Por FC Leite Filho
Autor de Quem Tem Medo de Hugo Chávez?
A Ucrânia é um país longínquo e aparentemente nada tem a ver com o Brasil ou o nosso redor. O que temos a ver com aquela antiga república soviética? Na verdade, muita coisa, porque lá se estava travando, até anteontem, pelo menos, uma disputa doméstica e internacional que poderia converter este segundo maior país europeu, ex-reino dos eslavos, numa nova Síria, com todos os horrores e sobressaltos da guerra civil. A voracidade expansionista da Europa, ao lado de sua matriz norte-americana, sequiosa de gás, petróleo e território, não tem limites: desestabilizou, esquartejou e ocupou a Líbia de Gadhafi, rica do ouro negro, depois de ocupar o Iraque, segundo maior produtor.
Neste propósito, não titubeou em dizimar toda uma política de educação e proteção social de seus povos. Em seguida, foi para cima da Síria, provocando a morte 120 mil pessoas e a destruição de boa parte da infra-estrutura do país, mas lá encontrou a resistência encarniçada e destemida de Bashar al-Assad, agora em vias de repelir a cruel investida. Mais recentemente, virou-se para a Ucrânia, rica em ferro, energia, agricultura e tecnologia e tentou derrubar o governo democrático com as suas não mais disfarçadas revoluções coloridas ou golpes brandos.
Há quase um mês, grupos financiados com vultosos fundos pelas agências e empresas europeias e estadunidenses, promovem manifestações e arruaças, com o fim de provocar a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch. O objetivo é colocar em seu lugar um governo dócil para submeter o país ao domínio da União Europeia e aplicar as receitas recessivas do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu. Tais receitas, é bom recordar, já causaram a desgraça dos espanhóis, italianos, gregos, portugueses e irlandeses, cujos índices de desemprego beiram os 30% contra menos de oito por cento da América Latina.
Os problemas ucranianos, de resto, são similares aos nossos do Brasil, da Argentina e da Venezuela, por exemplo, por termos riquezas naturais, como energia farta e potencial alimentar e depósitos de água capazes de prover água doce por alguns séculos ou milênios. Ou será que estávamos sendo espionados pelas agências norte-americanas por causa de nossos belos olhos?
Pois bem. O fato é que a Ucrânia vem sendo sacudida há um mês por distúrbios de rua provocados por violentas turbas financiadas com alentados fundos empresariais, que levavam milhares de pessoas a assediar os prédios do governo e do parlamento, como forma de pressionar as autoridades a submeter-se à União Europeia.
Pela força da propaganda, midiática, inclusive, esses grupos empolgaram alguns ucranianos que, na boa fé, chegaram a encher a Praça da Independência, com a promessa de mais liberdade, como se a democracia estivesse a perigo por lá. Na verdade, a Europa tramava para aplicar-lhes uma draconiana política fiscal, que ia fechar mais da metade de sua operosa indústria, baixar os salários, revogar os benefícios sociais e instalar o desemprego, tal como fizera com sua periferia espanhola, grega etc.
Na verdade, a Ucrânia está à beira da bancarrota, justamente porque sucumbiu ao canto de sereia europeu, com a chamada revolução laranja, em 2004, quando se elegeu presidente o pró-europeu Viktor Yushchenko. A política neoliberal imposta ao infeliz Yushchenko, personagem até há pouco mimado em uníssono pela mídia ocidental, empurrou o país para a recessão. Por causa disso, a revolução laranja virou suco e seu líder só conseguiu 5% quando pleiteou a reeleição, em 2010, e não conseguiu ser deputado porque sua coalizão Nossa Ucrânia, que só alcançou 1,5% dos votos.
Yushchenko perdeu para o outro Viktor, o Yanukovytch, a quem o líder laranjeiro havia acusado de fraudar aquela eleição de 2004. Viktor Yanukovych, eleito em 2010, vem tentando recuperar o país com a ajuda da Rússia, mas também rejeitando submeter-se ao antigo império soviético. Chegou a namorar com a ideia europeia, mas decepcionou-se quando a UE só se dispôs a oferecer-lhe 600 milhões de dólares para vencer a crise econômica.
Um acordo para associar o país à UE já estava pronto para ser assinado, numa reunião em Vilnius, capital da Lituânia, no mês passado, mas Yanukovycht recuou na última hora, diante das cláusula de submissão a que viiu exposto seu país. Tal decisão provocou a onda de protestos nas ruas de Kiev , a capital, levando o país à beira da guerra civil.
Ele preferiu aumentar seu cacife junto aos russos, seus aliados tradicionais e estratégicos. No encontro de anteontem com o presidente Vladimir Putin, a Rússia ofereceu-lhe 15 bilhões de dólares em ajuda financeira, mais de 20 vezes maior que a proposta europeia, além de uma diminuição de 30% do preço do gás que a Ucrânia importa de Moscou. No acordo com a UE, estava previsto a revogação do subsídio ao gás, essencial para aquele país de temperatura congelada, o que geraria graves transtornos para a população e o risco de um caracaço ou ucranaço.
O simples anúncio do acordo com Putin, que ganha mais essa batalha diplomática, depois de evitar a ocupação americana na Síria e possibilitar o acordo para diminuir a tensão no Irã, foi suficiente para esvaziar as ruas de Kiev. Estas chegaram a registrar mais de 200 mil manifestantes, convocados quase diariamente e com generosos espaços nas redes de TV do mundo inteiro, para ver shows de grandes artistas e num dos quais se destacou um senador de direita dos Estados Unidos, John Mac Cain, e aderir aos distúrbios que incluíram tentativa de invasão do parlamento e ocupação da prefeitura da capital. O cenário sírio parecia desvancer-se à medida que os manifestantes, depois do encontro Putin-Yanukovych, e que o presidente ucraciano convidava os infiltrados a retirar-se de seu país.