Por Geniberto Paiva Campos (*) – Brasília, DF, 04 de novembro de 2016.
“Há duas coisas infinitas: o Universo e a Estupidez Humana. Não estou muito seguro sobre o Universo”. (Albert Einstein)
1. SOBRE GOLPES E G O L P E S
Todos os golpes se parecem, dizem os historiadores. Esta teoria estaria agora severamente questionada após o Golpe de Estado de agosto de 2016 no Brasil. Que mais uma vez excluiu a Democracia da vida dos brasileiros. Um Golpe suave nos métodos. Implacável na execução dos seus nefastos objetivos.
Há uma nova receita para os Golpes de Estado na América Latina.
Os laboratórios políticos americanos criaram fórmulas novas e eficazes que excluem a pressa. E onde são aplicadas, sequencialmente, etapas estratégicas, bem articuladas, assegurando o êxito dos movimentos golpistas. Os quais dispensam o emprego de tanques e canhões. E das frotas navais norte-americanas.
Todas as ações da trama estão conectadas a um fio condutor. Nada é deixado ao acaso. Aqui não se improvisa.
As ações golpistas são, como sempre, baseadas no apoio interno de segmentos políticos e parcelas da população. Dóceis e ingênuos. Prontos a obedecer ao comando externo. Incapazes de perceber a natureza complexa do jogo político. Sem sequer desconfiar da temeridade que estão a fazer: a renúncia à sua cidadania; a pronta entrega do Brasil a grupos estrangeiros; completamente alheios aos interesses do seu país; atuando, na prática, como uma força de ocupação externa. Para fazer o Brasil regredir à condição de Colônia. No século XXI.
Quem lembra do filme documentário “O dia que durou 21 anos”, de Flávio Tavares, poderá estabelecer comparações inevitáveis entre 1964 e 2016. Há grandes mudanças no atual “modus operandi”.
Tudo se passa, agora, de maneira bem diferente. Não há necessidade da interferência direta do presidente dos Estados Unidos ou das Forças Armadas do Tio Sam. O embaixador americano cumpre ainda um papel relevante na articulação do Golpe de Estado. E logo após a consumação é transferido para outras plagas. Como sempre. Irá em busca de outros países a serem “salvos para a Democracia”.
Quem vivenciou 1964 lembra do embaixador Lincoln Gordon e da forma direta, abusada até, da sua atuação no Golpe. Uma espécie de mandatário americano junto ao governo brasileiro. Como se fora um vice-presidente. Ou um presidente vice. Era o tempo da Guerra Fria. Ousava-se fazer humor, à época: – “Chega de intermediários, Lincoln Gordon presidente! ”
Honduras, Paraguai, Brasil representam atualmente testes experimentais, exitosos, realizados nas duas primeiras décadas do século XXI. Inteiramente aprovados e comprovados funcionalmente, para promover mudanças de regimes políticos avaliados como hostis, na região. Para servir docilmente aos (quase sempre equivocados) interesses geopolíticos americanos. E a uma nova ideologia.: o natimorto Neoliberalismo. Uma espécie de religião fundamentalista do novo século.
A base ideológica anticomunista caducou. A que se apresenta agora é a aplicação de teoria neoliberal. A ferro e fogo. E sem o menor pudor ou complacência. Mas que necessita do antigo viés da chamada “luta contra a corrupção”. Um velho e surrado pretexto que ainda funciona.
2. A INVASÃO DOS BÁRBAROS / A DITADURA ENVERGONHADA
Há que prestar muita atenção aos detalhes desta nova modalidade de Golpe. Ou ficará difícil entender o que realmente se passa.
Há uma operação de alto risco em marcha para promover o desmonte calculado (muito bem calculado) do Estado brasileiro. Assumido como “inimigo inconciliável do Mercado”. Para os neoliberais pouco importam as consequências. Importa, acima de tudo, eliminar qualquer possibilidade do Brasil exercer merecida liderança no seu espaço natural, a América Latina. E no contexto internacional.
Foi excessivamente arriscada a aposta no Brasil, pelo seu tamanho e importância estratégica, como próxima vítima do atual padrão norte americano de Golpe de Estado. Mas as forças desestabilizadoras que atuam internamente foram surpreendentemente eficazes. Tinham vastos recursos disponíveis. E obtiveram pleno êxito em seus desígnios. E, finalmente, arrebataram o controle total do país no segundo semestre de 2016. Conforme estava planejado. Fechando o círculo de ferro do esquema: executivo, recém conquistado, a maioria confortável do legislativo, segmentos importantes do judiciário e a indefectível Mídia.
Já é possível fazer uma linha do tempo bastante precisa da articulação golpista. Elaborada externamente para ser aplicada localmente, obedecendo a um rígido cronograma.
Quando as forças políticas progressistas assumiram o governo federal em 2003, foram acesas as luzes amarelas de advertência, sinalizando perigo iminente. Ali foi o começo.
A continuidade da execução, relativamente tranquila, desde o governo Collor, do projeto neoliberal poderia sofrer retardo e enfrentar dificuldades. Esquemas desestabilizadores foram então montados e colocados em funcionamento.
Tudo começa com a estranha filmagem da entrega de dinheiro em espécie a um óbvio e estranho “corrupto” da Empresa de Correios e Telégrafos/ECT. Eram os primórdios do que viria a ser conhecido pela alcunha midiática de “Mensalão. ” Preparava-se assim o inferno astral do Partido dos Trabalhadores. E o seu lento e seguro extermínio.
Em 2005 a coalização que governava o país, sob a liderança do Partido dos Trabalhadores estava estigmatizada, irremediavelmente, como “corrupta”.
E já se tornava perceptível as ações coordenadas entre a Mídia, a classe política na oposição e segmentos do poder judiciário.
Começava ali a submissão do aparato legal aos interesses políticos imediatistas dos articuladores do Golpe.
Juízes transformaram-se em “justiceiros”. A falta de provas nos autos foi prontamente substituída por “criações jurídicas”, jamais aplicáveis àquelas situações concretas. Os indiciados iam a julgamento previamente condenados pela opinião pública, manobrada pela Mídia, sedenta de “justiça” e de “sangue”, com o apoio dos “justiceiros”.
Pensava-se mais ou menos assim, adotando um raciocínio simplista e preconceituoso: “ é contra o PT? Então é tudo perfeitamente legal e permitido! ” Poucos perceberam que ali foi o começo da extinção do Estado de Direito. Substituído por raciocínios e normas jurídicas abstrusas. Mas se era para “moralizar” o país, acabar com a famigerada “corrupção “ e, por tabela, “criminalizar o PT”, estava tudo bem.
Esquecia-se, convenientemente, que “as normas e os protocolos jurídicos existem não para atrapalhar a justiça ligeira, mas para GARANTIR DIREITOS.”
O julgamento do “Mensalão” poderá entrar para a História como um grande teatro jurídico, o qual, nos anos seguintes, afundaria o país numa estranha, silenciosa Ditadura.
Os brasileiros, leitores habituais de jornais e revistas, ouvintes de rádios e TVs, porta-vozes do Neoliberalismo, passaram a conviver diariamente com os novos chavões e termos complicados, originários do poder judiciário. “Domínio do Fato”; condenações em processos criminais baseadas na “Literatura Jurídica”; “Dosimetria da Pena” (draconianas, quando aplicadas aos integrantes do PT); erros grosseiros de interpretação de “provas”. “Enfim, a justiça cumpria o seu papel de condenar, mesmo sem a existência de provas, criminosos sem crime.
O passo seguinte veio a afundar mais ainda o país num abismo sem fim.
A “Operação Lava Jato” evidenciou o comprometimento do judiciário com operações desestabilizadoras da Democracia e do processo produtivo. E com a perigosa introdução de novidades jurídicas, sempre com o indisfarçado objetivo de politizar/partidarizar a justiça. O que levou o cientista político português Boaventura Santos a dizer: – “O que mais custa aceitar é o papel do Judiciário no Golpe”. Pois considera o sistema judicial um dos mais seguros pilares da Democracia.
Novamente, os brasileiros foram surpreendidos com novos “conceitos” jurídicos: “delação premiada” para gerar provas e “convicção pessoal” quando da falta absoluta de provas. “Condução Coercitiva” como ensaio midiático para a prisão.
O que vai colocando o Brasil cada vez mais distante da Civilização e perigosamente próximo da Barbárie.
Enfim, jogaram o país num ultrapassado fundamentalismo econômico, o Neoliberalismo, incapaz de conviver com normas jurídicas apropriadas e com o Estado Democrático de Direito. Ironicamente levado a estas condições por elementos partidarizados do sistema judicial. Cuja missão precípua seria a defesa da Lei e da Ordem Jurídica.
3. A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA ESTUPIDEZ
“Não há nada de novo sob o sol”, assim está escrito no Eclesiastes
E diante de tantas coisas estúpidas, aceitas como normais e necessárias por parte da população, habilmente manipulada por uma Mídia desonesta e inescrupulosa, ressalta a necessidade da busca por experiências históricas que trouxeram resultados desastrosos para as nações que resolveram experimentá-las e entendendo tais experiências também como “necessárias”.
Em primeiro lugar, vale trazer à nossa memória experiências relativas a Golpes de Estado. Nós os julgamos, sempre, como coisas de “países atrasados”. Uma espécie de padrão latino americano. O “selo“ que confirma o atraso político do Continente.
Poucos imaginam um Golpe de Estado tramado nos Estados Unidos, para derrubar seu próprio governo.
Em seu livro mais recente, “A Desordem Mundial” – O espectro da total dominação (1), o respeitado escritor e cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira nos surpreende com a narrativa do Golpe, concebido no início dos anos 1930, para afastar o presidente Franklin Roosevelt da presidência dos Estados Unidos.
Pelo inusitado, vale a transcrição: “Durante a Grande Depressão, que se seguiu ao colapso da bolsa de Wall Street, em outubro de 1929, a Black Friday, alguns grupos Morgan financeiros e industriais – cerca de 24 das mais ricas e poderosas famílias dos Estados Unidos, entre as quais Morgan, Robert Sterling Clark, Dupont, Rockfeller, Mellon, J. Howard Pew e Joseph Newton Pew, da companhia Sun Oil, Remington, Anaconda, Bethlehem, Good Year,Bird’s Eye, Maxwell House, Heinz Schol e Prescott Bush – conspiraram. Planejaram financiar e armar veteranos do Exército, sob o manto da American Legion, com a missão de marcharem sobre a Casa Branca, prender o presidente Franklin D. Roossevelt (1933 – 1945) e acabar com as políticas do New Deal. O objetivo consistia na implantação de uma ditadura fascista, inspirada no modelo da Itália e no que Hitler começava a construir na Alemanha. O Wall Street Plot, porém, abortou”.
(Qualquer semelhança com intervenções diretas ou indiretas posteriores, de Washington em vários países, de todos os quadrantes, não terá sido mera coincidência. Eis a fórmula).
4. O QUE FIZERAM DE TI, GENTIL PÁTRIA AMADA?
Teria sido inútil o esforço e a coragem dos 19 senadores e 137 deputados que se opuseram ao Golpe de Estado de agosto de 2016? Cujas consequências superam as expectativas mais otimistas dos seus planejadores de Washington?
Provavelmente, não. Esses bravos brasileiros, homens e mulheres de firmes coonvicções e serena coragem, terão, no futuro os seus nomes esculpidos na pedra e no bronze.
Os que assumiram o Poder de forma espúria, pretendem agora transformar o Brasil num simples “Paraíso Fiscal”. Uma imensa, gigantesca ilha paradisíaca, onde turistas dos “países amigos” virão em busca de investimentos seguros, jogos e prazeres. Como se se houvesse um mágico retorno às primeiras décadas do século passado. Quando ilhas do Caribe desempenhavam essa função.
Como foi possível tal retrocesso?
A resposta virá talvez do esforço dos historiadores, aturdidos e pasmos na busca de explicações para tal insensatez.
Enfim, como teria sido possível tamanha estultice? Somente a (infinita) estupidez humana poderia explicar.
Encurtando uma longa história, resta a certeza que o Brasil é um país grande demais, de inquestionável importância geopolítica e, portanto, não cabe no estreito abismo para onde querem lhe empurrar políticos medíocres. Serviçais acríticos de uma ideologia cujos padrões operacionais mostraram-se completamente inviáveis nas áreas econômica, política, social, cultural e tecnológica. Reciprocamente, a ideologia neoliberal não cabe no Brasil.
É impossível, mesmo com o auxílio de Leis, votadas por um Congresso dócil e obediente, fazer um país como o Brasil retroceder ao século XIX.
DESISTAM DESSA ESTULTICE POLÍTICA. AINDA HÁ TEMPO, SENHORAS E SENHORES CONGRESSISTAS.
(*) – Do Instituto Lampião – Reflexões e Análises sobre a Conjuntura
(1) Luiz Alberto Moniz Bandeira – “A DESORDEM MUNDIAL – O espectro da total dominação” – Guerras por procuração. Terror. Caos e Catástrofes Humanitárias. Ed. Civilização Brasileira – Rio de Janeiro / 2016 – pg. 38