Por FC Leite Filho
A política externa independente do Brasil parece voltar a ser retomada depois de dois fatos concretos ocorridos em pouco mais de 48 horas: o voto de abstenção na resolução do Conselho de Segurança da ONU, que praticamente autorizou a invasão da Líbia pelas potências ocidentais, e a recusa do ex-presidente Luís Inácio da Silva, Lula, a comparecer ao almoço oferecido hoje pelo Itamaraty ao presidente norte-americano, Barak Obama, em visita ao Brasil. Esses dois episódios são relevantes para analisar a conduta inicial do novo governo Dilma Rousseff, no cenário internacional, que levou alguns setores, principalmente a grande mídia, a interpretar como uma inflexão, senão uma reversão, diante das diretrizes estabelecidas pelo presidente Lula, priorizando a autonomia brasileira, a integração latino-americana e a autodeterminação dos povos.
Sabe-se como são grandes as pressões, que inclusive se abateram com toda força antes mesmo da posse de Dilma, no primeiro do ano. A nova presidenta chegou a dar uma entrevista ao Washington Post questionando voto anterior do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da mesma ONU em relação ao Irã, quando disse que “se sentiria desconfortável com uma mulher presidenta eleita se não dissesse nada contra o apedrejamento”, chegando a ser taxativa ao afirmar: “Eu não concordo com o voto do Brasil. Essa não é minha posição”.
Naquela ocasião (a entrevista foi publicada em seis de dezembro), a presidenta eleita estava a quase um mês da posse. Sentiam-se seus cuidados de pisar em ovos numa questão que já tinha derrubado pelo menos dois presidentes, Jânio Quadros e João Goulart, por terem ousado desafiar o domínio dos Estados Unidos sobre nossas questões externas. O próprio Lula, ainda que, beneficiado com um ambiente menos hostil, determinado sobretudo pela eleição de vários presidentes progressistas na América do Sul e a ascensão de um novo mundo multipolar, enfrentou todo tipo de sabotagem – nacional e internacional. Só não foi à lona graças a uma inacreditável astúcia política que o levava não só a impor os interesses brasileiros, como até a receber prêmios internacionais da Espanha, França e outras potências, além de ser chamado de “o cara” pelo presidente Obama.
Dilma Rousseff não tem o tino acurado de Lula e precisava de cautela nesses primeiro meses de governo, quando tudo é difícil e arriscado, mas, a julgar pelos fatos recentes, tende a restabelecer a política externa de seu antecessor, inclusive porque não tem outra saída. A volta à submissão aos Estados Unidos, como ocorreu no Governo FHC, com toda a privataria (alienação de nossas estatais e recursos naturais), a intervenção do FMI com suas políticas de arrocho e desemprego, seria impensável, inclusive para a própria sustentação do governo. Já a política de seu antecessor, inaugurada por Jânio Quadros, reforçada por João Goulart, entre 1961 e 1963, e parcialmente retomada pelo general Ernesto Geisel, em 1974, foi que possibilitou o Brasil a superar a crise mundial de 2008 sem grandes atropelos, justamente porque, com a integração com os vizinhos e a abertura no rumo Sul-Sul, nosso intercâmbio se revelou mais justo e lucrativo.
A recusa de Lula em almoçar com Obama e o voto do Brasil na ONU
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