Reabertura do Congresso, a volta em breve ao cenário da ex-presidenta Cristina Kirchner e a disparada do custo de vida, que, em janeiro, foi de 4,1%, algo como 30% ao ano ou três vezes maior que a brasileira, prenunciam um momento decisivo para Argentina.
Até aqui governado baixo uma mal disfarçada ditadura midiático-judicial, com os jornais exercendo indisfarçável autocensura sobre as consequências de dezenas de decretos autoritários contra as conquistas trabalhistas e a soberania nacional, o país-irmão tende a enfrentar nas ruas o esbulho de seus direitos consumado desde a posse do presidente neoliberal Maurício Macri, em 10 de dezembro.
“(Para) este regime instaurado por Macri, cujos dois primeiros meses de governo estiveram marcados por demissões, repressão e censura, Cristina é uma grande dor de cabeça para a direita”, afirma Martin Sabatella, um dos dirigentes políticos mais ligados a Cristina, em entrevista a Decio Pignotti, da Página 12 e Carta Maior e Brasil247.
Por sua vez, o jornalista Fernando Brito, do site Tijolaço, comentou: “O pessoal que sonha com Aécio Neves como “o Macri daqui” devia por as barbas de molho. O índice inflacionário mais aceito na Argentina o de Precios al Consumidor de la Ciudad de Buenos Aires (IPCBA) ficou, em janeiro, segundo mês do governo Macri, em 4,1% ao mês.Isso mesmo, ao mês, em janeiro, depois de fechar dezembro em 3,9%”.
“E isso ainda não é nada”, continua Brito, “porque não capta o brutal reajuste das contas de energia, de até 700%, que se expressará nos índices de fevereiro e de março, porque, além de aumentar, a cobrança, que era bimestral, passou a ser mensal”.
Por sua vez, Martín Sabbatella falou do agitado cenário político argentino, iniciado em dezembro com um ato de cerca de 600 mil e militantes, reunidos na Praça de Maio (veja vídeo abaixo) para se despedir da ex-mandatária, e continuado em janeiro com outro encontro, convocado para defender a democracia midiática e denunciar a caça às bruxas contra os jornalistas que se opõem ao macrismo.
Sabbatella se tornou um dos dirigentes próximos a Cristina desde que ela o escolheu como o funcionário encarregado de liderar a batalha cotidiana contra o oligopólio midiático do Grupo Clarín, que resistiu para não aplicar a lei de democratização da comunicação.
Essa lei, também conhecida como Ley de Medios, um dos símbolos dos doze anos de kirchnerismo (governos de Néstor e Cristina), foi anulada por Macri poucos dias depois de chegar à Casa Rosada, medida tomada junto com a demissão de Sabbatella como responsável pela AFCSA (Autoridade Federal de Comunicação e Serviços Audiovisuais), entidade criada para fazer funcionar as determinações da nova legislação, o que incluía garantir que o Grupo Clarín cumprisse com a desmonopolização e se desfizesse de parte das empresas que formam sua rede tentacular de televisão aberta e a cabo.
Na verdade, este cenário turbulento já havia sido previsto em seu discurso de despedida da Casa Rosada, quando, se referindo, sem citar o nome de seu sucessor, advertiu:
“Necessitamos que os poderes do Estado se democratizem e não sejam arietes contra a democracia, contra os governos populares e muito menos contra o povo. Independente das diferenças políticas, o mais importante é mostrar respeito à vontade popular.”
Reportagem sobre a despedida de Cristina