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Bosque dos Constituintes: espaço sagrado do Ulyssismo

(Publicado originalmente em Seg, 03 de Novembro de 2008 21:00)

“…Política não se faz com ódio…”,

Navegar é preciso, Viver não é preciso. Ulysses Guimaraes gostava de citar Fernando Pessoa, para mostrar que o importante era prosseguir. Para Ulysses, de uma energia desmedida, a luta era a seiva da vida. Eleito deputado por 11 mandatos consecutivos, de repente, em plena atividade, Ulysses sumiu no mar. Em poucos meses, as manchetes dos jornais com o nome de Ulysses Guimaraes haviam também desaparecido. A imagem da sua presença na vida política brasileira, contudo nunca se apagou. O trágico acontecimento aproxima-o do mito de Dom. Sebastiao, rei de Portugal, que desapareceu em combate em Alcácer-Quibir, em 1578, gerando uma mobilizaçao messiânica, consagrada no imaginàrio de seus súditos como “sebastianismo”, em que seu hipotético retorno é reverenciado, cinco séculos depois, como se ele estivesse voltando hoje do campo de batalha.

Na realidade, não temos um ulyssismo explícito, como o sebastianismo, e não existe mais esperança de que o corpo de Ulysses Guimaraes possa ser encontrado. Sabe-se apenas que ele está lá, no fundo do oceano. Mas, também aqui, na terra, representado nos resultados da sua luta em favor das liberdades democráticas, da justiça social e dos direitos de cidadania. Esses princípios, inseridos por Ulysses na Constituiçao de 1988, superaram o espaço da memória, incorporando-se em definitivo na vida cotidiana do povo brasileiro. Poder-se-ia dizer que Ulysses morreu no mar, mas continua a navegar. Seus sonhos concretizaram-se na Constituiçao de 1988, expressando a conquista irreversível da cidadania do povo brasileiro. Falava-se em direitos humanos, sustentabilidade, justiça social, mas não se sabia direito o que era aquilo. Ulysses se antecipou, e colocou tudo lá na Constituiçao… e “se mais terra houvera lá chegara”.

Em homenagem aos constituintes de 1988 que, sob a liderança de Ulysses, elaboraram essa verdadeira “carta de alforria” do povo brasileiro, criou-se o Bosque dos Constituintes, através do qual se procura preservar a memória daquela geração constitucionalista. A Ulysses Guimaraes coube o plantio de um pau ferro (Caesalpinia ferrea), que ele o fez com as próprias mãos. Está na entrada do Bosque: frondoso, florido e imponente. Na descriçao da ciência, a Caesalpinia ferrea é uma árvore de grande porte – chega a 28 metros -, nativa da Mata Atlantica. Seu nome popular teria vindo das faíscas e dos ruídos produzidos pelos machados que se atrevem a cortá-lo. A madeira é das mais duras. O tronco marmorizado, apresenta uma coloraçao clara, destacada das folhas. Na floraçao, entre agosto e outubro, produz também uma vagem dura e resistente. Sua madeira è usada principalmente na fabricação de violões e violinos.

O Bosque dos Constituintes tende a tornar-se um lugar sagrado, um panteão, sem religiosidades messiânicas evidentemente, na medida em que for se concretizando sonhos de outros constituintes de 1988, como Fernando Gasparian, que manifestou o desejo de ter suas cinzas espalhadas pela área. Alguns consideraram o plantio realizado ali como a representação final da sua vida política. Outros, caso de Cristina Tavares, morreram certos de que Bosque refletia o fim das velhas oligarquias. Era um espécie de bastão passado às futuras gerações. Portanto, o Ulysses do mar, o mar levou. Mas, o Ulysses Guimaraes épico, guerreiro, o último romântico visionàrio da política brasileira, seguidor fiel de Santo Agostinho – “ódio ao pecado , amor ao pecador “ , este ficou. É uma espécie de ulyssismo: sonhos que atravessam o coração dos cidadãos livres deste Paìs. Aquele pau ferro, com seus galhos voltados para cima, lembram Ulysses, pés na terra, braços abertos, apontando para o céu, e proclamando:
“A Constituição passará, mas a memória

dos constituintes de 1988 permanecerá viva

neste Bosque por 300,400, 600 anos”,

(*)Jornalista, professor da Universidade Católica de Brasília

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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