Artigo do Chanceler Celso Amorim
A revista norte-americana Newsweek não é nenhum veículo de esquerda ou sequer é tida como liberal, tal sua postura conservadora. Entretanto, é sua reportagem de capa, datada de de sete de junho de 2010, reproduzida na foto ao lado, que desmente as manchetes de toda a nossa grande imprensa, dizendo, em resumo, que o Brasil perdeu feio na questão do Irã e, ainda por cima, se isolou do mundo.
Segunda revista mais importante dos Estados Unidos, a Newsweek vai em direção contrária à percepção de nossa mídia nativa, ao perguntar, no título, para logo responder: “É este o futuro? O poder americano e seus limites. Por Fareed Zakaria”. Embaixo do título, segue a foto oficial do encontro em Teherã, que selou o histórico acordo entre o Brasil, o Irã, e a Turquia, destinado a assegurar que o programa de energia nuclear não vai resultar na fabricação de bombas nucleares. Nela, aparecem de pé e com as mãos entrelaçadas para cima, pela ordem, Luis Ignacio Lula da Silva, do Brasil, Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, e Recep Tayyip Erdogan, da Turquia.
A revista é didática quando explica a importância do Irã e de seu regime em relação ao mundo. Primeiro, ressalta que o regime iraniano, é tanto repressivo quanto decidido, e usa armas e dinheiro para se manter no poder, mas lembra que ele “também tem apoio entre os pobres, os idosos e os habitantes das áreas rurais: “Este não é um regime como o da Coréia do Norte, que se mantém, unicamente pela sua brutalidade”, assinala o jornalista Fareed Zacharia, de nacionalidade indiana, que, por acaso é o atual editor de Newsweek. “Nem ele está isolado como Pyongyang. O Brasil e a Turquia dificilmente estão sozinhos em seu enfoque em relação ao Irã. Os 118 países que compõem o Bloco dos Não-Alinhados (a qualquer superpotência), rotineiramente, assinam resoluções de apoio a Teherã na luta em torno de seu programa nuclear”.
A revista ainda afirma que “países como a Turquia e o Brasil (e China e Índia) têm crescido em matéria de poder econômico, nas últimas duas décadas”.
E cita dados: “Em 1995, o mercado dos países emergentes representava um terço da economia global. Este ano, estes países representam a metade e ainda estão crescendo. Eles são politicamente estáveis, ricos e cada vez mais confidentes e determinados a exercer um papel maior no cenário mundial”.
Por esta razão, Newsweek não dá razão às críticas contra o presidente dos Estados Unidos, acusado de ser prudente demais e de sujeitar-se a esses líderes dos emergentes: “Nestas circunstâncias”, – obaserva Fareed – “a idéia de que Obama deva impor mais o peso (mundial) dos Estados Unidos, é insensato e perigoso”.
Por que? “O Brasil e a Turquia não vão ficar mais cooperativos se Washington os ameace mais. A tarefa dos Estados Unidos é compartilhar e convencer os poderes emergentes do mundo que eles têm interesse em um mundo mais estável e decente”.
Agora, vamos às manchetes dos jornais brasileiros: Revista Veja: “A diplomacia brasileira jogou irresponsavelmente para a platéia antiamericana mas perdeu feio nas nações Unidas”. O Estado de São Paulo: “ONU aprova novas sanções ao Irã e e deixa o Brasil isolado”, Folha de S. Paulo: “ONU aprova sanções ao Irã, e Lula diz que é birra”; e O Globo: “O Brasil vota a favor do Irã e se isola dentro da ONU”.
O curioso é que a origem do financiamento, ou seja a publicidade das grandes transnacionais, e a matriz ideológica, da imprensa norte-americana, que é a civilização judaico-ocidental, que vem balizando há mais de 500 anos a chamada comunidade ocidental, quanto às dos jornais, TVs, rádios, em suma, a mídia brasileira, são exatamente as mesmas. Por isso, tanto aqui como lá, as versões dos outros fatos, que levam geralmente ao que já foi denominado de ditadura do pensamento único, leva à indagação de que, neste caso específico, a nossa mídia não estaria sendo mais realista que o rei?