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Brasília nos tempos do Zé Aparecido

Por Paulo Timm (“)
É difícil imaginar o Brasil sem o Zé Aparecido. E ele se foi, no torvelinho do tempo, que tudo arrasta e consome. Mas o Zé foi Governador de Brasília, de 09 de maio de maio de 1985 até fins de 88. Curiosamente, os jornais se calam quanto à data da saída. Parece que um dia, sem mais nem menos, ele deixou de ser Governador. Hoje, na sua morte, todos o pranteiam. Mas como era Brasília no tempo do Zé?
Brasília, lembrando Praga e Paris do início do Século XX , era uma verdadeira festa. Um clima de otimismo, gerado pela redemocratização, pela Constituinte, pela liberdade de imprensa contaminava o ar da cidade. Nada parecia impedir o Brasil de cumprir uma nova era de paz e prosperidade. O Plano Cruzado, em fevereiro de 1986, gerou um tal clima de euforia que ninguém , salvo o Governador Brizola , do Rio de Janeiro, parecia descrer da Nova República nascente.
O desmantelamento da máquina governamental trazia novos agentes na vida da cidade e os “negócios” progrediam com uma febril excitação. Era comum dizer-se, então, que não apenas a política se abrira, mas também a economia, pois os reflexos do Cruzado eram visíveis nos pequenos negócios enquanto os negócios públicos se redistribuíam com inédita generosidade. Dez dias de antecipação no pagamento de uma fatura representavam numa “comissão” inimaginável nos tempos austeros da ditadura. Uma conta institucional aberta num Banco representava a seu detentor uma vantagem insuspeita.
O grande “centro” dos negócios públicos era a antiga COBAL, delegada ao Partido Trabalhista Brasileiro –PTB que, alegoricamente, ficou conhecido como PTB-COBAL. Ali era o centro de compras de vultosos programas nacionais de merenda escola, nutrição e alimentação , estoques reguladores e outras quejandas. E não havia controle sobre cheques, o que só veio a ocorrer no Governo Collor. Ninguém suspeitava que, um dia, haveria CPIs, investigações da Polícia Federal, imprensa investigativa. Vivia-se , em Brasília, uma grande descontração em todos os sentidos. Tudo acabava em grandes brindes de champanhe no Florentino, o grande Restaurante da época, que disputava com o Piantela a preferência pelas comemorações.
O Piantela, mais tradicional e austero, tinha a preferência de Ulysses Guimarães que todas as noites passava para um trago de “poire”, uma decliciosa aguardente de pêra que fez sucesso. O Florentino, mais ousado nos preços e nos serviços ostentava já no balcão de entrada um tentado pernil de presunto de parma que encantava os constituintes e lobistas mais afortunados. Pelos mesas de canto esgueiravam-se alguns personagens emergentes da vida local.
Mas o dono das noites encantadas deste tempo era o Carlos Henrique, com sua elegância impecável desde os cuidados fios de cabelos negros e lisos até os sapatos impecavelmente cuidados. Acompanhavam-lhe sempre os condestáveis da época: Waldimir Diniz, jornalista e poeta, editor da Veja, Milton Gontijo, ator e diretor do cinema novo, Carlão , também jornalista, hoje mortos, o último pobre e esquecido em Olhos d Água. Via-os sempre, à tarde, fim da tarde, num bar da 304 sul, do “Angolano” , de onde rumavam para o outro point da época que era o coletivo do Moinhos, na 114 Sul.
Enquanto isto a cidade desperta para a cultura: O rock desponta nacionalmente comovendo o pais e fazendo de Brasília de Capital do Tédio na Capital do Barulho; os Festivais de Cinema de Brasília alcançam um sucesso inimaginável; o Dulcina abre suas portas enquanto outra figura exemplar deste tempo pontifica na Federação do Comércio transformando o SESC num imenso laboratório de cultura. A cidade fervilha por todos ao cantos. E pela primeira vez as satélites=- Taguatinga à frente -se aproximam do Plano, desconfiadas , inseguras, mas certas de vir a ocupar um lugar mais condigno com o próprio tamanho a que chegaram. Grandes personagens populares pululam nos becos, ruas e bares da cidade com sua alegria e loucura contagiantes: Zé Pereira, cinéfilo e promotor cultural, J. Pingo, ator e diretor teatral, indefectível candidato a deputado da putada, com sua alegórica Kombinacional , Ary Pararraios e o Wanderley Lopes que neste tempo abandona a macro-biótica- que havia implantado na cidade- e se dedica ao “jornalismo”, com o FOGO CERRADO., um jornal anarco-traficante como ele costumava dizer.
No Governo do Distrito Federal as coisas eram menos abusadas, à exceção da SAB , mas não muito diferentes. Novas caras, novos estilos, comandavam o espetáculo. Principalmente depois da vitória do PMDB nas eleições de 1986 os cargos passaram a ser ocupados por indicação partidária, à qual se aliava o PPF de Osório Adrano, Walmir Campelo e Maria de Lourdes d Abadia numa corrida ímpar. Isto era uma grande novidade na cidade que, até bem pouco tempo, desconhecia uma instância propriamente política. Mas também , aqui, era tudo uma grande festa. O Zé Aparecido sempre reunido com seus amigos intelectualizados como o Osvaldo Peralva e tantos outros, aos quais se associaria a presença marcante das visitas de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa. Em 1986 Lucio retorna por primeira vez à cidade depois da inauguração e deixa seu relatório no Brasília Revisitada, no qual propõe as Quadras Econômicas, uma delas logo construída, ao lado do Guará e que recebeu seu nome.Lamentavelmente, não é um documento brilhante Destes encontros surge a idéia do tombamento de Brasília, já assombrada pelos seus quase dois milhões de habitantes, um sem número de favelas interiores ao Plano, e uma gigantesca periferia extra-muros extornada para Goiás. O CAUMA, órgão de controle do solo da na cidade continuava apostando na sua soberania e via com melhores olhos o tombamento do que a implementação do dormido PLANO ESTRUTURAL DE ORDENAMENTO TERRITORIAL – PEOT, que já advertia para a necessidade da flexibilização na oferta de terras do DF para assentamento das populações carentes.
E aí, neste ponto, está a grande glória do Zé Aparecido e também seu fracasso em Brasília.
O tombamento de Brasília era o último suspiro do “projeto –cidade” idealizado nos anos 50. Tinha de ser providenciado. Mas talvez tivesse sido melhor tê-lo feito antes, quando a cidade ainda não tivesse crescido tanto e junto com a própria redemocratização do país. Brasília sempre foi uma obra de arte, uma memorável obra de arte. Mas a arquitetura – e especialmente o urbanismo – é , talvez, a única arte que não subsista por si mesmo, como objeto de contemplação. Elas estão imbricadas com a utilidade que propõem e supõem. Quando a arte de Lucio Costa se enfrenta ao fantasma de dois milhões de pessoas, que haviam se reorientado do Rio e São Paulo para cá, em razão das mudanças paradigmáticas do desenvolvimento brasileiro que fariam do centro-oeste nas décadas de 80 e 90 o grande escoadouro migratório, Brasília tinha que repensada e não apenas revisitada pelo grande mestre. Ela passava a ser um objeto de tratamento político e não estético. Paradoxalmente, pela sua natureza profundamente mineira, pelos amigos que o cercavam, pelos ideais que o iluminavam, Aparecido não podia ver isto. Ele não viu que tanto ou mais que fazê-la Patrimônio da Humanidade, havia que atentar para a reversão do primado do Plano Piloto ,do físico e do supérfluo , para suas antíteses, a saber, a ocupação de todo o Distrito Federal, a emergência do social como expressão das novas demandas urbanas e do urgente necessário que ameaçava se impor pela força como demonstrou, para espanto de todos ,a quebradeira de outubro de 1986 quando o Governo Federal , garantidas as eleições liquidou o Plano Cruzado.
Por isto Zé Aparecido caiu., num dia incerto, num mês incerto, provavelmente no fianl de 1988…
E abriu espaço para um goiano que lhe era o avesso. Homem simples, grande esperteza política e fundas raízes na região, mas que viria a perceber estas nuances do momento brasiliense a ponto de firmar-se como um grande líder político. Mas se Zé deixou o Governo para o que os goianos chamam de sua vingança contra o iluminismo cosmopolita do Rio e Belo Horizonte, deixou uma herança de estigmatização das elites contra Roriz. Ele pagará, sempre, à luz das elites, o preço de ter feito o que, de uma forma ou outra,- talvez, até, “outra” – tinha de ser feito: a ocupação de todo o Distrito Federal em consonância com o Projeto Brasília. Enquanto o Zé será imortalizado pela sua grande arte , que não foi a política, mas a de fazer amigos e se fazer respeitar pelo ideal de imortalizar Brasília , num flash back dos anos dourados.
(*) Paulo Timm, 63, – Professor da Unb, Técnico do IPEA (ap) – Ex Secretario do Meio Ambiente do Distrito Federal
leitefo
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Francisco das Chagas Leite Filho, repórter e analista político, nasceu em Sobral – Ceará, em 1947. Lá fez seus primeiros estudos e começou no jornalismo, através do rádio, aos 14 anos.
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