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A Argentina espera a volta de Cristina para até sábado

(De Buenos Aires, em 03.11.03. Por FC Leite Filho) – A capital está cheia de brasileiros. Nos hotéis, eles somam de 80% a 90% deste boon turístico que vive o país. O real à razão de 3,50 pesos, no câmbio oficial, provoca uma invasão frenética, que chega a assustar o portenho, já atormentado pela onda de  furtos e a violência do narcotráfico. Os turistas brasileiros, por estarem pouco familiarizados com o castelhano, são as maiores vítimas. Mas isto não inibe a alegria da cidade, também celebrando a primavera, que chegou ontem, com 40 dias de atraso. Já quase não chove, os dias são ensolarados e o clima aprazível de 12 a 24 graus, faz bem  para o espírito.

É nesta atmosfera amena que a presidenta Cristina Kirchner, reclusa desde cinco de outubro por causa da operação intracraniana, fará sua rentrée, provavelmente neste fim de semana, quando se submeterá aos últimos exames, antes de receber alta . Apesar da derrota eleitoral, ela ainda mantém índice de aprovação acima de 50% e seu cacife político subiu alguns pontos com a sentença da Suprema Corte, declarando constitucional a integralidade da lei da mídia, sua grande cartada para desconcentrar os superpoderes dos meios de comunicação privados.

Politicamente, o ambiente também se encontra menos tenso que nos dias anteriores às eleições intermediárias (metade da Câmara e um terço do Senado) de domingo 27 de de outubro. O governo sofreu sério revés, mas manteve o controle das duas casas, circunstãncia que lhe garante a continuidade das transformações econômicas e sociais, que mudaram a face do país nestes últimos dez anos sob a direção do casal Kirchner.  O único problema para os governistas será a impossibiidade de a presidenta releger-se para um terceiro período, pois não alcançaram a maioria de 3/5 no Congresso, quorum necessário para emendar a constituição. O governo tampouco conta, presentemente, com um candidato de renome capaz de capitalizar os votos da presidenta.

Nem a agressiva campanha de desinformação do Grupo Clarín e de outros jornais influentes, como o La Nación, os mais afetados pel a lei de mídia, finalmente referendada pela  Suprema Corte, dois dias depois da eleição, conseguiu abalar o cenário político. Seu catastrofismo e previsões apocalípticas para a economia e a saúde da presidenta caíram no vazio. Ninguém levou a sério quando suas notícias, marteladas dia e noite pelas suas emissoras de rádio, TV e sites da internet, anunciaram pacotes econômicos de arrocho, reforma cambial, reajuste de tarifas ou que a presidenta não retornaria tão cedo, por  seu estado de saúde inspirar cuidados. As alegações de vácuo de poder foram igualmente ignoradas, porque a presidência está sendo ocupada interinamente pelo vice-presidente Amado Boudou, que tem atuado de acordo com as diretrizes de Cristina e de sua equipe na Casa Rosada.

No desespero, o Clarín chegou a anunciar, em sua edição de ontem que Cristina havia sofrido um AVC e estaria com um lado do rosto paralisado. Fonte da informação: o venezuelano Nelson Bocaranda, colunista ligado aos serviços de informação e segurança dos Estados Unidos, o mesmo que “matara” Hugo Chávez muitos meses antes do desenlace do presidente venezuelano, em cinco de março deste ano. Sem o menor pudor, o Clarín fanfarroneava: “Em sua coluna RunRun, no site do jornal El Universal, Bocaranda sustenta que Cristina sofreu um leve AVC (Acidente Vascular Cerebral) e que não saiu para registrar os resultados eleitorais de domigo passado, porque “ainda tem paralisia em um lado do rosto”.

Para contrabalançar a desinformação, o Clarín admitiu no rodapé da mesma nota: “Ontem, o portavoz presidencial Alfredo Scoccimarro afirmou que Cristina “apresetna uma evolução favorável”, depois de ter sido operada m oito de outubro,na Fundação Favaloro, por um hematoma subdural cerebral. E explicou que na próxima semana se farão “novos exames” para analisar uma eventual concessão de alta”.

Entende-se o desassossego do grupo midiático, porque o governo, ao que se comenta, instruído diretamente pela própria Cristina, resolveu partir para a imediata execução da lei, sobretudo nos artigos que obrigam o Clarín e outros conglomerados a desfazer-se de seus canais de TV , que excedam os novos limites estabelecidos: um máximo de 25, de forma que não abranjam mais de 35% da população e a opção entre as modalidades de transmissão aberta ou por cabo, já que não poderão dispor das duas cumulativamente. Atualmente, o Clarín tem 237 icençcas de TV a cabo.

Por seu turno, o presidente da Afsca (Autoridade Federal dos Serviços de Comunicação Audiovisuais), Martín Sabatela, que já foi pessoalmente à sede do Clarín para a notificação oficial, afirmou em entrevista ao jornal Página 2: “Não vamos esperar nem mais um minuto, porque já se perderam quatro anos (desde a sanção da lei em 10 de outubro de 2009). E é uma dívida da democracia de 30 anos. Segundo Leopoldo Moreau, chefe de gabinete do ex-presidente Raul Aflfonsin (1983-1989), a lei da mídia foi apresentada há 25 anos e, por pressão das corporações, não foi viabilizada. O problema da concentação midiática e a lesão que faz a concentração à liberdade de expressão e â democracia, não é um invento nosso, é um dado histórico”.

Cristina Kirchner já deu sinais de que irá até as últimas consequências para fazer cumprir a lei, ainda que esteja ciente do poder de manobra do Clarín para emperrar os procedimentos legais. Mas agora, seu governo conta com a chancela da justiça, através de sua instância máxima, e se mostra pouco disposto a transigir, sobretudo agora que a jefa volta ao proscênio cheia de gás para retomar a rotina do poder.

 

leitefo
leitefo
Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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