base 2002 = 100, subiu a 206 (mais que dobrou). O do Brasil chegou a só 142.
08. A economia argentina ainda está grandemente desnacionalizada, mas menos que a do Brasil, e as transnacionais têm menos privilégios, subsídios e isenções que aqui. Além disso, as pequenas e médias empresas argentinas têm peso razoável.

09. Assim, os déficits nas transações correntes são inexpressivos. No Brasil, ao contrário, vêm-se avolumando. De 2008 a 2012, somaram US$ 204,1 bilhões, sendo US$ 54,2 bilhões em 2012.
10. Esses déficits fazem acelerar ainda mais a desnacionalização e o endividamento, com risco de as contas externas desencadearem grave crise. Assinala Carlos Lopes (HP 24.01.2013) que, de 2004 a 2011, foram desnacionalizadas 1.296 empresas brasileiras, e as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$ 405 bilhões. Ora, as remessas disfarçadas em outras contas são um múltiplo disso.
11. A restauração do Estado na Argentina faz-se acompanhar de excelentes resultados. Ademais, como escreveu o jornalista Beto Almeida, o presidente Kirchner, enfrentou o oligopólio da mídia, fortaleceu e expandiu a TV Pública Argentina, firmando as bases para aprovar-se a Lei de Meios de Comunicação no governo de Cristina Kirchner.

12. Criou, ademais, um canal cultural de alto nível, eliminou a reserva de mercado de emissoras privadas sobre o futebol, agora também transmitido por canais públicos. Determinou a divisão do espaço eletromagnético nos segmentos estatal, privado e público, no qual a CGT e a Universidade Nacional, por exemplo, podem ter seus canais. Foi, ainda, instituído operador nacional de TV a cabo e outro, estatal, para TV digital”.
13. Os carteis da mídia recorrem a quaisquer meios para combater governos que defendam o interesse nacional. Por isso, a grande mídia argentina é monolítica em sua hostilidade aos Kirchner.
14. No Brasil a ojeriza ao governo é matizada, porque: 1º embora não tão querido pelos carteis como a oposição, ele segue o esquema econômico das transnacionais; 2º porque financia “generosamente” os carteis com verbas públicas.

15. O governo argentino, alvo de serviços secretos estrangeiros para desestabilizá-lo, promovendo e financiando greves e incidentes, necessita, pois, elevar sempre o grau de fidelidade e a qualidade de seus quadros de inteligência e segurança.
16. No Brasil, há que reverter o processo intensificado sob FHC, de eliminar estatais e perverter o serviço público, pois: 1) criaram-se agências “independentes” – mas não dos carteis mundiais – “responsáveis” por serviços públicos privatizados; 2) transformaram a administração em mera repassadora de verbas e outorgadora de concessões; 3) os investimentos são tolhidos pela fiscalização legalista (sob leis inadequadas) e até ideológica dos Ministérios Públicos e Tribunais de Contas, IBAMA, FUNAI etc.

17. Em suma, um serviço público, que: 1) se preocupa antes em não se comprometer que em realizar e, cada vez menos, presta serviços sequer de educação e de saúde; 2) fica indiferente ao desperdício e à corrupção, se combatê-los prejudicar a carreira.
18. Enquanto isso, o governo: 1) subsidia banqueiros, concentradores e transnacionais; 2) dá-lhes tratamento fiscal favorecido; 3) financia-os através do BNDES e outros bancos públicos; 4) entra nas PPPs com o grosso do capital e garante o risco dos sócios privados; 5) não consegue aplicar no PAC o grosso das verbas alocadas e as investe mal, através das empreiteiras e outros concessionários. O pouco investido na infra-estrutura é mal escolhido e custa caro.
19. Se a sociedade não tem o Estado a seu serviço, é fatal que ela sucumba. Por isso, os que querem a ruína de um País, desorganizam, desmoralizam e liquidam o Estado. Collor e FHC radicalizaram essa tendência, e os sucessores não sabem ou não querem revertê-la.

Ideologia e Estado
20. Uma das características dos sistemas de dominação é fazer das ideias que favorecem seus interesses a opinião prevalecente. Nesse contexto, é importante a conexão entre a destruição dos valores éticos da civilização e o marketing do encolhimento do Estado e de sua colocação a serviço de interesses privados concentradores.
21. Os propugnadores do Estado-mínimo argumentam deste modo: como as pessoas se orientam pelo hedonismo e são desonestas, quem estiver em posição de se locupletar na função pública, o fará, e, portanto, o Estado deve ser descartado. Por isso, o império trabalha para que assim seja.
22. Não por acaso, fomenta-se a falta de caráter, elimina-se a decência, a dignidade e o respeito aos seres humanos, através de: relativização dos valores; implantação da antimúsica com ruídos desestabilizadores do equilíbrio orgânico e psíquico; difusão das drogas.
23. Isso e o consumismo são reforçados pelas técnicas de publicidade, inclusive o merchandising na indústria do entretenimento (rádio, cinema, TV, videogames, I-Pads etc).

24. O objetivo é que ninguém lute, no Estado ou fora dele, pelo bem comum. Vantagens atraem gente para servir os concentradores, e os meios de apassivar as pessoas são os acima resumidos, planejados em institutos de psicologia aplicada.
25. Criam-se, aos milhões, alienados de todo tipo, incapazes de absorver informação, e a grande mídia encarrega-se de ocultar dos demais tudo que contenha verdade sobre questões econômicas e políticas.
26. Os pensadores orgânicos difundem teorias como a do Estado mínimo, contaminadas por contradições insanáveis, raro desmascaradas, por falta de espaço na mídia e nas universidades.
27. Segundo Adam Smith, a busca da utilidade egoísta pelos indivíduos ou empresas só funciona em favor do bem-comum, se não tiverem poder sobre o mercado. Claro, pois, na lógica do sistema, que os dirigentes dos poderosos carteis usam a “liberdade” para aumentar a concentração e a tirania.
28. A experiência dos países que prosperaram, comprova que o desenvolvimento se deveu a estadistas e a funcionários capazes e honestos. Inviabilizar esse tipo de gente entre nós é condenar o País à exploração irreversível por parte dos impérios.
29. Formaram-se aqui bons quadros e carreiras no serviço público, restando ainda técnicos e funcionários competentes, hoje, na maioria, desaproveitados, por causa da corrosão do Estado.

* – Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento. (Artigo assinado em – 14.02.2013)

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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