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A CONTRA REVOLUÇÃO SILENCIOSA – (A Direita Neoliberal e a Democracia)

Por Geniberto Paiva Campos – Brasília, 15 de julho/2016 (*)

“Como a Mídia e a Desinformação se inserem no contexto da Democracia”. (N. Chomsky)
“O Fascismo é a doença infantil do Neoliberalismo” (Adaptação de W.I. Lenin)

• ANATOMIA DE UMA CONSPIRAÇÃO
Sem que houvesse necessidade do desfile de tanques e canhões. Sem que fosse necessário disparar um tiro sequer. Sem que nenhum caudilho – civil ou militar – fizesse o habitual pronunciamento à nação. Até mesmo antes da chegada do infalível mês de agosto.
Tudo se passou de maneira suave nos modos. Como se o Brasil fosse uma Republiqueta de Bananas. Dando início a um dos mais violentos retrocessos na vida política do país. Dando por encerrado – não se sabe até quando – o período de Democracia plena vivido pelo país desde 1985: com uma nova Constituição; direitos sociais e trabalhistas assegurados; soberania nacional; inserção de cidadãos excluídos. E uma nova economia, com controle inflacionário, moeda forte e juros baixos, e autonomia em relação ao Fundo Monetário Internacional/FMI. E até a ousadia da criação do banco de desenvolvimento dos BRICS, sem a influência retrógrada, portanto, da hegemonia neoliberal. Enfim, o duro e difícil processo de construção da nação brasileira. Livre e soberana.
Este o novo padrão dos golpes na América Latina no século XXI: Honduras/Paraguai/Brasil. E os outros que certamente virão. Afinal, a chefe da embaixada norte americana já deixou o Brasil. Missão cumprida. Sumiu no Mundo. (E, provavelmente, não teria viajado para a Turquia…)
Os meses de abril/maio de 2016 ficarão registrados na História como o vexaminoso momento em que políticos trapalhões reinaram entre nós, tolos e soberanos, toscos e absolutos, nos últimos dois anos. Consumando o Golpe de Estado mais grotesco e surpreendente que, jamais, se poderia imaginar.
Contando com decisivo apoio externo, onde se localizam “o cérebro e o cofre” do movimento, a articulação golpista teve início em meados de 2013, com o povo (leia-se a classe média) nas ruas, bradando, vociferando as mais abstrusas palavras de ordem. Protestando por tudo e por nada: contra o aumento de 20 (vinte!) centavos nas passagens dos coletivos urbanos; pela aprovação de “PEC 37”; contra a realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil; destruindo selvagemente agências de automóveis (?). Tudo isso sendo devidamente explicado em artigos de jornais, rádios e TVs – até livros – por “consultores” e “formadores de opinião”, encarregados esclarecer à opinião pública e aos manifestantes as razões pelas quais eles deveriam marchar e bradar e vociferar, aos quatro ventos, a sua intolerância e o seu preconceito. A “voz rouca das ruas” foi inserida, não tão sutilmente, no cenário político. Uma das primeiras e notáveis consequências: caiu, como num passe de mágica, a aprovação do governo e a popularidade presidencial. Estavam assim, aplainados os caminhos para a etapa seguinte.
• A ESTRATÉGIA DA RETOMADA DO PODER PELA MANIPULAÇÃO DO VOTO – a Operacionalização do Golpe

O passo seguinte foi a preparação para a eleição geral de 2014. Ação decisiva para a tomada do poder pela Nova Direita. Quando seriam utilizados inesgotáveis recursos financeiros e midiáticos para eleger um Congresso dócil aos projetos conservadores e retrógrados do Neoliberalismo. Simultaneamente com a retomada da Presidência da República pelo voto. O financiamento privado das campanhas eleitorais, então vigente, permitiria a adoção dessa estratégia. Assumindo sempre, com todos os cuidados – em seu planejamento e execução – uma aparência de legalidade.
A ação manipuladora, visando a retomada do Poder pela Nova Direita, representante dos nefastos interesses neoliberais, alcançou pleno êxito em relação ao Congresso Nacional: foi eleita uma surpreendente bancada de deputados e senadores (a maioria de desconhecidos), a qual passou a constituir um grupo suprapartidário homogêneo. Formando, na prática, um contingente de centenas de congressistas dispostos a votar em bloco. Cegamente obediente aos seus comandos, tendo como objetivo a recriação da pauta conservadora e a eliminação (é esta a palavra) política dos partidos progressistas. Principalmente o PT, que há longos 12 anos vinha executando um inaceitável – para os neoliberais – projeto democrático e popular. Com amplo e confiante apoio da maioria do eleitorado brasileiro.
Houve, no entanto, um sério imprevisto na consecução desses objetivos estratégicos: a derrota – a quarta seguida – do candidato neoliberal nas eleições presidenciais. Os eleitores brasileiros, em sua maioria, decidiram pela continuidade do projeto progressista, reelegendo a presidente Dilma para um novo mandato. Uma heresia política, inaceitável para o bem elaborado plano de retomada do Poder Executivo pelos neoliberais. O que fazer, então?
A partir de outubro de 2014 o Brasil entrou em rota de turbulência contínua nos campos político e administrativo. Frente à complexa crise externa do sistema capitalista, foi criada, adicionalmente, grave crise interna, produzida pela irresponsabilidade política dos partidos de Oposição. Com sérios e preocupantes reflexos na economia.
A coalizão conservadora, derrotada nas urnas da eleição presidencial, resolveu apostar na criação de um impasse institucional, sem medir as consequências, para impedir a governabilidade. Articulando o chamado (para os padrões latino americanos) “golpe suave”, executado no âmbito do Congresso, onde passou a dispor de tranquila maioria. E assim foi decidido. E executado. As previsíveis – e tenebrosas – consequências para o Brasil, não foram, em absoluto, levadas na devida conta pelos neoliberais.
Empossado o novo Congresso, foram realizadas as eleições para o comando das duas casas – Câmara e Senado. A surpresa (para os desavisados) foi a eleição do (ainda) pouco conhecido deputado Eduardo Cunha, PMDB/RJ, para a presidência da Câmara. Enquanto o senador Renan Calheiros, PMDB/AL, foi reconduzido para presidir o Senado.
Teve início, então, a operação de desmonte do governo central do Brasil. Um trabalho elaborado e planejado alhures por profissionais. Embora executado por amadores.
O presidente da Câmara dos Deputados, um dos mais importantes operadores do Golpe, sem nenhum pudor ou disfarce político, passou a realizar o trabalho para o qual fora eleito: criar as condições propícias, no âmbito legislativo, para o impedimento, a qualquer custo, da presidente da república. Atendendo à decisão dos altos escalões: a presidente reeleita não poderia continuar. A Câmara dos Deputados não deixou funcionar o Executivo. Bloqueando a pauta. Ou criando as chamadas “pautas bomba”.
Feita a encomenda aos juristas neoliberais de plantão do encaminhamento dos pedidos de impeachment presidencial, foi selecionado um deles para ter seguimento nas instâncias congressuais. Pouco importando a coerência dos seus fundamentos. A presidência da Câmara, ainda se permitiu o luxo de ignorar o pedido adicional da OAB/Ordem dos Advogados do Brasil. O arrazoado escolhido foi o da jurista que entrava em transe patriótico ao empunhar um exemplar da Constituição do Brasil. Era mais que suficiente.
A sequência do processo de impeachment na Câmara e no Senado não trouxe maiores surpresas. Apenas a tarde/noite do domingo, 17 de abril, escolhido para a votação no plenário da Câmara, causou certo espanto por conta do excesso de entusiasmo cívico de alguns deputados favoráveis ao afastamento da presidente. Foi um incontido exagero patriótico. Compreensível, nas circunstâncias. E para que a população, de hábitos políticos mais comedidos, fosse se acostumando com a mediocridade dos novos atores que assumiram o proscênio.
Finalmente, o plenário do Senado aprovou, com folga, o afastamento temporário de Presidente da República, votando pela admissibilidade do processo de impeachment.

• PARA ONDE A IDEOLOGIA NEOLIBERAL PODERÁ CONDUZIR O BRASIL?

Consumadas as etapas iniciais do Golpe, com a chegada dos neoliberais ao poder, é perfeitamente cabível o verso camoniano: “Cesse tudo que a musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta”.
Causou justificado espanto o estilo do vice Michel Temer ao assumir o cargo de presidente em exercício, com o impedimento temporário da presidente Dilma.
_”- Vou agir como se fosse presidente efetivo, não o interino”, deixou claro o vice.
E sem mais explicações, sem perda de tempo, deu início ao desmonte do núcleo central das políticas desenvolvidas pelos governos anteriores. Sendo que Michel Temer fez parte dos dois mandatos da presidente Dilma: ele foi o vice, representando o PMDB na coalizão governamental.
Sabendo que o vice Michel Temer não possui dons proféticos, é justo indagar: – o que o leva a agir como presidente efetivo? Provavelmente a certeza que deverá dispor de mais do que os 4 meses de interinidade previstos nas normas constitucionais. E o que o levaria a essa certeza? A crença, inabalável, na irreversibilidade do afastamento da presidente.
Nenhum político com a experiência do vice Michel Temer agiria, chegando ao poder, como um colegial empolgado ou uma criança deslumbrada numa loja de brinquedos. Existe aí algo recôndito que lhe traz a certeza de que veio para ficar. Pelo menos até 2018. Tempo suficiente para consolidar o seu projeto neoliberal e retrógado, que ironicamente denominou “Ponte para o Futuro”. Completando a obra de desmonte das conquistas – que se imaginava definitivas – nos campos social, trabalhista, educacional e de consolidação dos direitos de minorias e da diversidade. Enfim, da consolidação do Processo Civilizatório e da Democracia.
O que faz a força, irresistível, da ideologia neoliberal? Tudo se explicaria tão somente pela sua capacidade, quase mágica, de agregar partidos políticos, a grande imprensa, parcelas mais ativas do judiciário, formadores de opinião e outros segmentos sociais e culturais em torno dos seus objetivos?
Na tentativa de explicar esse mistério, dois pensadores franceses (sempre eles!), professores da Universidade de Paris/Nanterre, após a última crise cíclica do Capitalismo, em 2008, publicaram um pequeno livro, capaz de fazer avançar um pouco o entendimento das pessoas comuns sobre a ideologia neoliberal. Pierre Dardot e Christian Laval deram à sua obra o título de “A Nova Razão do Mundo” – Ensaio Sobre a Sociedade Neoliberal – Tradução de Mariana Echalar -Ed. Boitempo – Coleção Estado de Sítio – SP /2016.
Os autores classificam o Neoliberalismo como um sistema pós-democrático. Para deixar bem claro o que pretendem significar com essa designação, vale a transcrição (verbis) de trechos do prefácio, elaborado pelos próprios autores:

“ O neoliberalismo tem uma história e uma coerência. Combatê-lo exige não se deixar iludir, fazer uma análise lúcida dele. O conhecimento e a crítica do neoliberalismo são indispensáveis. A esquerda radical e alternativa não pode contentar-se com denúncias e slogans, muitas vezes confusos, parciais ou atemporais. Assim, é errado dizer que estamos lidando com o “capitalismo”, sempre igual a ele mesmo, e com suas contradições, que certamente levariam à ruína final. (…). O neoliberalismo transformou profundamente o capitalismo, transformando profundamente as sociedades.
Nesse sentido, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia, um tipo de política econômica. É um sistema normativo que ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida”.

É este, portanto, o poderoso adversário das forças democráticas e progressistas do Planeta. Subestimá-lo seria temerário (sem trocadilho).
Eis o jogo, complexo e desafiador. Eis o adversário, no plano político-ideológico, que vivencia valores estranhos, completamente alheios ao mundo democrático e aos direitos humanos, alicerces fundamentais das sociedades civilizadas.
Como enfrentá-lo?
Eis o desafio para as forças progressistas. Condenadas à União e ao Entendimento.
A luta continua. É permanente. E não acaba com a decisão soberana do Senado Federal. É essencial que o Campo Democrático esteja atento e firme. E, se possível, unido. Para vencer o permanente desafio neoliberal.

(*) Do Instituto Lampião – Análise e Reflexão sobre a Conjuntura

leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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